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CAPÍTULO 4 – O silêncio cordial do porta-voz da luta contra a pobreza:

4.1 Gestão da polêmica

Como já dissemos, no ano de 2011 o slogan foi abordado em diversas ocasiões pela presidente e tomado como questão em várias de suas falas, sendo explicado e avaliado por ela e vinculado a quase todo tema político tratado. Entre aproximadamente 190 falas oficiais da presidente em 2011, contadas depois do anúncio do slogan, em 22 especificamente a presidente tomou o slogan como objeto a ser explicado ou lhe atribuiu diretamente um sentido. Especialmente, desde seu anúncio a presidente tomou o slogan por lema e síntese dos princípios de seu governo, deslocando o enunciado de sua função de gênero, atribuindo-lhe novo tom. No que segue analisaremos algumas dessas ocorrências.

Reiteramos que o slogan do governo federal foi apresentado pela presidente em seu primeiro pronunciamento à nação em cadeia nacional de rádio e televisão no dia 10 de fevereiro de 2011. O pronunciamento teve por objetivo comemorar o retorno às aulas no país, expor os avanços e as metas do governo para a melhoria da educação e interpelar a sociedade para participar junto com o governo dessas metas, atribuindo a essa participação um papel fundamental.

Vejamos o excerto em que o slogan é anunciado pela presidente:

Para concluir, reafirmo que a luta mais obstinada do meu governo será o combate à miséria. Isso significa fortalecer a economia, ampliar o emprego e aperfeiçoar as políticas sociais. Isso significa, em especial, melhorar a qualidade do ensino, pois ninguém sai da pobreza se não tiver acesso a uma educação gratuita, contínua e de qualidade. Nenhum país, igualmente, poderá se desenvolver sem educar bem os seus jovens e capacitá-los plenamente para o emprego e para as novas necessidades criadas pela sociedade do conhecimento.

País rico é país sem pobreza. Este será o lema de arrancada do meu governo. Ele está aí para alertar permanentemente a nós, do governo, e a todos os setores da sociedade, que só realizaremos o destino de grandeza do Brasil quando acabarmos com a miséria (ROUSSEFF, 10/02/2011). [Pronunciamento à nação em cadeia nacional de rádio e TV].

A despeito da diferença entre pobreza e miséria e da sua equivalência estabelecida nesse enunciado, o argumento que recorta um sentido para o slogan estabelece uma contradição entre a realização do destino de grandeza do Brasil e a miséria ou a pobreza. Isto é, o combate à pobreza é a condição de realização desse

destino. Aqui dois já ditos fazem significar o argumento. Um deles, construído no paralelismo futuro grandeza / destino grandeza, é sobre a celebração da grandeza do Brasil enunciada no hino nacional ao cantar a independência e a soberania da pátria: Gigante pela própria natureza, / És belo, és forte, impávido colosso, / E o teu futuro espelha essa grandeza. O outro, construído pela subordinação temporal e pela implicação condicional de exclusividade entre os conectivos só e quando, é diretamente contraditório ao primeiro e fala sobre a eterna potencialidade de grandeza do Brasil que nunca se concretiza apesar de tantas riquezas, ideia que ressignificou a formulação país do futuro. Ao fazer falar manifestamente o discurso da grandeza da pátria e ao mesmo tempo o seu discurso antagonista (POSSENTI, 2004), aquele que questiona e relativiza a grandeza como promessa não realizada, o enunciado produz dois efeitos de sentido: compreende a realização da promessa de grandeza como problema para o qual se encontrou a receita de uma solução concreta e compreende a sua realização como um dever patriótico. Assim, como paráfrase do processo designativo do slogan que o inscreve polemicamente num domínio de saber que simboliza país e riqueza, isto é, através de uma atualização de sentidos fundadores sobre a nação brasileira, sobre sua grandeza e sobre sua riqueza e por meio de um encadeamento de discursos contrapostos, a luta contra a pobreza é significada como dever patriótico.

Porém, mais do que uma síntese dialética, esse enunciado, diremos, metadiscursivo, apresenta uma gestão da polêmica que o objeto temático pobreza representa como problema social. Se em relação ao contexto distante da relação dialógica (BAKHTIN, 2008) trabalha sobre o irrealizável, em relação ao contexto imediato, a um domínio associado, estabelece outra contradição inscrita no sintagma acabarmos com a miséria, como elemento anafórico do parágrafo anterior onde a presidente desenvolve o significado de combate à miséria como luta mais obstinada de seu governo: fortalecer a economia, aperfeiçoar as políticas sociais, melhorar a qualidade do ensino, capacitar plenamente para o emprego e para as novas necessidades criadas pela sociedade são alguns exemplos da rede de formulações equivalentes da luta contra a pobreza. Sob a determinação do interdiscurso a articulação entre fortalecer a economia e aperfeiçoar as políticas sociais reproduz a síntese fundante do DLCP, qual seja, a crítica onusiana de que ao desenvolvimento econômico deveria ser inclusa a dimensão humana na ordem dos direitos humanos

universais, reproduzida depois estrategicamente como imperativo categórico pelo Banco Mundial. De fato, pela afirmação da síntese do desenvolvimento pleno, nesse enunciado emerge como elemento contraditório exterior, isto é, como réplica, um discurso que acusa ou denuncia o fato de o Brasil não ser um país desenvolvido, a despeito do valor do PIB, enquanto apresentar IDH e PIB per capita bem abaixo daqueles dos países ditos desenvolvidos. Esse discurso, enquanto antagonista, emerge como uma herança da gestão de Lula que tinha como slogan Brasil: um País de todos, como acusação de que o Brasil havia permanecido um país de todos em favor de poucos. Nesse caso, o discurso antagonista é absorvido, ao invés de ser apagado ou refutado, e é tomado como argumento de apelo no discurso presidencial. Essa correlação de estados contraditórios aponta para um funcionamento discursivo de gestão da polêmica, onde a memória de uma polêmica é transformada em consenso.

Ao usar discursos antagônicos para relativizar a grandeza/riqueza do Brasil, isto é, ao colocá-la sob determinadas condições de realização, o enunciador coloca em correlação:

Luta contra a pobreza como condição de desenvolvimento pleno // Desenvolvimento pleno como condição de realização do destino de grandeza do país

De tal modo, ao mesmo tempo coloca em equivalência as duas unidades contraditórias que têm por solução a luta contra a pobreza:

Realização do destino de grandeza do Brasil x eterno país do futuro. Riqueza econômica do país x desigualdade socioeconômica

Ou seja, a lógica que fundamenta e justifica o DLCP enunciado pelas instituições internacionais de desenvolvimento é reproduzida operando sobre os símbolos locais a partir de uma correlação de equivalência de unidades contraditórias construídas em vista de uma única solução possível. Essa lógica se desenvolve como um gerenciamento de elementos contraditórios que ocupam o lugar da representação, do símbolo, da doxa, aquilo que todo mundo sabe. Mas, além disso, esse gerenciamento tem sua efetividade em uma oneração dos espaços de polêmica, isto é, os espaços são preenchidos com elementos convenientemente

arranjados no universal, no geral, no interesse, no dever e no direito de todos. Em outras palavras, ocupa-se os espaços da Polêmica que é própria do campo discursivo político com polêmicas que produzem o consenso. Esse novo polemarco orquestra por meio dos seus lexemas antigos – luta, combate, erradicação – a nova guerra justa que beneficia a todos, pela qual só há derrotados se a guerra não houver.

A correlação condicional entre luta contra a pobreza, desenvolvimento e riqueza/grandeza do Brasil que tem como efeito de pré-construído a verdadeira riqueza das nações e ao mesmo tempo rememora sentidos fundadores do nacional vai aparecer como uma premissa nas falas da presidente quando reitera o slogan, sobredeterminando de tal modo, a gestão da polêmica. É preciso distinguir aí, no entanto, aquilo que é próprio do funcionamento discursivo do DLCP e o que ocorre como efeito próprio da enunciação política. Vamos desenvolver melhor essa questão utilizando para tanto as categorias desenvolvidas por Verón (1996) para uma caracterização da enunciação política.

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Segundo Verón, em seu artigo La palavra adversativa: observaciones sobre la enunciación política, uma característica invariante da enunciação política consiste no seu endereçamento ao mesmo tempo para um destinatário positivo e um destinatário negativo, ao que se acrescenta especificamente nos contextos democráticos um terceiro destinatário que seria aquele ainda por se convencer. O destinatário positivo, denominado prodestinatário, consiste em uma posição que participa das mesmas ideias, valores e objetivos do enunciador político, é seu partidário. A relação do enunciador político com esse prodestinatário é baseada em uma crença pressuposta e tem, na enunciação política, uma forma específica que Verón denomina coletivo de identificação. Já o destinatário negativo, denominado contradestinatário, é definido justamente por se encontrar excluído desse coletivo de identificação. A relação do enunciador político com o contradestinatário é baseada na hipótese de uma inversão da crença, isto é, o que é bom, verdadeiro, sincero, por exemplo, para o enunciador é pressuposto como seu inverso para o contradestinatário. Para Verón, esse “outro” que habita todo discurso político consiste na presença sempre latente da leitura destrutiva que define a posição do adversário político. Quanto ao terceiro tipo de destinatário, que compreende os

setores da cidadania chamados de “indecisos”, a sua relação com o enunciador político é baseada numa suspenção da crença. Verón denomina essa posição como paradestinatário e aponta que a esse terceiro tipo de destinatário é endereçado tudo que no discurso político é da ordem da persuasão. Assim, o discurso político se caracteriza como um discurso de reforço em relação ao prodestinatário, de polêmica em relação ao contradestinatário e de persuasão em relação ao paradestinatário.

A essas três posições de endereçamento da enunciação política, em relação às quais o enunciador se define, correspondem no plano do enunciado um conjunto de entidades do imaginário político e de componentes modalizadores.

As entidades do imaginário político são definidas por Verón como: 1- coletivos de identificação: marcado principalmente pelo nós, consiste no fundamento da relação construída, no discurso, entre o enunciador e o prodestinatário. Geralmente são entidades quantificáveis por expressões como muitos, alguns, poucos, todos etc.

2- coletivos de generalização: são entidades mais amplas e associadas principalmente ao paradestinatário. São expressos por categorias genéricas como cidadãos, trabalhadores, amigos e frequentemente com o uso de gentílicos.

3- metacoletivos singulares: são mais gerais que os coletivos especificamente políticos que identificam os enunciadores e não podem ser quantificados. São geralmente expressos por categorias totalizantes como o Estado, o país, a nação, o povo etc. São também utilizados para designar o contradestinatário com expressões como a direita, a esquerda, a oposição etc.

4- formas nominalizadas: são expressões com certa autonomia semântica em relação ao contexto discursivo e funcionam muitas vezes como fórmulas destacadas que representam uma posição política ou um conjunto de princípios políticos e são utilizadas frequentemente para cadenciar a argumentação. Podem ter um valor positivo se representam a posição do enunciador ou negativo se representam a posição do adversário.

5- formas nominais que funcionam como operadores de interpretação: são expressões que concentram um poder explicativo e supõem um efeito imediato de inteligibilidade por parte ao menos do prodestinatário. Verón aponta como exemplos as expressões: a crise, o imperialismo.

Os componentes modalizadores articulam a relação que o enunciador estabelece com os destinatários. Verón define quatro componentes: descritivo, didático, programático e prescritivo ou interpelativo. Segundo o autor esses componentes são caracterizados como zonas de discurso que se diferenciam conforme as posições enunciativas no campo político, isto é, cada tipo de destinatário terá um desses componentes como lugar privilegiado de manifestação.

O componente descritivo frequentemente comporta ao mesmo tempo uma leitura do passado e uma do momento atual. Serve para que o enunciador exerça uma constatação ou uma avaliação de uma determinada situação. Geralmente tem por tema a economia. Além disso, através desse componente o enunciador se constrói a si mesmo como fonte privilegiada da inteligibilidade e das modalizações apreciativas que compõem a descrição, de modo a preencher o discurso com certas marcas de subjetividade. Conforme Verón, tanto o componente descritivo quanto o didático são da ordem do saber. No entanto, através do componente didático o enunciador, ao invés de descrever uma conjuntura e produzir uma constatação, enuncia um princípio geral em um plano atemporal da verdade. O componente prescritivo, por sua vez, é da ordem do dever, como necessidade deontológica. Geralmente aparece como uma regra geral e impessoal ou como imperativo universal e se manifesta com expressões como é preciso, é necessário, é um dever etc. Já o componente programático é da ordem do poder fazer e manifesta o compromisso do enunciador com o futuro que assombra. Nesse componente predominam os verbos no futuro e no infinitivo.

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A partir das categorias propostas por Verón, podemos caracterizar o slogan como uma nominalização relativamente destacada, isto é, com certa autonomia semântica que lhe permite sua coerência em diferentes contextos enunciativos como pronunciamentos, propagandas, documentos etc., e que concentra uma ordem de princípios com valor positivo, de tal modo que afeta o contexto argumentativo. Mas, além disso, como veremos também, essa ordem de princípios é ao mesmo tempo construída no mesmo contexto enunciativo o qual afeta, de modo que, a cada vez, sofrerá também uma determinação recíproca. Assim, enquanto nominalização destacada, a cada ocorrência o slogan funciona como uma ancoragem dos sentidos já produzidos.

Antes de analisarmos a sequência dessas ocorrências do slogan, vamos retomar o excerto de seu anúncio, já analisado acima, para examinarmos a correlação condicional entre luta contra a pobreza, desenvolvimento e riqueza/grandeza do Brasil, a partir dos elementos enunciativos. Quanto ao destinatário desse enunciado, lembremos que se tratava de um pronunciamento à nação em cadeia nacional de rádio e tv, de tal modo que pressupõe como interlocutor a totalidade dos cidadãos. Trata-se então de um enunciado construído em vistas das três figuras coenunciativas: o prodestinatário, o contradestinatário e o paradestinatário. O interlocutor total é nomeado no pronunciamento com a expressão vocativa:

Queridas brasileiras e queridos brasileiros,

Nessa expressão, o que produz sentido em termos da construção dos destinatários é a hierarquia de gênero estabelecida. Embora Verón considere o enunciador e o destinatário do discurso político entidades abstratas construídas pelo discurso, nesse caso é preciso acrescentar o efeito produzido pela imagem do locutor, que é uma mulher e a primeira a ser eleita presidente da República. Logo a sua imagem representa uma conquista de gênero num campo de significação histórico. Pressuposto então que o enunciador desse discurso é determinado pela imagem do locutor, a expressão vocativa constrói ao mesmo tempo um pródestinatário e um paradestinatário. Queridas brasileiras funciona como um coletivo de identificação do enunciador ao mesmo tempo em que a expressão gentílica funciona como categoria mais ampla que associa um paradestinatário. Essa articulação produz como efeito, pelo tom afetivo dos adjetivos queridas e queridos, uma interpelação emotiva do paradestinatário, colocando-o em posição contígua ao pródestinatário. Outro efeito relevante produzido por um deslocamento das figuras coenunciativas, como um jogo de identificação e distanciamento entre prodestinatário e paradestinatário aparece no enunciado em que é apresentado o slogan pelo coletivo de identificação nós, do governo e o coletivo geral todos os setores da sociedade. Aqui aparece um dado muito relevante de produção do consenso: ao opor governo e setores da sociedade como elementos contraditórios cooperativos, distingue-se governo como classe política homogênea. Ao mesmo tempo, muda-se o estatuto da designação governo de metacoletivo para coletivo de

identificação acrescido do pronome nós. Onde um contradestinatário coincidiria com o interlocutor adversário político, faz-se coincidir o adversário e o prodestinatário. A isso se acrescenta que em termos de componentes que articulam a relação entre o enunciador e seus destinatários predomina nesse enunciado o componente prescritivo. A forma condicional geralmente permite que seja enunciada uma regra de caráter impessoal, como imperativo. Assim, em só realizaremos o destino de grandeza do Brasil quando acabarmos com a miséria, ainda que a condição de necessidade não seja explicitamente marcada por uma expressão como é preciso, é necessário, é indispensável etc., tal condição é restringida a uma única opção de agir pelo conectivo só, como condição exclusiva, funcionando assim como um imperativo que deve ser seguido pelo governo e todos os setores da sociedade, como é alertado pelo slogan, acrescentando-se que alertar tem por sentido também uma ordem (de atenção, de vigilância). Observadas essas características do enunciado, o jogo entre distintos destinatários e o efeito de imperativo do argumento, podemos agora distinguir do sentido da correlação condicional uma figura de discurso, um efeito de sentido, que é própria do discurso da luta contra a pobreza e que será constante na fala presidencial, o consenso da luta contra a pobreza como dever de todos.

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No que segue, analisamos outro proferimento no qual identificamos alguns elementos recorrentes no corpus de análise do slogan que exemplificam o funcionamento discursivo da gestão da polêmica ou produção do consenso sob a determinação do DLCP como dominante.

No dia 21 de fevereiro de 2011, em Aracajú, a presidente proferiu a fala de abertura do XII Fórum dos Governadores do Nordeste, evento anual criado para a discussão de ações voltadas para o desenvolvimento dos estados daquela região. Após os cumprimentos, a presidente continuou sua fala com um agradecimento pelo papel desempenhado pelo povo do Nordeste nas eleições, afirmando que tal agradecimento consistia em um compromisso com o projeto que havia sido por ela apresentado nas eleições, qual seja, o de desenvolvimento com inclusão social, o de alteração das desigualdades regionais e sociais do Brasil. Na sequência de seu proferimento a presidente considerou diversos aspectos e ações do governo federal para o desenvolvimento em âmbito geral e local, sempre acentuando a construção

de uma política para a “erradicação da miséria” e terminou seu discurso abordando o slogan do governo.

O interlocutor privilegiado desse proferimento foi composto, notoriamente, pelo conjunto de governadores daquela região, mas também estavam presentes na cerimônia ministros, deputados, senadores, prefeitos e representantes da imprensa e da sociedade em geral. Diferentemente do interlocutor, recorrentemente marcado pelo pronome vocês, o destinatário construído nessa fala tem uma abrangência mais ampla e é identificado à região, sendo expresso por metacoletivos singulares como povo do Nordeste e o Nordeste.

Agradecimento ao povo do Nordeste, ao povo do Nordeste que soube me dar um apoio;

o Nordeste é o grande desafio da minha gestão; o Nordeste sempre foi visto como um problema;

Durante a crise, o Nordeste segurou o crescimento do Brasil; o Nordeste era – e continua sendo – o nosso grande compromisso; E o Nordeste, no Brasil, às vezes não fica só no Nordeste (ROUSSEFF, 21/02/2011). [cerimônia de abertura do XII Fórum dos Governadores do Nordeste].

Esses metacoletivos associam principalmente o prodestinatário, isto é, considerada especificamente a situação de discurso, ainda que entre os interlocutores estejam adversários políticos, esses são inclusos numa categoria geral da qual o enunciador faz apologia e para a qual enuncia um compromisso. Pode-se identificar no funcionamento dos metacoletivos uma estratégia consensual do enunciador, tanto pelo compromisso e pela apologia quanto pelo fato de identificar como contradestinatário um outro indeterminado e adversário comum, aqueles que sempre viram o Nordeste como problema. Especificamente, na formulação o Nordeste sempre foi visto como um problema, a forma da passiva indetermina a referência do agente antagônico. Ocorre que a oposição Nordeste e Brasil que supõe uma tensão no interior do metacoletivo nacional, isto é, contradições políticas, econômicas e culturais, é substituída por uma oposição subjetivada, caso de percepção.

Em outro trecho, contudo, um adversário comum contra o desenvolvimento do Nordeste é enunciado por meio de operadores de interpretação com sentido negativo como oligarquia, escravidão e desenvolvimento assimétrico, identificados histórica e conjunturalmente.

Nós temos que fazer um pouco mais aqui, porque aqui há uma trajetória de desigualdade que vem da oligarquia, vem da escravidão, vem de vários fatores. Mas, sobretudo no período capitalista, vem do desenvolvimento bastante assimétrico no Brasil (ROUSSEFF, 21/02/2011). [cerimônia de abertura do XII Fórum dos Governadores do Nordeste].

Esses termos designativos têm, no entanto, um duplo estatuto, pois também funcionam como evidências pré-construídas. A evidência faz passar por específicos agentes e causas genéricos por meio da gradação dos operadores