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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.2 Gestão Social

2.2.2 Gestão Social x Gestão Estratégica

A Gestão Social se opõe a uma visão tradicional de gestão, que valoriza as capacidades técnicas individuais e compreende a aprendizagem coletiva como somatório das capacidades individuais (SCHOMMER; FRANÇA FILHO, 2008, p. 65). Essa visão tradicional de gestão é entendida como Gestão Estratégica, isto é, aquela que atua pelo mercado e possui um processo que prima pela competição, no qual o outro é um concorrente que deve ser excluído e o lucro é o objetivo a ser alcançado (TENÓRIO, 2008a, p. 40). Gestão Estratégica é um modo de gestão na qual seus interesses são antes técnicos do que sociais (TENÓRIO, 1998, p. 15).

Ampliando essa ideia, Tenório (1998, p. 14) afirmou que Gestão Estratégica: “(...) é um tipo de ação social utilitarista, fundada no cálculo de meios e fins e implementada através da interação de duas ou mais pessoas, na qual uma delas tem autoridade formal sobre a(s) outra(s)”. Esse autor ainda mostrou que esse tipo de gestão pode ocorrer no setor público e privado e se baseia em um comportamento tecnocrático, que combina competência técnica e hierarquia, sendo um fenômeno comum da sociedade contemporânea (TENÓRIO, 1998, p. 14).

Sobre a tecnocracia, Tenório (1998, p. 15) esclareceu que é um fenômeno elitista resultante da projeção da racionalidade instrumental sobre a gestão do Estado e/ou organização, que ocorre sob uma ação gerencial monológica, autoritária e antidemocrática, que desvaloriza o exercício da cidadania, os sujeitos e sua participação nas decisões. Nesse processo, uma pessoa atua sobre a outra para influenciar uma interação e a linguagem é utilizada apenas como meio para transmitir informações (TENÓRIO, 1998, p. 17). É um processo no qual os interesses privados ou individualizados são prioridade (SCHOMMER; FRANÇA FILHO, 2008, p. 70).

Em oposição a esse modo de gestão, a Gestão Social é determinada pela solidariedade e é compreendida como um processo de gestão que prima pelo consenso, no qual o outro deve ser incluído; a solidariedade é a sua motivação; e o diálogo e o coletivo devem sobressair (TENÓRIO, 2008a, p. 40). Ela é uma alternativa à visão tradicional de gestão, a qual “(...) não tem permitido que os agentes do processo, administradores e administrados, desenvolvam suas ações de forma emancipadora” (TENÓRIO, 2008b, p. 31). Para concretizar essa possibilidade, é preciso fortalecer um processo gestionário intersubjetivo, que busca o conhecimento e a decisão como produto social e não originado exclusivamente da onisciência acadêmica e da tecnocracia nas relações trabalho-capital e na interação sociedade-Estado (TENÓRIO, 1998, p. 21).

Essa oposição entre Gestão Social e Estratégica foi formulada por Tenório (1998, 2008a, 2008b) a partir dos estudos de Guerreiro Ramos (1989, p. 1-23), que apresentou uma crítica à razão e à ciência social modernas, marcadas pela racionalidade instrumental e pelo mercado, dominante no Ocidente, e mostrou a sua influência sobre as organizações, a partir das ideias de Weber11, membros da Escola de Frankfurt12 e outros autores. Diante dessa constatação, Ramos (1989, p. 2) propôs um conceito de racionalidade mais sadio, denominado racionalidade substantiva, para formar uma base para a ciência social e uma nova ciência das organizações. Especificamente, a proposta de racionalidade substantiva de Ramos (1989, p. 196) previu limitar e regular o mercado e propor critérios e políticas que preservassem a ecologia do planeta e a saúde psicológica da humanidade.

11 Max Weber (1864-1920), sociólogo alemão. Apresentou estudos sobre a relação das religiões, principalmente o

protestantismo, com o desenvolvimento da sociedade e com o capitalismo; sobre o Estado e sua influência na sociedade; sobre a categoria de ação social para especificar o comportamento humano na sociedade; análise das racionalidades da sociedade; e conceito de tipo ideal como instrumento de entendimento da sociedade.

12 A Escola de Frankfurt constituiu-se como uma escola, corrente de pensamento, associada ao Instituto de

Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, Alemanha, a partir da década de 1960. Seus principais colaboradores iniciais foram Adorno e Horkheimer. O tema principal de estudo da primeira geração foi o questionamento da promessa de emancipação do homem feita pela razão iluminista e ciência positivista, que se tornaram fechadas em si mesmas e constituíram uma racionalidade instrumental que legitimava a opressão e a dominação do capitalismo avançado. Os pensadores iniciais dessa escola denunciaram essa conjectura.

Essa diferença entre racionalidades, apresentada por Ramos (1989), derivou da ideia de ação social de Weber (2000, p. 3), “(...) ação que, quanto ao seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso”. Especificamente, Weber (2000, p. 15) classificou tipos de ação social. A racional instrumental (de modo racional referente a fins) (zweckrational), que seria determinada pelas expectativas quanto ao comportamento dos objetos no ambiente e de outros seres humanos, sendo condições ou meios para atingir os próprios fins racionalmente perseguidos e calculados de um ator. A racional-valor (de modo racional referente a valores - substantiva) (wertrational), que seria determinada por uma crença consciente no valor, em benefício de alguma ética, estética, religião ou forma de comportamento, independentemente de suas perspectivas de sucesso.13

Com essa classificação weberiana, Ramos (1989) constatou dois tipos de racionalidade na sociedade de seu tempo. A racionalidade instrumental-formal, que fundamentava a ação das ciências e das organizações modernas, vinculadas à burocracia, ao mercado capitalista e à sociedade burguesa, cuja finalidade se baseava em suas expectativas e resultados próprios. Era a racionalidade predominante no Ocidente (RAMOS, 1989, p. 5). Ela era incapaz de oferecer diretrizes para a criação de espaços sociais interpessoais verdadeiramente autogratificantes (RAMOS, 1989, p. 23). A racionalidade substantiva, uma nova proposta desse autor diante dos limites da racionalidade instrumental. Era baseada em valores e na psique humana (RAMOS, 1989, p. 5). Essa racionalidade se esforçava para unir razão e psique humana, considerada ponto de referência para a ordenação da vida social, conceituação da ciência social e estudo das organizações (RAMOS, 1989, p. 23).

Tenório (1998, 2008a, 2008b), a partir dessa consideração de Ramos (1989) sobre as racionalidades das organizações, propôs sua definição de Gestão Social, baseada na racionalidade comunicativa habermasiana, considerada uma possibilidade de saída para as organizações diante da predominância da racionalidade instrumental nas esferas da vida, no pensamento administrativo e no cotidiano das organizações (CANÇADO, 2011, p. 110-112).

Essa oposição entre Gestão Social e Estratégica e sua ligação com o pensamento de Ramos (1989) e Weber (2000) esclareceram um pouco mais o âmbito do campo analisado neste

13 Weber (2000, p. 15) apresentou outras classificações de ação social: afetiva e tradicional. Como elas não são

utilizadas por Ramos (1989) em sua análise da racionalidade moderna, destacam-se apenas os outros tipos. Diante dos tipos de ação social e predominância da racionalidade instrumental na sociedade burguesa, Ramos (1989, p. 5-6) considerou que Weber adotou em seu pensamento uma postura de resignação, isto é, foi um pensador que esteve inserido no contexto da sociedade capitalista e da sua racionalidade e não foi capaz de empreender uma análise social a partir da racionalidade substantiva, permanecendo neutro diante de valores, consideração que não poderia fazer dele um defensor da sociedade capitalista burguesa e de sua racionalidade. Habermas (2012a, 2012b) também percebeu esse limite no pensamento de Weber e, a partir dessa constatação, ele propôs o conceito de racionalidade comunicativa.

trabalho e o contexto de partida de suas definições. O que aqui foi exposto ajudou a compreender a Gestão Social como um processo solidário e coletivo, distante da correspondência ao mercado capitalista, a seus objetivos e a sua racionalidade específica. Assim, destacaram-se definições de Gestão Social para ampliar o seu entendimento.