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3 METODOLOGIA DA PESQUISA

AMBP 2017-2019 Organização

4.3.3 Racionalidade comunicativa

A análise sobre a racionalidade comunicativa na gestão 2017-2019 da AMBP esteve subordinada ao exame sobre Gestão Social, realizado anteriormente. Constatou-se, inicialmente, que havia um espaço favorável à Gestão Social na associação através da sua organização em uma diretoria, que realizava reuniões para a tomada de decisões.

Essa conjuntura poderia ser um meio para que houvesse interação de sujeitos através de uma relação interpessoal que buscasse entendimento sobre a situação de uma ação para, de maneira concordante, coordenarem seus planos de ação e suas ações, isto é, o consenso através da linguagem (HABERMAS, 2012a, p. 166). A proposta habermasiana para a racionalidade comunicativa é complexa e se dá através do alcance de entendimento entre indivíduos no trato entre si, sem coerções, sem repressões, através do agir comunicativo interpessoal e intrapsíquico (HABERMAS, 2012a, p. 674).

Porém, os fatores encontrados na organização e no processo decisório da AMBP, que impediram a concretização de Gestão Social em sua gestão, também foram vistos como entraves à racionalidade comunicativa habermasiana na gestão 2017-2019 da associação. A realidade observada através da baixa participação de pessoas, desistência de membros, centralização de

ações, verticalização de decisões na presidência, falta de transparência, realização de poucas reuniões, ausência de prestação de contas, participação limitada das pessoas na tomada de decisões, dificuldade de consenso e diálogos limitados entre os membros da associação tornou deficiente a existência de racionalidade comunicativa na AMBP. Isso aconteceu porque essa situação identificada dificultou a existência de possível entendimento interpessoal consensual através da linguagem e, além disso, poderia levar a coerções e repressões na racionalidade existente entre as pessoas ligadas à associação.

A identificação da gestão da AMBP como mais próxima da Gestão Estratégica do que da Gestão Social, devido a sua organização e processo decisório centralizados e verticalizados, mostrou que a racionalidade presente entre os membros da associação estava distante da proposta habermasiana para o agir comunicativo.

Mesmo com a constatação acima, a observação do pesquisador verificou o envolvimento de moradores do Bairro Pessegueiro com ações da associação, a realização de mutirões e eventos em prol da AMBP e do bairro, ocorrência de voluntariado entre os moradores nas ações dessa organização, a existência de um grupo que auxiliou a direção da associação e um processo decisório com participação mínima entre os membros. Esses fatores eram traços de racionalidade comunicativa entre os membros da associação que, se forem intensificados ou corrigidos e trabalhados a partir do fortalecimento da linguagem consensual entre os participantes de ações e decisões da AMBP, pode ocorrer uma efetivação da racionalidade comunicativa na associação.

Portanto, a partir do resultado encontrado no exame sobre os elementos de Gestão Social, considerou-se que houve traços de racionalidade comunicativa na gestão 2017-2019 da AMBP, que eram potenciais para a efetivação futura desse conceito, se trabalhados com a concretização do entendimento e do consenso através da linguagem entre os seus membros e com um processo de formação a seu respeito na associação.

A causa dessa situação deveria ser buscada na conjuntura histórica da AMBP, ainda recente. Desde a sua origem, em 1999, até 2017, início da gestão aqui analisada, a associação conseguiu se organizar minimamente e enfrentou a falta de apoio dos moradores do Pessegueiro e poder público municipal, passando por um longo período de inatividade. Na continuidade da sua história, a gestão 2017-2019 da AMBP se constituiu como a terceira gestão dessa organização. Comparada às anteriores, ela foi a mais efetiva, realizando muitas ações que incentivaram o desenvolvimento local. Porém, as análises deste trabalho constataram uma realidade na organização e no processo decisório da gestão 2017-2019 da associação que limitava a existência de Gestão Social e de racionalidade comunicativa entre seus pares. Isso

aconteceu por causa do caráter ainda recente da organização da associação, que ainda estava em processo de construção; de ausência de definição da missão e objetivos da AMBP; de falta de apoio de parte considerável dos moradores do bairro à associação; de inexistência de estabelecimento de um tipo específico de gestão para a AMBP; de carência de capacitação de seus membros para a gestão de organizações sociais; e de inexistência de auxílio para lidar com conflitos internos na comunidade e na própria AMBP. Com o passar do tempo, apoio da comunidade local, formação de seus membros, superação de conflitos e desafios, a AMBP pode viver uma realidade diferente da encontrada por esta pesquisa. As causas do resultado aqui encontrado não foram questões específicas de pesquisa e poderão ser investigadas futuramente. As constatações negativas sobre Gestão Social e racionalidade comunicativa alcançadas no exame deste trabalho foram oriundas de uma realidade comum nas organizações sociais. Esse campo do conhecimento e seu caráter teórico-filosófico são complexos e estão em processo de construção teórica e prática. A crítica apresentada por Pinho e Santos (2015a/b) sobre a Gestão Social e a sua vinculação à racionalidade comunicativa de Habermas apontou que elementos práticos daquele campo e desse conceito não são concretizados na realidade brasileira, constatação próxima do resultado deste trabalho. Esses críticos reconheceram que a implementação de Gestão Social e de seus fundamentos teóricos supõe uma sociedade mais madura do ponto de vista democrático, o que não acontece atualmente no Brasil. Diante dessa observação, esses críticos propuseram aprofundar o debate e a pesquisa sobre Gestão Social.

Essa situação também foi constatada por Garcia, Pereira, Alcântara et al. (2018) que, diante da realidade deficitária para a efetivação da Gestão Social e seus elementos habermasianos, propuseram a busca dessas potencialidades para “pensar o Brasil” e as formas de gestão, a partir e além do pensamento habermasiano. Essa consideração foi realista e propositiva, servindo para motivar a reflexão teórica e a prática da Gestão Social e de seus cânones teóricos.

Souza, Vasconcellos e Sobrinho (2012) encontraram em seu estudo uma realidade semelhante à gestão 2017-2019 da AMBP: limitações nas questões de poder, formas de expressão, baixa interação entre os envolvidos, ausência de discussão e dificuldade de agrupamento. Essa realidade também foi considerada por eles como distante da Gestão Social. Estudos sobre a situação das organizações sociais apontaram uma realidade comum à encontrada na gestão 2017-2019 da AMBP. Mello e Valadão Júnior (2008) verificaram a existência de tensão na racionalidade das associações, dilemas na tomada de decisão, conflitos intergrupal, intragrupal e interpessoais. Garay (2011) constatou, além da conclusão do estudo anterior, o acúmulo de funções pelos gestores das organizações, devido à falta de mão de obra

e voluntariado e uma centralização da organização e processo decisório em uma ou poucas pessoas.

Diante dessa realidade negativa, Cançado, Tenório e Pereira (2011) mostraram que isso acontece pela predominância de uma forma tradicional de gestão na sociedade brasileira e que existem experiências e instituições que se baseiam em outras relações de consumo, poder, produção e convivência. Para eles, é possível uma delimitação da Gestão Social e de seus conceitos teóricos de forma dialógica, não engessada, a partir de novas práticas diferenciadas e inovadoras. Esses autores defenderam que a ligação entre Gestão Social e Habermas é uma possibilidade promissora. Com essa consideração, vislumbrou-se um horizonte prático mais nítido e esperançoso para os referenciais teóricos deste trabalho.

Com essa perspectiva e mesmo que não fosse objetivo deste trabalho, propuseram-se aqui 15 passos que poderiam ajudar a associação a ter uma organização e processo decisório mais participativos e concretizar elementos de Gestão Social e de racionalidade comunicativa. 1) Incentivar os moradores a participarem das ações e reuniões da associação, principalmente os membros da diretoria. 2) Dividir tarefas e responsabilidades entre a presidência, membros da diretoria e moradores do bairro, descentralizando ações da associação. 3) Tomar decisões de forma compartilhada, dialogal e consensual entre os membros da associação, mesmo que seja um processo lento e difícil. 4) Superar conflitos internos entre os membros da associação e da comunidade para fortalecer a missão da associação. 5) Planejar ações com a participação decisória dos moradores, discutindo sua viabilidade e meios de execução para não haver excesso de planejamento e tarefas não cumpridas. 6) Avaliar as ações realizadas e discutir as causas de metas não cumpridas. 7) Ter transparência e prestação de contas frequente. 8) Organizar as documentações da associação para mantê-la regularizada legalmente. 9) Realizar reuniões periódicas para deliberar, avaliar, planejar e discutir ações, indo além da organização de eventos e distribuição de tarefas. 10) Buscar parcerias público-privadas para realização de projetos em benefício do desenvolvimento local. 11) Incentivar o voluntariado entre os moradores do bairro. 12) Angariar fundos através de eventos e doações para manter financeiramente a associação. 13) Intensificar as ações na área de educação, saúde, infraestrutura, lazer e meio ambiente já realizadas ou apoiadas pela associação. 14) Realizar oficinas para formação cidadã, através de uma construção coletiva. 15) Divulgar as ações da associação nas redes sociais e outros canais para fortalecer a comunicação entre os moradores do Pessegueiro e incentivar a organização social de outros bairros.

Alguns desses passos já foram realizados pela AMBP, conforme foi verificado na análise deste trabalho. Apresentaram-se aqui sugestões que podem ser associadas aos resultados

e ressonâncias deste trabalho, à devolutiva da pesquisa aos moradores e membros da associação e a futuras capacitações sobre gestão na AMBP. Caso seja interesse dos membros da associação, seguindo esses passos e outros que podem ser encontrados futuramente, a Gestão Social e a racionalidade comunicativa podem ser concretizadas nessa organização.

Ao final deste caminho analítico, concluiu-se que os exames sobre desenvolvimento local, Gestão Social e racionalidade comunicativa, a partir da gestão e de ações da AMBP, no período de 2017-2019, contribuíram para relacionar a teoria estudada e os dados empíricos.