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A gestão e suas orientações para o Apoio Matricial em Saúde Mental

5 SENTIDOS CONSTRUÍDOS SOBRE APOIO MATRICIAL EM SAÚDE

5.2 SENTIDOS CONSTRUÍDOS SOBRE APOIO MATRICIAL EM SAÚDE MENTAL NA ESF PELOS

5.2.3 A gestão e suas orientações para o Apoio Matricial em Saúde Mental

Outra categoria temática que apareceu, a partir da construção de sentidos sobre AM em SM pelos apoiadores matriciais durante o grupo focal G1, referiu-se as orientações da gestão para o AM em SM. No roteiro para a realização dos grupos focais e das entrevistas havia uma pergunta que estava direcionada para essa questão. No grupo focal G1, essa pergunta foi realizada na página 24 da transcrição. Contudo, antes dessa pergunta (nas páginas 4 e 6 da transcrição), os profissionais já faziam referência a esse assunto.

O apoio matricial não é uma atividade formalizada dentro dos postos, não existe isso. Existem alguns profissionais que se interessaram a se utilizar dessa ferramenta, porque acha importante no fazer dele e eles participam espontaneamente. (Quadro temático G1, p. 14/ G1.P2.RQ1E.P2-Pg.4, Lin.22-24).

Logo depois, uma apoiadora de outra Regional também aborda o tema:

[...] se não tiver direcionado nem da atenção básica, até em termos de diretriz de gestão da atenção básica, a gente vê que a coisa não vai dar só com a gente lá tentando. (Quadro temático G1, p. 14/ G1.P4.C(G1.P2.RQ1) Pg.6, lin.34-36). Essas duas unidades de análise foram retiradas de momentos do grupo focal nos quais as profissionais falavam sobre as dificuldades que enfrentavam para realizar o AM em SM nas suas respectivas regionais. Com isso, podemos perceber que não há um posicionamento claro da gestão, pelo menos da Atenção Básica, sobre o AM em SM nos CSF.

Portanto, parece que o AM acontece somente quando têm profissionais da ESF que querem que ele aconteça por perceberem sua importância. Tal fato também foi apontado pelos profissionais da ESF que participaram do grupo focal G2. Assim, esses dados da pesquisa parecem indicar que o AM em Fortaleza, não é assumido como uma estratégia ampla de gestão da SMS para ampliação da clínica dos profissionais, conforme sugere Campos (2003). Contudo, nas Regionais dos CSF Emylio e do CSF Áurea, o AM parece ser incentivado a nível regional, sem, no entanto, ser assumido como obrigatoriedade no fazer das equipes da ESF.

Segundo Oliveira (2008, p. 267) o AM demanda:

[...] uma série de condições de organização do serviço e do processo de trabalho, de agenda, de fluxos e de disponibilidades pessoais e institucionais dos profissionais envolvidos, para se tornar possível. Uma equipe que não se reúne, que não se encontra, dificilmente conseguirá operar o apoio matricial. Nesses casos, a implementação do Apoio Matricial deve vir estrategicamente acompanhada de dispositivos e arranjos de gestão que favoreçam a criação e a sustentabilidade dos encontros da equipe.

Assim, os quatro apoiadores matriciais que participaram desse grupo focal parecem apontar para a necessidade de estratégias de gestão que favoreçam a participação dos profissionais da ESF no AM em SM. Contudo, Oliveira (2008) aponta também a necessidade de disponibilidades pessoais e institucionais.

Diante disso, uma das apoiadoras afirma:

[...] eu sinto que falta um direcionamento da própria Secretaria de Saúde como um todo, com relação ao matriciamento. Eu acho que nós fazemos o matriciamento, acho que vai muito de profissional para profissional, dependemos da disponibilidade de cada profissional, não tem um direcionamento da gestão pro matriciamento. A não ser quando eles querem reunir todo mundo, fazer uma coisa pontual e tudo, mas esse direcionamento inclusive da própria atenção básica junto com a saúde mental, os dois juntos, acho que não tem essa discussão. Acho isso muito precário e isso é fundamental. Então acontece, porque tem cinco ou seis pessoas que estão querendo que aconteça. (Quadro temático G1, p. 14/ G1.P4.RQ10-Pg.26, lin.36-44).

Entretanto, desde 2003, há publicações do MS que incentivam o AM como uma estratégia para inclusão das ações de SM na APS (BRASIL, 2003; 2004). Assim, parece haver um incentivo institucional mais forte na SM para que os profissionais dos CAPS realizem AM em SM para a ESF. Contudo uma profissional considera que:

No meu entendimento, teria que ter o papel da gestão de pontuar essas questões e não apenas nós, que trabalhamos na saúde mental, estarmos forçando para que aconteça. (Quadro temático G1, p. 14/ G1.P4.RQ10-Pg.27, lin.44-46).

Parece que é uma demanda nossa de que esse grupo não chegue esbarrotando a nossa unidade. Não é isso. É longe disso, é alterar a lógica né? De trabalhar na comunidade questões que são vivenciadas e que trazem sofrimento psíquico a partir do locos mesmo: onde ele mora, as condições em que ele se encontra, de resgatar a cidadania, a autonomia e tudo mais. Então, se a gente não tiver esse papel de sair das nossas unidades, está encapsulada mesmo, a gente não vai alterar essa lógica não. (Quadro temático G1, p. 14/ G1.P1.C(G1.P4.RQ10)-Pg.27, lin.48-50/Pg. 28, lin.1- 4).

Desta forma, os apoiadores matriciais em SM pontuam a importância de haver um posicionamento mais claro da gestão da SMS no que se refere à realização do AM em SM na ESF, mais especificamente no que se refere ao incentivo à participação dos profissionais da ESF. Sobre esse assunto, os apoiadores afirmam como percebem o entendimento da gestão:

Eu acho fundamental esse direcionamento, essas diretrizes como princípio do próprio matriciamento, mas eu não vejo. Eu acho que, às vezes, o pessoal nem considera isso importante pra própria rede, pra própria reforma psiquiátrica. Não vejo esse entendimento dessa maneira. (Quadro temático G1, p. 14/ G1.P4.RQ10- Pg.27, lin.9-12).

Eu concordo com o que a P4 tá falando, porque assim, há uma queixa que o matriciamento aqui na Regional não se dá a contempo. Mas eu vejo que seria uma condição sine qua non para a própria secretaria estar colocando como um pressuposto a articulação institucional entre essas duas instâncias né? (Quadro temático G1, p. 15/G1.P2.C(G1.P4.RQ10)-Pg.27, lin.14-17)

Finalmente, para concluir essa categoria temática, trago a percepção de uma das apoiadoras matriciais sobre o seu papel no AM em SM em Fortaleza. Esta considera que é um trabalho de formiguinha e que, às vezes, ela se questiona se vale à pena:

Eu já refleti várias vezes comigo mesma nesse papel, que é um papel de formiguinha né? [...] Um trabalho de formiguinha. Se valia a pena a gente ir de baixo pra cima ou se a gente tinha que aguardar realmente vir de cima para baixo mesmo, esses direcionamentos, essas diretrizes ou se vale a pena nós, como trabalhadores, estar forçando, estar indo construir isso, pra realmente a gente alcançar. É uma coisinha ou outra que eu não sei até que ponto a gente não sabe se vai ter essa repercussão, esse resultado. (Quadro temático G1, p. 15/ G1.P4.RQ10-Pg.28, lin. 6-16).

Sendo assim, a fala dessa apoiadora matricial parece que aponta o cansaço de uma formiginha, que encontra resistência para realizar o AM em SM no CAPS, nos CSF e não tem um apoio claro da gestão da SMS, de forma unificada da Atenção Básica e da SM, sobre a realização dessa atividade. Desta forma, o AM em SM em Fortaleza parece ser uma responsabilidade apenas dos profissionais da SM e da ESF, a partir do entendimento que possuem sobre a importância dessa atividade para melhorar a assistência à população.

Na minha compreensão, quando o AM foi criado por Campos (2003), ele surge como uma estratégia de gestão para a ampliação da clínica dos profissionais e para ampliar a integralidade da rede de saúde. Não foi criado apenas como uma ferramenta ou como uma técnica a ser aplicada para facilitar a realização do trabalho interprofissional. Sem desmerecer a potência desse arranjo como técnica, pois pessoalmente acredito na sua eficiência como tal. Entretanto, a negligência desse arranjo como estratégia mais ampla, de gestão, também dificulta a sua implementação. A gestão, se deseja que o AM se efetive, precisa ter a responsabilidade para garantir o seu funcionamento, seja por meio materiais (garantia de transporte, infraestrutura dos CSF, profissionais contratados sabendo que precisam exercer essa função etc), seja por meio do estímulo à organização desse processo de trabalho.

Entretanto, não se deve desconsiderar que a rede de saúde de Fortaleza ainda é carente em muitos aspectos, como a cobertura da ESF, que atualmente ainda é muito pequena, 36% (segundo a Assessoria de Planejamento da SMS). Com isso, os gestores precisam definir prioridades para investimentos e talvez, neste momento, outras questões sejam mais prioritárias que o AM em SM na ESF na cidade.

Desta forma, a baixa cobertura da ESF também gera uma sobrecarga de trabalho dos profissionais da ESF em Fortaleza, conforme apontaram a coordenadora do CSF Áurea e os profissionais do grupo focal G2. Portanto, uma imposição da gestão para a realização do AM em SM pelos profissionais dos CSF, apenas pela compreensão da sua importância ou para seguir os direcionamentos do MS, desconsideraria principalmente o obstáculo estrutural (CAMPOS, CUNHA, 2011) da pequena cobertura da ESF em Fortaleza e poderia gerar um desgaste ainda maior desses profissionais. Então, a partir da construção de sentidos dos

apoiadores matriciais, parece que, o AM em SM nos CSF pesquisados, por enquanto, é um importante “trabalho de formiguinha”.