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GRAFICO 04 – FAIXA ETÁRIA DAS PROFESSORAS: ESCOLAS

4.1 A ADESÃO AO MAGISTÉRIO

4.1.10 Gislaine: A “aceitação” do magistério

Gislaine, de 35 anos, estava há quatro como professora efetiva na rede municipal. Quando respondeu ao questionário, estava em um CMEI central, mas pediu remoção e estava há três meses em uma escola central de médio porte. Era professora do 1º e do 2º ano, tinha um padrão e assumiu aulas extraordinárias. Foi aprovada no último concurso, mas em 2000 já havia assumido o cargo de professora, do qual pediu exoneração cerca de um ano depois. Ela explicou que em seu primeiro

concurso, ainda não havia “aceitado o magistério”. Quatorze anos depois, foi aprovada

novamente e disse ter finalmente “aceitado” a profissão. Se considerava satisfeita

profissionalmente, apesar de mencionar muitos “empecilhos”.

Ela era casada e tinha um filho de 13 anos. Seu marido era policial militar e tinha o ensino superior completo. A família vivia em uma residência quitada e tinha renda na faixa de seis a nove salários mínimos. No momento da entrevista, ela cursava Pedagogia à distância, mas já tinha formação superior em Matemática. Suas atividades culturais eram restritas.

O ingresso no curso de formação docente se deu pois Gislaine não queria parar de estudar e não havia outras possibilidades na cidade. Quando acabou o curso, começou a trabalhar em um escritório de contabilidade. Na ocasião do primeiro

concurso, deixou o emprego anterior, mas se sentiu muito mal acolhida pela instituição em que foi lotada. Era um CMEI e a diretora teria imposto regras de uma forma que a

deixou incomodada. Então, não teria conseguido se adaptar e “aceitar” o magistério

nesse primeiro momento e acabou voltando para a área contábil. Considerou também

que, como era muito jovem, a “imaturidade” pode ter tido um peso na decisão de deixar

o cargo.

Ela gostaria de ter seguido a área da contabilidade, mas como não conseguiu, começou o curso de Matemática, pois era o que mais se aproximava entre as possibilidades que tinha. Quando o último concurso foi aberto, revelou que se sentiu em dúvida se prestaria para o cargo de professora ou para o de técnico administrativo. Como considerou a concorrência, optou pelo de professora novamente, pois precisava

de um emprego efetivo, já que não “havia mais campo na contabilidade” para ela.

Decidiu sair do CMEI e ir para a escola, pois era uma possibilidade melhor de exercer sua formação em Matemática.

Acreditava que o bom professor precisaria levar em conta a história do aluno e as suas diferenças. Relatou que em sua sala tinha muitos alunos com situações delicadas e que exigiam dela inúmeros esforços. No início da profissão, em 2000,

disse que se sentiu frustrada, e que o magistério “não era para ela”. Quando retornou,

disse que se sentiu muito bem acolhida e entendeu “que o melhor caminho era ser

professora”.

A docência a ensinou a “ser mais humana”. Segundo ela, seria necessário

deixar os problemas do lado de fora da escola, e que ali dentro precisaria ser “outra

pessoa”. Gislaine se descreveu como um professora “tradicionalista” e calma, que

ainda tinha alguma dificuldade em lidar inovações. Acreditava ser discreta em seu

ambiente de trabalho e não costumava “interagir muito” com os colegas.

A principal dificuldade que enfrentava em seu cotidiano estava ligada ao comportamento dos alunos. Relatou que estava sendo difícil fazer com que eles

tivessem uma conduta “adequada” na escola e em “colocar limites” neles. Estava

tendo apoio dos pais e da equipe pedagógica da escola para resolver a questão. Acreditava ser importante que os pais acompanhassem as aulas e vissem como os filhos agem em sala de aula.

Para Gislaine, sua família de origem não teve influência na forma como ela procurava enfrentar suas dificuldades na profissão. Ela acrescentou que seus pais tiveram oportunidade de estudar, mas não teriam avançado nos estudos. Seu pai era

motorista e sua mãe dona de casa. Acrescentou que, quando procurava desabafar com os pais, eles a aconselhavam a deixar a profissão, fato que teria acontecido

quando deixou o concurso anteriormente: “Então, aquilo ali foi minando, né? Chegou

uma hora que eu falei: Vou sair mesmo”!

Os principais ensinamentos transmitidos por sua família de origem estariam

relacionados ao trabalho, “que se deve trabalhar sempre, não importa onde, e ser feliz

na função”. Seu pai, segundo ela, não media esforços para o trabalho.

Após um dia de trabalho, ela contou que se sentia cansada, mas apenas fisicamente, pois internamente, disse se sentir realizada. Sentia falta do carinho das crianças quando não tinha aula. O dia de trabalho mais difícil foi o primeiro no CMEI,

quando assumiu pela primeira vez o cargo. Relatou: “Eu queria pular pela janela e ir

embora... ou chorar junto (com as crianças)”. Na ocasião, suas colegas diziam que iria

acabar se acostumando com aquilo e que daria tudo certo.

Costumava compartilhar sobre seu trabalho com o marido, que a ouvia e aconselhava. Para se sentir melhor em relação as dificuldades que vinha enfrentando, gostava de viajar com a família. Disse que quando volta, se sente renovada.

Gislaine contou que no final de sua carreira não espera estar em sala de aula. Observou que em sua escola que professoras em final de carreira estavam em desvio de função e espera que aconteça o mesmo com ela, pois afirmou que a realidade da sala de aula estava cada vez mais difícil e que tenderia a piorar.

A história de Gislaine no que se refere ao processo de adesão foi bastante reveladora e demonstrou a sua não linearidade. Ela não queria ser professora e resistiu à adesão até quando foi possível, porém, em dado momento, atravessada pelas questões objetivas, características de seu grupo social, retornou às salas de aula. Nesse segundo momento, tinha conduta e sentimentos completamente

diferentes. Quando ela falou em “aceitar” o magistério, demonstrou uma propriedade

do processo de adesão, de anular as resistências em relação à aceitação da profissão, reduzindo, assim, o sofrimento subjetivo.

4.1.11 Algumas sínteses

Após o relato do percurso de dez professoras foi possível perceber que o tempo é um forte fator de adesão ao magistério. As professoras que estavam em início de carreira, ora apresentavam um desconforto por não saber o que fazer, e ora, uma

empolgação por se sentirem motivadas em sua nova profissão, após aprovação em concurso público. A convivência com outras professoras na família pode ser um indicador da motivação de algumas, pois já possuem informações sobre a docência, suas dificuldades e realizações, o que pareceu facilitar esse início para algumas e, consequentemente, favoreceu o processo de adesão.

Outro dado que chamou a atenção foi que, para o caso daquelas que estão há mais tempo na carreira, foi identificado um discurso mais pessimista em relação à docência. Mesmo aquelas que dizem se sentir satisfeitas, de maneira geral, foi constatado um certo ajustamento às condições objetivas (BOURDIEU, 2007d) perceptível em dois sentidos. Primeiro que a formação para a docência apareceu para muitas como a única opção de estudo gratuito e com rápida inserção no mercado de trabalho oferecida na cidade em que moram. O segundo sentido percebido foi que, por questões financeiras, permanecer na docência, mesmo que com algum descontentamento, ainda é mais rentável do que outras profissões. Nesses casos, então, as condições sociais e objetivas atuam de forma a moldar as aspirações e

desejos, de modo a adaptá-los ao “sentido da realidade e sendo das realidades que

faz com que, para além dos sonhos e das revoltas, cada um tende a viver ‘de acordo

com a sua condição’” (BOURDIEU, 2007b, p. 91).

Nas situações em que foi proferido um discurso de satisfação profissional, foi identificado também um certo capital a mais em relação às colegas, sobretudo no caso em que um curso de nível superior (Educação Física) foi motivo para convite para trabalho fora da escola com formação de outras professoras. Mesmo que essa experiência tenha ocorrido por um curto período de tempo, concedeu à professora reconhecimento e valorização por parte de suas colegas.

Paralelamente a essas questões, menciona-se também algo bastante recorrente em todas as falas aqui apresentadas: as queixas em relação às condições de trabalho se concentraram na dificuldade com crianças consideradas difíceis e indisciplinadas e na falta do apoio das famílias para resolução desses problemas. Assim, as famílias são responsabilizadas pelo problema de uma forma bastante genérica, o que já foi denunciado com frequência em outras pesquisas acadêmicas (PATTO, 1999).

Por fim, destaca-se o forte envolvimento religioso das professoras que ocorre, muitas vezes, como opção de lazer em uma cidade com pouca oferta de outras opções.

5 ADESÃO AO MAGISTÉRIO NA RELAÇÃO COM HABITUS, SOCIALIZAÇÃO DOCENTE, CULTURA DA ESCOLA, CONDIÇÕES DE TRABALHO E TEMPO DE CARREIRA