• Nenhum resultado encontrado

GRAFICO 04 – FAIXA ETÁRIA DAS PROFESSORAS: ESCOLAS

5.5 O PROCESSO DE ADESÃO AO MAGISTÉRIO

Além da constatação, através das entrevistas, que as respostas dadas nos questionários e classificadas em dois grupos iniciais não necessariamente se mantinham nas entrevistas, esse momento da pesquisa permitiu um novo direcionamento do olhar acerca da problemática: muitas professoras viveram ou estavam vivendo um processo de transformação em relação à profissão. As histórias das professoras Nádia e Gislaine contribuíram com destaque para essa afirmação. Elas narraram experiências muito negativas no começo da carreia, de recusa à função e de grande frustração, e que, posteriormente, inauguraram uma mudança na forma como vivem a prática docente.

Outras professoras, no entanto, não passaram pelas mesmas situações que as professoras citadas acima, como, por exemplo, Jaqueline. Elas já chegaram à profissão com um desejo anterior de serem professoras. Seus discursos sinalizaram para uma identificação prévia das facetas de seu habitus com a função docente, o que fez com que não vivessem os mesmos conflitos iniciais.

Além do olhar destinado para a pré-disposição do grupo social que já foi discutida anteriormente, é interessante atentar para singularidades de habitus. A maior parte das entrevistas demonstrou uma atual identificação com o magistério. Alguns discursos já estariam previamente mais suscetíveis à docência, enquanto em outros, a ação das condições objetivas e do tempo de profissão se mostraram potencialmente favoráveis para que ocorresse o processo de adesão ao habitus docente.

A professora Nádia, que queria ser veterinária, se viu influenciada pela mãe, funcionária de escola, a seguir o magistério. Contou que não gostava de ser professora e estava muito infeliz, gritava muito com os alunos e se sentia constantemente irritada. Acreditava que o magistério não era a função ideal para ela e contou que viveu um período em que não aceitava completamente a docência. A virada ocorreu quando, após anos de profissão, um comentário recebido de um conhecido sobre sua conduta irritada com os alunos. Segundo a sua percepção, desse dia em diante, começou a dar novo sentido à docência.

Com Gislaine, houve uma interrupção na profissão. Ela cursou o magistério quando mais jovem, assumiu um concurso e o abandonou logo em seguida. Não queria ser professora e não encontrava na função identificação ou, em alguma

medida, satisfação. Trabalhou em outro segmento, mas dada as condições objetivas, retornou à docência quatorze anos mais tarde, por ser a única alternativa profissional

possível para o momento. Esse retorno trouxe o que ela chamou de “a aceitação do

magistério”.

Nesses dois casos é possível perceber alguns pontos comuns: o peso das condições objetivas no processo de adesão ao magistério e a capacidade de ajuste das singularidades à docência, mesmo com uma recusa inicial bastante marcada. Há um destaque para o fator tempo como algo importante, o que será discutido adiante. Mas o que chama atenção aqui é a existência de um processo pelo qual essas professoras passaram e que assegurou uma modificação em seus discursos iniciais.

A experiência mostrou que, para além do que já é esperado para o grupo social, algumas professoras chegam à docência com uma menor resistência. Já em outros casos, haveria aspectos de ordem individual que dificultariam o processo, mas que, com o tempo, se inclinariam a um processo de adesão. Já em outros casos, haveria aspectos de ordem individual, ou seja, ligados às particularidades de cada uma, que dificultariam o processo. Mas, ainda assim, nesses casos prevalece uma inclinação ao processo de adesão.

Para Jaqueline, a adesão ao magistério mostrou-se anterior à escolha profissional, inclusive ela já queria ser professora e brincava muito de escolinha quando criança. Quando ingressou no magistério e, posteriormente, no curso de Pedagogia, não demonstrou conflitos pessoais, questionamentos ou recusas. Ainda que ela reconhecesse dificuldades em sua prática cotidiana, isso pareceu ocorrer com um sofrimento menor do que o que ocorreu em professoras que não demonstraram, a priori, adesão à docência.

Trazer o olhar do grupo social para o micro, para as individualidades, abre inúmeras possibilidades de discussão. São essas, particularidades que podem apontar caminhos para o entendimento do individual que está presente no coletivo e para a variedade de facetas de habitus em um mesmo grupo social, ou seja, abre espaço para compreensão da diversidade na homogeneidade, como Bourdieu aponta no livro O senso Prático.

A professora Mariana, ainda em início de carreira, assim como Jaqueline, ingressou no curso de magistério logo após terminar o ensino fundamental. Diferentemente da segunda, Mariana tinha outra intenção profissional e apresentou em seu discurso baixíssima adesão, expressando o desejo de deixar a docência em

um futuro breve. Ela demonstrou não ter aderido ao magistério até o momento e, em algumas de suas falas, além da insatisfação, aparenta relutância em aceitar a profissão.

Catani, Bueno e Sousa (2000) quando estudaram narrativas de professores e suas experiências escolares iniciais, chamaram a atenção para a relevância destas no processo de formação da identidade docente e a forma como podem estar, sob um enfoque individual, articuladas às escolhas profissionais e à condução da prática docente. Essa discussão se revela bastante ampla, pois precisa levar em conta histórias pessoais e experiências nem sempre perceptíveis. Tais particularidades poderiam explicar um pouco da diversidade na forma como as professoras ingressaram na carreira, o que as torna a priori, mais ou menos suscetíveis ao magistério.

Nas histórias de vida das professoras entrevistadas, é percebida uma certa esperança das famílias em relação à escola, exceto no caso de Mara, que tem uma origem familiar distinta das demais. O encontro com o curso de formação docente foi propício a essas famílias, já que permitiu que uma população com capitais limitados e de baixo investimento escolar pudesse ter uma profissão, que apesar de todas as contradições, ainda carrega um valor social.

Em “A Escola Conservadora”, Bourdieu afirma que a atitude das famílias em

relação à educação de seus filhos é a interiorização do destino objetivamente determinado para o seu grupo social (BOURDIEU, 2007a). As famílias de muitas das professoras entrevistadas as encorajaram a ingressar no curso de magistério, e em algumas delas houve um certo desencorajamento em seguir outras profissões, como no caso de Nádia, que queria ser veterinária, mas foi incentivada pela mãe a ser professora. A docência pareceu ser defendida por sua genitora como uma das melhores possibilidades dentro do grupo social.

É através da escola que a cultura dominante é difundida, sob a forma de um arbitrário cultural, que a legitima e a estabelece como a única válida, porém, os mecanismos de dominação estão ocultados (BOURDIEU; PASSERON, 1992). Assim, as famílias veem a escola como a chance de possuírem (e de serem possuídos por) essa cultura. Elas almejam a incorporação dos valores da escola e, por isso, além da adesão à escolarização que sustentam, poderão manter algum tipo de pertencimento à cultura escolar a longo prazo, na docência futura, e isso é visto como um projeto de sucesso pelas famílias.

Para as famílias das professoras e para o seu grupo social como um todo, é esperado que a escola ocupe um lugar importante. Ainda que os investimentos em educação sejam relativamente baixos, ela representa, uma possibilidade de ascensão social. Os valores da escola são fortemente aceitos, ainda que a emergência de uma inserção no mercado de trabalho demande uma escolarização mais curta.

O ingresso em um curso de formação docente em nível médio pareceu atender a essa demanda, já que garante uma inserção mais rápida e de baixo custo, e consequentemente um retorno financeiro precoce. Aliado a isso, considera-se também o fato de que a profissão docente não é uma função completamente desprovida de prestígio para as famílias, segundo o que relataram algumas entrevistadas.

Ser professora, para a maioria, representou uma ascensão social em relação à geração anterior e concretizou o projeto de estudo estabelecido pela família, o que foi encarado como um bom retorno do investimento realizado. A história da professora Olga é um exemplo disso, pois mesmo ela, muito jovem, não querendo ser professora, vivenciou grande insistência do pai e acabou iniciando na docência, pois ele enxergava nessa opção uma melhor possibilidade de futuro, não apenas no âmbito financeiro, mas também reconhecia certo valor social na profissão.

Chegar à docência de forma mais ajustada à função e à cultura da escola, por uma incorporação prévia, pode garantir à professora uma menor resistência e, consequentemente, um menor sofrimento em relação à profissão. Seriam os

diferentes “inícios” percebidos nos discursos das professoras Mariana e Jaqueline.

Ter as facetas de seu habitus já ajustadas à docência interferiria no início da profissão, já que outros fatores sinalizam uma tendência posterior à adesão.