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GRAFICO 04 – FAIXA ETÁRIA DAS PROFESSORAS: ESCOLAS

4.1 A ADESÃO AO MAGISTÉRIO

4.1.3 Sílvia: “ É você que se adapta ao trabalho, não ele que tem que se adequar a

você”

Quando entrevistada, Sílvia tinha 55 anos e estava prestes a se aposentar do primeiro padrão. Era professora do 2º ano e também estava em desvio de função, como auxiliar de secretaria de sua escola. Trabalhava em uma instituição periférica de médio porte para a cidade há mais de duas décadas. Ela fez parte do grupo de professoras que teve problemas no reconhecimento do diploma e que precisou refazer curso em uma instituição pública na modalidade a distância. Era pós-graduada por uma instituição privada em um curso presencial.

Ela era casada e teve três filhos, mas apenas um morava com ela. A família tinha renda na faixa de um a três salários mínimos mensais. Seu esposo era motorista e não chegou a concluir o ensino médio. Vieram do interior do Rio de Janeiro há mais de duas décadas e se estabeleceram na região. Moravam em uma residência quitada

na comunidade em que Sílvia atuava. Em sua família de origem, não havia histórico de escolarização elevada e ninguém passou do ensino fundamental.

Suas atividades culturais eram restritas. Não costumava ir ao cinema, nem ao teatro, mas gostava de ler e costumava assistir jornais. O hábito de ir à igreja era frequente. Era evangélica, de uma congregação tradicional há muitos anos e participava ativamente das atividades religiosas.

No questionário, Sílvia disse ser realizada profissionalmente. Relatou que no início a sua escolha pelo magistério se deu por uma necessidade de trabalho, mas que aprendeu a valorizar a profissão. Disse que a docência a ensinou muito e que era

“como se fosse um vício”. Para ela, o bom professor seria aquele que nunca saberia

tudo e que estaria disposto a aprender com o educando.

Na entrevista, quando foi retomada a questão da escolha profissional, Sílvia disse que não aconselharia alguém a seguir a sua profissão, apesar de amar o que fazia, pois, a educação estava muito desvalorizada. Contou que o início foi muito difícil

e que foi “péssima professora”, chorava muito e chegou a dizer para seu esposo que

não havia “nascido” para a função, mas que, no decorrer do tempo, foi “aprendendo a

ser professora”. Explicou o uso do termo “vício” dizendo que no dia em que não estava

na escola, sentia falta da “adrenalina” que a função lhe proporcionava.

O ingresso no curso do magistério se deu por necessidade. Ela já tinha três filhos quando seu esposo sofreu um acidente e ficou dois anos impossibilitado de trabalhar. Havia interrompido os estudos e não tinha nenhum curso que a capacitasse profissionalmente, então, uma professora que conhecia a aconselhou a fazer o magistério. Ela começou a trabalhar em uma fábrica de roupas e dizia que não queria ser professora.

Quando vieram pra Guaratuba, Sílvia não conhecia ninguém e não tinha emprego. Acabou fazendo o concurso e, por necessidade, assumiu o cargo. Ela queria trabalhar, seja qual fosse a área, mas sua cidade de origem não havia outras possibilidades de estudo. Segundo ela “o magistério foi a porta mais fácil”. Ela lembrou

do conselho dado pela avó sobre ser professora: “Minha avó dizia assim: ‘Vocês

estudem! Vai ser professora! Porque professora é uma profissão que aonde você

chegar, você consegue trabalho’. Aí, eu fui ser professora”.

Ela contou que no início da profissão se sentia muito despreparada, pois a prática da sala de aula era totalmente diferente do que ela havia aprendido no magistério. Pensou várias vezes em desistir da profissão, mas disse a realidade era

completamente diferente, “aprendeu a ser professora” e amar a docência. Seu filho já

havia questionado: “Mãe, você é a única professora que diz que gosta de ser doida”.

Ela o rebateu: “Se ser professora é ser doida, então, eu sou doida”.

Ela falou emocionada sobre a satisfação profissional que sentia e sobre suas conquistas na docência. A maior delas foi ter se formado, pois era a única da família que atingiu o ensino superior e a pós-graduação. Contou que procurava fazer cursos e se especializar na área da alfabetização, em que gosta de atuar.

A profissão a ensinou a “ser mais humana”. Relatou que sua filha mais velha,

apresentava muitos problemas de comportamento na escola e que, na época, não entendia que problemas familiares pudessem interferir na vida da criança. Quando começou a trabalhar como professora, mudou sua visão e constatou o contrário.

Considerava que sua relação com a escola atual era boa, mesmo que, muitas vezes, discordasse de alguns pontos, acreditava que isso não afetava seu trabalho e o relacionamento com a equipe. Logo que veio pra Guaratuba, assumiu o cargo na atual escola, passou por outra por motivos de mudança de gestão, mas ficou pouco tempo e logo retornou.

Ela se descreveu como uma professora que tinha um bom relacionamento com

os alunos, embora seus colegas dissessem que era “carrasca”. Falou que conseguia

cativar a turma e que era amada pelos alunos. Disse ser ansiosa e procurar fazer o

que lhe era pedido antes do prazo, razão pela qual era chamada de “caxias”.

A principal dificuldade que ela enfrentava como professora estava relacionada às famílias, pois disse não haver interesse na vida escolar dos alunos. Na sua opinião,

“o governo estragava as famílias” quando tirava delas as responsabilidades e as

colocava na escola. Considerou a orientação da escola excelente, embora “passasse

a mão na cabeça” das crianças.

Passada a fase inicial da profissão, Sílvia relatou que não pensou em desistir

da docência, pois gosta de desafios e da “adrenalina”. Disse que não havia solução

para os problemas enfrentados pela escola. Na sua opinião: “A tendência é piorar. Eu,

como professora, é que vou ter que mudar minha maneira de trabalhar pra poder

orientar essas crianças pra que eles aprendam alguma coisa”. Assim, o professor teria

que se ajustar aos alunos e não eles à escola para que encontrasse meios de desenvolver seu trabalho.

Relatou que se sentia muito cansada após um dia de trabalho. Os dias que

dedicar muitos esforços à atividade, já que seus alunos estavam em fase de alfabetização.

Ela considerava que os ensinamentos da sua família de origem tinham muita

influência em sua vida profissional. Foi seu pai que a ensinou a “não ficar esperando

nada cair do céu”. Por isso, valorizava muito o esforço pessoal e se orgulhava de ter

sido a única da família a avançar nos estudos.

Seu esposo e seus filhos eram as pessoas de maior relevância para a sua vida pessoal e profissional. Quando teve o problema com o reconhecimento do curso de Pedagogia, após quatros de estudo, teve que recomeçar em outra instituição. Nesse período, passava por um momento delicado, com o falecimento da mãe, além de trabalhar o dia todo e de ter dificuldade em cumprir as atividades do curso. Seu esposo e sua filha a ajudaram com os trabalhos, eles liam os livros e faziam resumos, ela apenas “colocava as suas ideias”. Sílvia disse que “tirava o chapéu” para sua família

pois eles “se formaram junto com ela”.

A sua família também era ativa em relação a seus problemas cotidianos da profissão, costumavam ouvi-la e aconselhá-la. Sílvia disse que quando ia para casa,

procurava se desligar das dificuldades: “Sou professora de segunda a sexta. Depois

eu sou Sílvia”. Procurava fazer separação, e não levar problemas de casa para o

trabalho, mas que, como a família era o seu porto-seguro, em casa “cortina caía”,

chorava e desabafava. Segundo ela: “É você que se adapta ao trabalho, não ele que

tem que se adequar a você”.

Falou que espera que quando se aposentar ainda tenha saúde para usufruir daquilo que estava construindo. Quando iniciou na profissão, não acreditava que

passaria por tantos “altos e baixos”, achou que seria tudo conforme imaginava no

curso de magistério. Ela costumava orientar as estagiárias que vão à sua sala: “Não

vou dizer pra você que ser professora é ruim, mas também, não é esse mar de rosa que vocês estudam [...] Não é um ideal que vai te mudar, né? É a prática, é a tua realidade, a tua vivência que vai mudar você”.

Na história da professora Silvia, foi possível perceber uma entrada conflituosa na profissão. Quando teve a opção de seguir outro caminho, seguiu. Mas, chegando em Guaratuba, sem perspectivas profissionais, iniciou na docência. Com isso, vieram

alguns conflitos, que a fizeram pensar que não havia “nascido” para ser professora.

Aqui, foi percebida a influência que as questões objetivas podem exercer no processo de adesão à docência. Não havendo outras opções capazes de atender às

necessidades, permanecer no magistério surgiu como a uma única alternativa. Assim, mesmo com os conflitos e questionamentos, a adesão acabou vindo, como uma imposição da realidade. Nesse caso, o fator tempo também foi importante para o processo de adesão ao magistério.