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4. O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO

4.2. Análise dos Fatores de Influencia do Processo de Negociação

4.2.3. Globalização

A globalização é apresentada como um dos fatores que alteraram o processo de decisão de localização das empresas realizando IDE (DUNNING, 1998) e a relação de poderes nas negociações entre as empresas e os países-hospedeiro (STOPFORD, STRANGE e HENLEY 1992; DUNNING, 1998; RAMAMURTI, 2001). Mas não é somente nas questões relacionadas ao IDE que o tema gera interesse, ela está entre os assuntos mais controversos dos últimos 20 anos, ou mais. As discussões abrangem áreas distintas do conhecimento passando pelo direito, sociologia, economia, e atingindo até a física e a biologia, onde grupos de pesquisa já não ficam restritos a um mesmo país, mas abrangem pesquisadores de diversas partes do mundo, como é o caso do Projeto Genoma. Além das diferentes áreas de conhecimento, a globalização também faz parte das conversas do dia-a-dia da

população, pois cada vez mais somos bombardeados por informações, notícias, produtos, e outras coisas vindas de diversas partes do mundo. Em geral os discursos são inflamados, seja a favor, seja contra a globalização, como é possível constatar no Fórum Social em Porto Alegre ou no Fórum Econômico em Davos. O objetivo dessa parte da tese é definir a globalização, apresentando algumas das discussões que envolvem esse conceito. Primeiro, apresentam-se as diferentes dimensões envolvidas pela globalização, e por que será enfatizada sua dimensão econômica neste artigo. Segundo, discutem-se as diferenças entre a globalização na sua fase atual e a globalização que ocorreu em outras épocas, enfatizando a importância e a especificidade do fenômeno atual. Terceiro, apresentam-se alguns dos argumentos contra e a favor da globalização. Quarto, discute-se a globalização em termos de IDE. Por último discute-se a globalização no Brasil, e especificamente o IDE no setor automotivo.

Ao se discutir globalização, pensa-se inicialmente naquilo que está no centro do debate público, e por isso mesmo atrai mais atenção, que é a sua dimensão econômica. Mas globalização envolve mais do que a integração comercial e o fluxo de capitais entre países, ela vai desde a dimensão tecnológica, política e cultural, até a ecológica e da imigração. Beck (2000) argumenta que é preciso incluir todos esses temas na discussão da globalização, pois cada uma das dimensões tem impacto nas demais. Para o autor, o denominador comum das diferentes dimensões é que vivemos em um mundo em que as fronteiras são cada vez menos relevantes, em todos os aspectos. Como os problemas ecológicos, tais como a emissão de gás carbônico ou a poluição dos oceanos, que afetam diversos países indiscriminadamente ou as influências culturais, em que uma música de nome Aïcha, do cantor Khaled, exilado argelino, foi premiada em 1997 como a melhor do ano na França, tocada nas principais rádios daquele país, não apenas naquelas de público- alvo árabe, e também sucesso em países tão diferentes como Israel, Arábia Saudita e Brasil. Ou ainda as ONG’s, que desenvolvem seus trabalhos e recebendo apoio em diversos países. Todas essas dimensões são importantes e precisam ser analisadas e pesquisadas para que se possa compreender melhor a globalização. Todavia, por causa do escopo dessa pesquisa optou-se por focar a dimensão político-econômica da globalização. Portanto, define-se globalização como o processo de integração econômica mundial por meio de mudanças políticas que

diminuem as barreiras ao fluxo internacional de capitais, ao comércio internacional e ao IDE (BHAGWATI, 2004).

O aumento do fluxo de capital entre países, do comércio internacional, da imigração, e da influência das empresas multinacionais, entre outros, não são acontecimentos exclusivos do momento atual. O final do século XIX foi bastante intenso nessas e em outras dimensões da globalização. Entretanto, Bhagwati (2004) argumenta que o momento atual é diferente e especial por diversas razões. Primeiro, as mudanças tecnológicas atuais aceleram o movimento do fluxo de serviços e capital, numa ordem muito maior do que no momento anterior. Segundo, a integração econômica atual aumenta a competitividade no mercado, o que gera uma sensação de insegurança ou vulnerabilidade econômica muito maior que no momento anterior. Terceiro, não ocorreu no período anterior o receio de que o aumento da interdependência entre os países criasse barreiras à capacidade dos Estados-Nação de prover o bem-estar social para suas populações. Por último, no século XIX, a globalização foi decorrência do desenvolvimento na comunicação e nos transportes, envolvendo poucas mudanças nas políticas dos países envolvidos. No momento atual, apesar da importância das mudanças tecnológicas, principalmente nas comunicações, o fator primordial é a mudança nas políticas dos países em direção a redução das barreiras ao fluxo de negócios e investimentos. O autor termina afirmando que por essas razões a globalização é fundamentalmente diferente, e especial, nos dias atuais.

Devido à sua complexidade e aos seus efeitos, a globalização tornou-se um tema polêmico. Críticos e defensores têm se enfrentado em debates acadêmicos e políticos e, por vezes, as manifestações ganham as ruas, como aconteceu no encontro da OMC em Seattle. A própria criação do Fórum Social Mundial é uma iniciativa visando debater e propor sugestões para uma globalização mais solidária, em contraposição ao Fórum Econômico Mundial, encontro anual que ocorre em Davos, Suíça (FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, 2005). Dentre as críticas feitas à globalização está a de que a abertura comercial decorrente dela aumenta a pobreza em países já pobres, pois joga os produtores desses países em um mercado competitivo no qual eles entram com enorme desvantagem. Além disso, argumenta- se que os países com maior poder político, e que pressionam para a abertura comercial, mantêm proteção e incentivos aos seus produtores, como é o caso dos

subsídios americanos à produção de algodão (ISAAK, 2005). Por outro lado, seus defensores argumentam que o aumento do comércio e da competição tem efeito positivo no crescimento dos países, sem exceção, e que o crescimento diminui a pobreza (BHAGWATI, 2004). Por isso todos os países, inclusive os mais pobres se beneficiariam da abertura comercial.

Outra crítica à globalização é a de que as corporações multinacionais seriam as grandes beneficiadas, pois diminuem seus custos ao se instalarem em países com de mão-de-obra mais barata e se beneficiam da diminuição das barreiras ao fluxo comercial e de capital. Os países desenvolvidos, apesar de ganharem, pois a maior parte das corporações multinacionais estão sediadas nesses países, sofrem com o desemprego por causa da transferência da produção para países pobres ou em desenvolvimento. Mas os países que recebem esses empregos não são beneficiados, pois são empregos em que a remuneração é baixa, e o que ocorre é uma real transferência de renda dos países pobres para os ricos (MILWARD, 2004). Por outro lado, os defensores argumentam que apesar dos salários serem baixos se comparados aos dos países-sede das multinacionais para os padrões do país que recebe essas empresas, eles ainda são em geral maiores que a média local, bem como cumprem mais a legislação local, ou mesmo adotam padrões de benefícios mais abrangentes que essa legislação. Além disso, as empresas multinacionais possuem padrões mais elevados de qualidade e tecnologia, o que geraria externalidades positivas para a indústria local, aumentando a produtividade geral da região (BHAGWATI, 2004; FARRELL, 2004). Apesar dos diferentes pontos de vista, ambos os lados concordam em uma coisa: a globalização é irreversível (BECK, 2000; BHAGWATI, 2004; FORUM SOCIAL MUNDIAL, 2005). O que é preciso buscar são maneiras de fazê-la trazer benefícios para todos e não apenas para um grupo privilegiado (BECK, 2000).

A irreversibilidade da globalização decorre de pressões políticas e econômicas para a criação de mecanismos institucionais que visem diminuir barreiras ao livre fluxo de capitais, ao comércio internacional e ao IDE. No entanto, a natureza dessas pressões também configuram pontos de discórdia. Para os críticos, os países desenvolvidos e os organismos internacionais (FMI e Banco Mundial, etc.) forçam os países pobres e em desenvolvimento a diminuírem as barreiras por meio de acordos bilaterais ou nas negociações de ajuda financeira nos momentos de

0 200 000 400 000 600 000 800 000 1 000 000 1 200 000 1 400 000 1 600 000 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 Ano E n tr a d a d e ID E (m il hõe s de dól a re s )

crises (RAMAMURTI, 2001; MILWARD, 2004). Já os defensores argumentam que a opção pela abertura econômica tem caráter voluntário, por ser a única via para o desenvolvimento e crescimento (RAMAMURTI, 2001; BHAGWATI, 2004). Além disso, pressões internas em países em desenvolvimento ocorrem devido a um grupo de profissionais formados em consagradas instituições americanas, e cuja formação leva a uma defesa da abertura de mercado. Essa geração ao assumir postos de comando na administração pública facilita e impulsiona essa abertura econômica em seus países (VERNON, 1998; RAMAMURTI, 2001).

Esse processo de integração econômica envolve diversos aspectos: importação, exportação, fluxo de capitais, entre outros. Neste trabalho o interesse específico é o IDE e as barreiras que dificultam ou facilitam esse tipo de investimento. O IDE é definido como um tipo de investimento que envolve um relacionamento de longo-prazo com contínuo interesse e controle por parte do investidor, em um empreendimento em um país estrangeiro e pressupõe que esse investidor exerça uma significativa influência na administração desse empreendimento (UNCTAD, 2004). O fluxo de IDE veio em uma tendência ascendente de 1970 até 2000 quando decresceu por três anos seguidos, e recuperou-se levemente em 2004, conforme demonstram os dados do gráfico 3. Esse incremento no IDE serve como indicador da abertura dos países ao relacionamento internacional.

Gráfico 3– Total de entrada de IDE no mundo

Segundo a UNCTAD (2004), essa diminuição no fluxo de IDE não representa um retrocesso do processo de abertura, pois as políticas relativas ao IDE estão se tornando mais liberais à entrada desse tipo de investimento como pode ser visualizado na tabela 10. Essa tendência indica a perspectiva de aumento no IDE para os próximos anos. Além disso, tanto países quanto multinacionais têm aumentado o seu grau de integração internacional (UNCTAD, 2004).

Tabela 10– Mudanças no regime de investimento Ano Item 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 Número de países que introduziram mudanças no regime de investimento 35 43 57 49 64 65 76 60 63 69 71 70 82 Número de mudanças 82 79 102 110 112 114 151 145 140 150 208 248 244 Favoráveis 80 79 101 108 106 98 135 136 131 147 194 236 220 Desfavoráveis 2 - 1 2 6 16 16 9 9 3 14 12 24 Fonte: UNCTAD, 2004.

O Brasil vem seguindo uma tendência de abertura das suas fronteiras para a entrada de IDE. O gráfico 4 apresenta a entrada de IDE no Brasil de 1970 a 2004. O país segue uma tendência muito parecida com os resultados apresentados no gráfico anterior. Além disso, dentro da classificação que a UNCTAD realiza dos países quanto ao seu desempenho na atração de IDE e quanto ao potencial para atrair IDE, o Brasil saiu de uma posição de baixo desempenho e alto potencial no triênio 1988-1990, para uma posição de alto desempenho e alto potencial no triênio 2001-2003 (UNCTAD, 2006b).

0 5000 10000 15000 20000 25000 30000 35000 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 Ano V a lo r e m M ilh õ e s d e U S $

Gráfico 4– Entrada de IDE no Brasil

Fonte: IPEA, 2005.

Conforme demonstram os dados, a década de 90 foi marcada pela abertura do mercado brasileiro ao exterior. Conforme já foi apresentado na caracterização das políticas governamentais, no setor automotivo, as alíquotas de importação tiveram uma diminuição grande em relação aquelas praticadas durante a política de substituição de importação, mesmo com a implementação do NRA. Além disso, as restrições à entrada de empresas multinacionais foram retiradas, ou seja, aceitando as condições do NRA, qualquer empresa poderia se instalar no país (COMIN, 1998). A reação do Japão e da Coréia frente à implantação do NRA também demonstra uma das novas facetas da globalização, ou seja, a negociação deixou de ser apenas entre empresa e país-hospedeiro, e passou a incluir as relações entre países e organizamos multilaterais (STOPFORD, STRANGE e HENLEY 1992; DUNNING, 1998; RAMAMURTI, 2001). Na comparação entre os dois casos pesquisados, a globalização evidenciou a perda de poder de barganha por parte do Governo do Estado do Paraná nas negociações na década de 90.

Nas entrevistas realizadas sobre o processo de negociação com a Volvo na década de 70, o fator identificado pelos entrevistados, sem exceção, como decisivo para a vinda da empresa para o Estado foi a influência política dos líderes locais sobre o Governo Federal. Como a vinda da empresa dependia da autorização do projeto pelo Governo Federal, as lideranças do Estado utilizaram essa capacidade de articulação política como argumento de negociação. Essa

capacidade de ação política será discutida em maiores detalhes a seguir. Na década de 90, com a abertura do mercado brasileiro decorrente da globalização, o Estado perde essa argumentação na negociação. Nas palavras dos entrevistados, o processo de negociação era mais uma competição de qual deles oferecia melhores condições para instalação do que uma negociação propriamente dita. A Renault não precisou do auxílio do Governo Estadual para entrar no país, pois bastou aceitar os termos do NRA para ter seu projeto aceito pelo Governo Federal. A negociação sobre os termos do NRA aconteceu no âmbito da OMC, e o Brasil sofreu pressão dos países-sede das multinacionais para diminuir as restrições de entrada. Portanto, a empresa estava livre para negociar com diversos estados e obter as maiores vantagens possíveis na competição entre eles. Portanto, na década de 70 o Estado do Paraná tinha um poder de barganha muito maior, pois havia barreiras a entrada de empresas multinacionais no país estabelecidas pelo Governo Federal. Já na década de 90 o oposto era verdadeiro, o governo estadual perdeu poder de barganha, pois o mercado brasileiro estava aberto ao investimento externo, e as decisões sobre as condições de entrada de IDE não se restringiam ao país, mas foram negociações realizadas nos organismos multilaterais e com outros países.

Faz-se agora a análise do último fator do contexto sócio-político- econômico importante para o processo de negociação entre as empresas multinacionais e o país hospedeiro, qual seja, a capacidade de ação política do Poder Público.