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5. AS EMPRESAS MONTADORAS E SEUS RELACIONAMENTOS

5.4. Relacionamento com Organizações Locais

Faz-se agora uma análise das alternativas que poderiam explicar essa diferença no relacionamento com os fornecedores locais entre Volvo e Renault. Cinco alternativas serão discutidas: (1) tempo em que a empresa está instalada no país; (2) escala de produção; (3) maior número e maior força dos fornecedores nacionais na década de 70; (4) estratégias de fornecedores locais utilizada pelo setor automotivo na década de 70; e (5) influência do processo de negociação na formação dos relacionamentos.

A primeira das alternativas para explicar essa diferença entre da Volvo e da Renault quanto aos relacionamentos com empresas nacionais e multinacionais, tanto instaladas no Paraná, quanto fora do Paraná, seria o fato da primeira estar a mais tempo no país, ou seja, com o passar do tempo, a empresa vai conhecendo a realidade local e as empresas da região e começa a se relacionar com elas. Ocorrendo isso, os relacionamentos mais novos da Volvo seriam com empresas nacionais, enquanto os relacionamentos mais antigos seriam com empresas multinacionais. De maneira inversa, os relacionamentos da Renault com as empresas nacionais deveriam ser mais novos do que os relacionamentos com as multinacionais. Para testar essa hipótese foram realizados testes U de Mann- Whitney para testar a hipótese nula de que não existia diferença entre as empresas nacionais e multinacionais quanto ao tempo de relacionamento com as montadoras. Foram testadas, separadamente, cada uma das amostras em cada montadora (anexos, 23, 24, 25 e 26). Não foi encontrada significância estatística em nenhum dos testes realizados, portanto essa hipótese não pôde ser corroborada, o que enfraquecendo o argumento a favor dessa alternativa.

A segunda alternativa sugere que por causa da menor escala de produção a Volvo não foi capaz de atrair fornecedores para se instalarem no Paraná e por isso foi obrigada a utilizar empresas paranaenses. Essa alternativa foi levantada nas entrevistas sobre o processo de negociação para a vinda da empresa para o Estado para justificar por que a vinda da empresa na década de 70 não tinha atraído fornecedores como ocorreu com a Renault. Mas se o problema era escala a empresa continuaria a comprar de fornecedores instalados em São Paulo, e não existiriam fornecedores paranaenses. Além disso, os fornecedores instalados no Paraná seriam todos, ou pelo menos em sua maioria, subsidiárias de empresas instaladas em outros Estados. Na análise dos dados, dos 19 fornecedores da Volvo instalados no Paraná, apenas seis possuem planta em outros Estados. Esses dois dados enfraquecem o argumento da escala.

O terceiro argumento é de que na década de 70 os fornecedores nacionais seriam mais numerosos e teriam mais força em relação às montadoras, o que justificaria o maior número de fornecedores nacionais da Volvo. Arbix (2000) descreve o processo de desnacionalização rápido do setor na década de 90. Mas os reflexos desse processo de desnacionalização seria sentido nos dados da Volvo da mesma forma, ou seja, aumentaria o número de fornecedores multinacionais deixando a empresa mais parecida com a Renault em relação aos relacionamentos. Além disso, dos fornecedores da Renault instalados no Paraná, a média de anos no Brasil é quase dez anos menor do que a média na Volvo, indicando que esses fornecedores iniciaram a sua atividade no país a menos tempo. Dos 19 respondentes do questionário entre fornecedores instalados no Paraná, 14 iniciaram a sua atuação no país a menos de oito anos, tempo em que a Renault atua no país, e todos eles são multinacionais. Isso indica que eles vieram ao Brasil em primeira instância para atender a Renault. Além do mais esse argumento explicaria a diferença entre número de fornecedores nacionais e multinacionais como um todo, mas não explicaria por que o desenvolvimento de fornecedores no Paraná, já que o Estado não tinha tradição industrial de maneira geral, e menos ainda no setor automotivo. Sendo assim o argumento se enfraquece.

O quarto argumento é de que seria uma estratégia da empresa formar relacionamentos com empresas paranaenses. Nas entrevistas com sobre o processo de negociação na Volvo nenhuma indicação a respeito disso foi encontrada. Nas

entrevistas, um dos entrevistados que trabalha a 25 na empresa explica que inicialmente a área de compras da empresa era em São Paulo, pois era lá que estavam os fornecedores da Volvo. Shapiro (1994) discutindo o setor de auto-peças no Brasil em nenhum momento indica que existia uma estratégia das montadoras em se utilizar de fornecedores nacionais ou locais. A estratégia do setor era oposta, pois para driblar as dificuldades enfrentadas com os fornecedores nacionais, as empresas preferiam a integração vertical. Inclusive ela argumenta que o fato dos fornecedores não serem uma das preocupações dos responsáveis pelo processo de atração das montadoras no Brasil nas décadas de 50, 60 e 70 fez com que o setor fosse dominado por grandes multinacionais, enquanto as empresas locais eram em geral de médio e pequeno porte. Portanto o argumento é enfraquecido.

O último argumento é de que o resultado do processo de negociação influenciou a formação dos relacionamentos. Ao ser obrigada a se instalar no Paraná a Volvo já começou a desenhar as suas possibilidades de formação de relacionamentos. Devido às dificuldades de entrada de empresas multinacionais no país e da sua impossibilidade de fazer exigências devido ao baixo poder de barganha frente o governo federal e estadual, a empresa acabou sendo obrigada desenvolver alguns fornecedores paranaenses. Nas entrevistas com a área de compras da empresa fica claro que existiram dificuldades nesse relacionamento inicial. Os entrevistados descrevem como precisava ser paternalista a relação devido às dificuldades dos fornecedores locais. Isso fez com que fosse experimentada e amadurecida uma relação e hoje alguns fornecedores nacionais e locais são fornecedores globais da Volvo. Na Renault, a empresa exigiu que os incentivos que ela recebeu fossem oferecidos aos seus fornecedores. Com isso ela conseguiu atrair diversos dos seus parceiros para se instalarem no Paraná. Por outro lado, mesmo com esforço desenvolvido pelo setor metal-mecânico do Paraná com o programa “Paraná Automotivo”, não levou a um maior relacionamento com a montadora (SINDIMETAL, 2000). Em entrevista do o presidente do SINDIMETAL-PR, apesar do programa ter aumentado a produtividade do setor e qualificado as empresas associadas ao sindicato em certificações ISO e QS, nenhuma empresa tornou-se fornecedora direta da Renault. A falta de opções decorrente do baixo poder de barganha da Volvo Na década de 70 e as exigências da Renault e seu alto poder de barganha parecem ser um argumento forte na explicação da diferença dos

relacionamentos. Outro fator que fortalece o último argumento é que dos cinco fornecedores da Volvo no Paraná que se relacionam com a empresa a mais de 20 anos, quatro são nacionais, reforçando que a empresa utilizou fornecedores locais desde o início.

Em conjunto com o menor poder de barganha, existiu na década de uma iniciativa do Estado do Paraná em procurar fornecedores locais e colocá-los em contato com a Volvo. Os entrevistados no processo de negociação afirmaram que foi realizado um grande esforço para que fornecedores paranaenses entrassem em contato com a empresa, todavia devido a falta de tradição do setor industrial paranaense, poucas empresas possuíam os requisitos mínimos aceitáveis da Volvo para serem seus fornecedores. Esse esforço não ocorreu de maneira tão expressiva na década de 90, especialmente porque a própria empresa já havia solicitado os incentivos para seus fornecedores multinacionais.

É importante ressaltar que mesmo com as mudanças de estratégia para fornecedores globais e com a desnacionalização do setor de auto-peças que pressionariam para uma maior semelhança entre as empresas, a diferença entre Volvo e Renault permanece. Uma das explicações é que ao criar uma rede de relacionamentos com fornecedores locais a empresa tem acesso a informações e contatos com outras empresas com as quais não manteria relacionamento de outra forma. No caso da Volvo, ela tem possibilidade de conhecer fornecedores locais com os quais não teria contato se só se relacionasse com fornecedores de outras localidades ou multinacionais. Por exemplo, uma das empresas da amostra de fornecedores mais importantes é nacional, está instalada no Paraná e fornece a Volvo a apenas oito anos.

Granovetter (2005) ao descrever o mercado de trabalho afirma que um mercado com pouca mobilidade de pessoas entre as empresas mantêm a tendência de baixa mobilidade pois a falta de relacionamento entre as pessoas, gerada por essa falta de mobilidade, faz com que seja mantido o padrão de baixa mobilidade. No caso dos relacionamentos com os fornecedores essa lógica também se aplica. Se a empresa começa a se relacionar com fornecedores locais, ela acaba involuntariamente criando meio de comunicação com outras empresas locais, o que gera oportunidades de relacionamentos locais, aumentando a probabilidade de vir a ter outros fornecedores locais. De maneira oposta, se a empresa não se relaciona

com fornecedores locais, ela não gera oportunidade de se relacionar com outras empresas locais, e diminui a sua probabilidade de vir a se relacionar com novos fornecedores locais. A ação econômica de escolha de fornecedores acaba influenciada pela rede de relacionamentos das empresas (GRANOVETTER, 1985; 2005). E essa influencia reforça a manutenção dos tipos de relacionamentos do inicio das atividades da empresa (MARQUIS, 2003), mantendo a diferença entre as duas empresas.

Passa-se agora para as conclusões desse trabalho a partir das análises e discussões feitas até o presente momento.