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Globalização económica e Globalização política

I. Conflito paradigmático e o repensar do papel da acção política do Estado

3. Integração económica global

3.1. Globalização económica e Globalização política

O Estado inevitavelmente mutável é comprovado pela forma como a sua política é tão mutável quanto o contexto económico que o rodeia. Como será fundamentado mais à frente, a capacidade militar e as características de um Estado mesmo que forte, dificilmente serão argumentos suficientes para desenvolver uma estratégia própria. A nova ordem económica internacional foi uma exigência do Terceiro Mundo73, formalmente levada a cabo em 1955 durante a Conferência de Bandung e a sua importância baseia-se sobretudo na formalização de uma era em que todos os países, independentemente do seu poder, conseguem ter uma palavra a dizer no cenário internacional. A Organização das Nações Unidas (ONU) constituiu mesmo em 1974 uma Carta de Direitos e Deveres Económicos dos Estados que enunciava os princípios da nova ordem em construção, baseada na cooperação e na participação de todos os Estados no comércio mundial. Esta foi a forma encontrada também pelos países até aí colonizados de vincarem a sua posição em relação ao neocolonialismo, assegurando assim a sua independência também ao nível económico.74

Procurava-se no início, acautelar futuras desigualdades entre Estados fortes e fracos num paradigma que previa uma política de igualdade preferencial dos países do norte pelos do sul. Tal acontecimento pode não ter tido grandes repercussões na prática até porque a Guerra Fria foi uma realidade presente ainda nas duas décadas seguintes havendo sempre um alinhamento mesmo que inconsciente com algum dos blocos. Contudo, formalmente, ficavam assim lançadas as bases para a Globalização económica e para uma fase onde a competitividade iria certamente motivar novos comportamentos por parte dos Estados.

O actual processo de Globalização diferencia-se obviamente daquele que foi iniciado na era gâmica, ou no limite, aquando das primeiras migrações humanas. Falamos aqui do processo que cobriu a totalidade da vida do Homem, tornando todos os seres iguais, marcados à superfície, apenas pelas diferenças no seio de cada sociedade.75

No sentido genérico, a globalização seria o mesmo que o processo da modernidade no entendimento de Giddens76 que ao nível social pode ser entendido como “a intensificação das relações sociais em todo o mundo” e a expressão da modernidade à escala planetária.77 Para o Professor José Adelino Maltez, a encruzilhada entre a não fatalidade e a utopia que “não é o demónio do mal absoluto nem o deus do bem”.78

73

Cfr. MOREIRA, Adriano, op.cit, nota 15, p. 436.

74

Além dos princípios, foram estabelecidos, em 28 artigos, os deveres económicos dos Estados e mais dois dispositivos acerca da Responsabilidade Comum dos Estados perante a Comunidade Internacional. Por fim, a Carta estabeleceu que na 30ª Sessão da Assembleia-geral das Nações Unidas e, depois, de 5 em 5 sessões, a Carta seria discutida para averiguar o seu devido cumprimento.

75

Cfr. MATOS, Rui Paula, Em busca da Globalização feliz – Análise e Reflexão Política, Hugin, Lisboa, 2005, p. 54.

76

Cfr.MOREIRA, Carlos Diogo, “Identidades Culturais, Pluralismo e Globalização”, in Revista de Ciências Sociais e Políticas, nº 1, Janeiro/Abril, 2007, p. 37.

77

Cfr. Idem.

78

Rui Miguel Rebelo Alves

Os velhos nacionalismos económicos, marcadamente vivenciados pela Albânia e pela Coreia do Norte, foram esmagados pela ilusão de um grupo estadualizado poder ser auto-suficiente.79 Aliás, o liberalismo foi talvez, até ao início da crise bolsista em Setembro de 2008, o único valor globalmente transaccionável independentemente da estrutura política dos Estados. O chamado “único critério do politicamente correcto” apoiado numa divulgação massificada na era do crescimento dos media e do fenómeno da internet que massificou hábitos e comportamentos até reduzidos a uma parcela relativamente restrita das nações mundiais.

Assim, a mundialização da economia deu espaço ao liberalismo económico para agir sem fronteiras e sob o signo dos princípios do laissez-faire e laissez-passer e pensou-se que esta nova era de abertura proporcionaria a elevação do nível de vida em todo o mundo num curto espaço de tempo. E como o ambiente político jamais é imune ao ambiente económico, a verdade é que com o advento da nova ordem económica, em poucos anos, o Muro ruiu, o mundo soviético colapsou e mesmo na Europa, as ideologias conheceram terceiras vias até aí escondidas na constatação de que a globalização, apesar de unir países, também divide os homens.80

A crise financeira e por arrastamento, económica, que o mundo atravessa hoje é fruto da euforia desmedida de décadas de desregulamentação, privatizações e moedas únicas também fomentadas pelas organizações supranacionais como a UE e deram aso a um esquecimento completo de estratégias própria, entregando os governos o seu destino ao contexto económico, passando a acção política a regular-se por meras regulamentações em áreas inalcançáveis pela economia global.

Paradoxalmente e com a falência dos bancos e de empresas a que temos vindo a assistir nos últimos 3 anos, o Estado voltou a ter uma acção relativamente importante na concretização de planos de apoio aos sectores atingidos pela crise e estabelecendo parâmetros de actuação por parte dos agentes económicos que evitem situações de ruptura com o sistema no futuro. Mesmo nos EUA, é extremamente curioso assistir ao papel regulador do Estado em grandes empresas como a General Motors81, um dos verdadeiros motores da economia norte-americana e que só sobreviveu devido à acção de Washington naquilo que muitos economistas teriam achado impossível voltar a acontecer no ponto alto do liberalismo económico.

Ainda no actual contexto, será muito interessante analisar que nenhum Estado escapou verdadeiramente à crise. As formas de financiamento, os canais de comércio e o abanar do sistema económico de grandes potências como os EUA ou a Alemanha, são capazes de abalar todo um sistema que afinal de interdependente, teria muito pouco. Além disso, algumas preocupações com o excesso de regulamentação económica, antes mencionadas, por grupos cépticos à Globalização, começam a ter implicações práticas.

Independentemente do crescimento económico, o preço político e social é alto e isso traduz-se numa limitação severa da liberdade dos indivíduos, na regulamentação excessiva da sociedade civil, na paradoxal criminalização das actividades económicas, na politização dos processos e no aumento de

79 Cfr. Idem, p. 107. 80 Cfr. Idem. 81

Cfr. LEVINE, Steve, “Now, Obama 'Owns' General Motors”, in Business Week Online, disponível em

http://www.businessweek.com/bwdaily/dnflash/content/apr2009/db2009041_951044.htm, consultado a 19 de

problemas relacionados com xenofobia, medo de competitividade alicerçada ao movimento de pessoas e empresas e um sentimento geral de insegurança a nível laboral. Tais receios são comprovados pelo crescimento generalizado do número de desempregados nos últimos 15 anos, situação impulsionada pela crise mundial mas também pelas dificuldades em despoletar soluções para um crescimento sustentado e criador de empregos.

Além de algumas destas consequências no mundo ocidental, a tão esperada elevação no nível de vida generalizado a todos os países, parece bastante afastado. Já em 1996, o Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apontava para o crescimento das desigualdades entre países pobres e países ricos, além das constantes intervenções do Banco Mundial (BM) e do FMI em vários continentes.

O preço desta nova era económica redunda-se então em preços altíssimos pela intromissão num sistema tão flexível quanto volátil e que pressupõem ganhos proporcionais às perdas. Contudo nem tudo parece ser tão negativo.

A Globalização económica coincidiu também com o alargamento de alianças tanto a nível político como militar. Além disso, o período temporal do pós-colapso soviético, mostra uma tremenda vocação da rede transnacional da sociedade civil82 para formar redes de apoio mundializas na chamada “revolução associativa”.83 Ao nível político, os Estados têm estado mais atento a questões ambientais e vão fornecendo soluções cada vez mais viáveis para a estabilidade energética e nuclear. A Globalização dos mercados mostra-se aqui inseparável da Globalização das responsabilidades para com a sociedade civil estabelecendo uma inevitável ligação entre economia e política.

A integração tornou-se parceira indispensável do desenvolvimento económico mas também de qualquer outro tipo de alianças, num cenário internacional onde a manutenção das iniciativas estatais esbate cada vez na Globalização generalizada.