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III. O caso português

2. Desígnio estratégico para Portugal

2.2. Particularidades geopolíticas

Em termos geopolíticos, Portugal situa-se na área periférica da Europa, sendo o único país na zona continental do Velho Continente que faz fronteira com apenas um país. Contudo, não é por ter apenas um país fronteiriço que impede que a Europa seja a base de uma união que se verifica a nível geográfico, histórico, cultural, político e económico. O Estado soberano preconizado por Benedict Anderson, como garante e o emblema da liberdade144 tem um significado especialmente valorizado no território português já que a sua posição de resistência quase milagrosa em termos geopolíticos fez valorizar quase que simbolicamente o valor da soberania.

Esta relação quase umbilical com a Europa está na base da adesão à UE mas foi a vertente atlanticista que vincou o papel de Portugal no mundo durante o período dos Descobrimentos. Motivações de sobrevivência e políticas cruzam-se com as motivações de pôr em prática os conhecimentos geográficos da altura e o ideal de promoção de uma herança comum tão transversal à história desde essa altura e que marcou muito a imagem de Portugal no mundo.

Além dos laços culturais estabelecidos com uma zona muito abrangente em África, Portugal também partilha, pela sua proximidade geográfica, a faixa regional do norte do continente. Os laços de afectividade que conseguiu preservar ao longo dos séculos ultrapassaram as matrizes e os obstáculos

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culturais e religiosos e são fruto de uma capacidade diplomática e de inteligência que muito devem servir de exemplo para a acção política actual.

Segundo o Professor Políbio Valente de Almeida, existem quatro características essenciais na definição da imagem geopolítica de Portugal:145

• Condição de Europeu; • Atlântico;

Stakeholder de uma zona contígua ao Mediterrâneo;

• Interesses e afinidades em áreas que vão além do seu simples posicionamento geográfico.

Em primeiro lugar, a condição de Portugal enquanto país europeu não é uma mera fatalidade da geografia. Portugal partilha os valores e a cultura europeia e tal como os seus pares, faz parte de um exemplo de integração, com uma história de sucesso e de alargamento ao campo político. Felizmente a barreira geográfica dos Pirinéus, não impediu psicologicamente o país de se dar com os seus pares embora o distanciamento político tivesse custado caro em certos momentos da História. Perante estes factos, temos de considerar o imenso papel de Espanha na condição de único vizinho de Portugal enquanto parceiro comercial, aliado e inimigo crónico e que por todos os factores, veio a influenciar a maneira como se fez política em Portugal. Talvez por causa deste bloqueio, a acção do país foi mais rapidamente deslocada para o mar. Inicialmente e comprovado pelas circunstâncias geográficas, a saída das primeiras naus de Lisboa, tinha como objectivo encontrar pontos de apoio que providenciassem mecanismos defensivos, obrigando Espanha a diminuir as suas tendências agressivas e de domínio ao mesmo tempo que começava a competir com Portugal pela ocupação das principais praças de Comércio do Norte de África. Mesmo que temporárias, as conquistas de praças comerciais, foram importantes para demonstrar o poder militar português e para estimular o comércio. Com este sucesso, Portugal procurou novos caminhos fora da Europa e veio a expandir-se para outros continentes sem dar exclusividade a um só traduzindo este comportamento na “permanente capacidade de escolher, em cada momento em qual se deve apoiar”146.

Todo este curriculum daquele que não deixa de ser um pequeno Estado, faz com que a legitimação geográfica de pertença à Europa em nome próprio seja totalmente aceite pelos seus parceiros sem que Portugal tenha sido subserviente de qualquer outra potência dominante.

A segunda característica destaca o papel de Portugal enquanto país atlântico. E se ser atlântico não é uma característica tão anormal assim, devemos pensar em tal condição enquadrando a posição geográfica em que o país se encontra e a capacidade que dessa mesma posição deve retirar. Como referido pela Professora Sandra Balão, a vocação oceânica de Portugal, “constitui, para além de uma das mais ricas heranças históricas, uma das mais distintas marcas que sempre caracterizou e caracteriza o Ser Portugues”147. A mesma autora refere que o facto de Portugal dispor de uma vasta

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Cfr. ALMEIDA, Políbio F.A. Valente de, op. cit., nota 88, p. 360.

146

Cfr. Idem, p. 361.

147

Cfr. BALÃO, Sandra Maria Rodrigues, “Portugal e o Mar na definição da Política Global”, in MARTINS, Manuel Meirinho (org), Comunicação e Marketing Político – Contributos Pedagógicos, ISCSP, Lisboa, 2007, 140.

Rui Miguel Rebelo Alves

costa marítima, constituiu-se como factor decisivo capaz de justificar “a opção pelo mar em geral, bem como a orientação dada às várias expedições”148.

O mar é um elemento indissociável da história de Portugal. O chamado “mar de origem com os quais as pátrias se confundem”.149 Portugal tem aqui o grande suporte da sua cultura. O Professor Jorge Dias, fala desta importância, mais do que o elemento político quando refere que “a unificação e a permanência da Nação deve-se ao Mar”150. Esse é o grande barómetro do seu sucesso ou insucesso conforme o usa mais ou menos. É o seu grande suporte em termos culturais e políticos e é na costa litoral do país que a grande parte da população se concentra ainda hoje.

Enquanto membro da OTAN, Portugal está longe de ser um sujeito passivo dentro da organização. A integração do país nesta organização e o reconhecimento deste potencial aqui falado são evidência das garantias geopolíticas que pode dar enquanto participante activo numa área vital para o ocidente. A terceira matriz coloca Portugal na condição de país do Mediterrâneo. Se bem que não esteja banhado pelo Mar com o mesmo nome pode, no entanto, beneficiar desse conjunto de forças, provocando uma influência local que mesmo não sendo grande, deve ser suficiente para vincar essa posição numa área sensível e que separa dois continentes. Além disso, enquanto porta marítima da Europa, Portugal tem essa missão sensível de “guardião” do Mediterrâneo, sendo responsabilizado quase involuntariamente por essa missão. Nestas condições, um poder militar credível é essencial para respeitar e fazer respeitar a soberania nacional e dos países da região.

Finalmente, podemos falar das ligações que Portugal detém com países fora da sua esfera geográfica. O convívio multissecular conseguido ao longo da história fez com que laços culturais, políticos e linguísticos se fossem multiplicando de uma forma incontrolável pelos próprios responsáveis políticos sendo que ainda hoje se mantêm essas marcas em variados quadrantes sociais dentro dos países onde houve uma marca da presença portuguesa.

Este terá sido o grande papel de Portugal no mundo. Um papel de união entre povos e continentes desconhecidos onde o pequeno Estado atlântico veio a desenvolver um papel unificado e pacificador que transformou a era dos Descobrimentos em muito mais do que prosperidade económica. Existe de facto “o passado comum do povo” como disse o Professor Adriano Moreira, destacando as qualidades quase messiânicas do povo português em chegar a outros povos nunca alcançados. É um passado comum plenamente partilhado entre portugueses, índios, africanos, asiáticos e até oceânicos num património cultural que faz parte do “património comum da humanidade”.