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3. Solidão em tempos de globalização: globalização dos mercados

3.1 Globalização e reação

Um leitor poderia se perguntar: como se pode falar de distanciamento da América Latina se agora é a época da globalização e o mundo ficou menor, ao alcance de uma tecla do computador? A resposta, novamente, é simples. O que se globalizou foi o consumo e não os países. A idéia de nação se desfaz diante da noção de extraterritorialidade, afinal o Big Mac em Buenos Aires é o mesmo Big Mac de Maceió, de Belo Horizonte ou de Lima. O Brasil não está globalizado com a América Latina, mas a outros centros de consumo. Aliás, os outros centros históricos com os quais o Brasil poderia se conectar vão sendo aos poucos destruídos pelos shopping centers. Não há intercâmbios de histórias e culturas, mas invasão de marcas e valores norte-americanos. Essa invasão foi incentivada pela grande arte popular do século XX: o cinema de Hollywood.

Durante as entrevistas realizadas com os jornalistas para esta pesquisa, Heródoto Barbeiro130 afirmou que o jornalismo só se dedica aos lugares com os quais há relações

comerciais. Diante dessa afirmação poder-se-ia acreditar que com a consolidação do Mercosul, a América Latina teria chances de ganhar espaço no jornalismo. Porém, o Mercosul não se afirmou como uma integração de países, mas sim como a globalização de mercados.

129 SARLO, Beatriz. Op. Cit. p 119-20. 130

DEPOIMENTO de Heródoto Barbeiro, editor chefe da Rádio CBN a Alexandre Barbosa em janeiro de 2003.

Antes do episódio de 11 de setembro de 2001, o neoliberalismo e toda sua indústria simbólica estavam em defensiva. Gênova, Seatle e outras cidades do centro do capitalismo observavam o crescimento das passeatas e manifestações contra a globalização. Infelizmente, os ataques às torres gêmeas serviram de mote para o endurecimento da repressão. A mídia teve argumento para colocar os EUA como vítimas de uma orquestração mundial. A “democracia” estava em perigo e os “paladinos da liberdade” receberam permissão mundial para desencadear uma série de ataques criminosos pelo planeta. Não que as manifestações antiglobalização tenham cessado, mas os holofotes da mídia não precisavam mais se preocupar com elas.

O surgimento do Fórum Social Mundial, em oposição ao Fórum Econômico de Davos simboliza essa reação. As primeiras edições foram combativas. Mães da Praça de Maio, em teleconferência, criticam os banqueiros pelos milhões de crianças que morrem de fome em todo o mundo. Saramago, Galeano, zapatistas, Chomsky, Bovet, Emir Sader e milhares de organizações não governamentais, movimentos sociais e partidos de esquerda propondo soluções para um novo mundo. O Fórum parte para sua sexta edição sem conseguir sair da proposta e partir para ação. Contudo, mais importante é sua manutenção, sua persistência em provar que outro mundo é possível.

Durante a década de 1990 a América Latina ficou mergulhada no pensamento único de que o neoliberalismo era a única solução para sair da crise social e econômica. Todas as iniciativas neoliberais apenas aprofundaram as diferenças e exclusões. Felizmente, houve conflitos iniciando com o bravo levante dos zapatistas em 1994, na selva de Chiapas. Os movimentos sociais latino-americanos ganharam as manchetes dos jornais com as ações do MST no Brasil e provocaram polêmica com o governo de Chavez na Venezuela.

Para Emir Sader, a América Latina passa por um conflito entre o velho e o novo: “O velho insiste em sobreviver por meio de governos que mantêm e reproduzem as desumanas e antidemocráticas políticas de ajuste fiscal, priorizadas em relação às políticas sociais. Isolados em relação às necessidades prementes da massa da população, se apóiam no capital especulativo, nos organismos financeiros internacionais e no monopólio privado da mídia, que os ampara e sustenta. [...]O novo revela sinais da força já acumulada para

construir alternativas ao neoliberalismo e ao belicismo. O novo começou a surgia há muito tempo – desde o grito de Chiapas dos zapatistas, em 1994 -, mas tomou novo impulso quando os camponeses bolivianos impediram a privatização da água e derrubaram o presidente que a promovia, construindo uma força política social alternativa ao governo. Surge quando os movimentos sociais latino-americanos – a começar pelo MST -, lutam pela reforma agrária, contra os transgênicos e pela segurança alimentar. O novo está presente na vitoriosa reestruturação da dívida externa Argentina, realizada por Nestor Kirchner. O novo se expressa na eleição da Frente Ampla para dirigir o Uruguai, na vitória de Hugo Chavez no referendo venezuelano, na política de integração latino- americana – renovada e fortalecida na reunião de Lula, Kirchner e Hugo Chavez, em Montevidéu, para programar cúpulas dos ministérios sociais, de energia e econômicos dos seus governos e dos que queiram se somar

a essas iniciativas.

Também fazer parte do novo as propostas de criação de uma televisão pública dos paises do continente, de integração das empresas petrolíferas da América Latina e do Banco da Semente, para proteger o nosso patrimônio natural. O novo está presente nos acordos estratégicos assinados entre os governos de Brasil, Venezuela, Cuba, Argentina, Uruguai, entre si e com China, Irã, Rússia e Espanha, projetando uma nova inserção internacional do continente.”131

131 SADER, Emir. A América Latina entre o velho e o novo. Extraído de: ALAI. www.alainet.org.

Interessante notar que, no início do século XX, José Carlos Mariátegui já alertava para a necessidade de integração econômica da América Latina no ensaio La Unidad

Latinoamericana publicado em 1929. “Lo que separa y aísla a los países

hispanoamericanos, no es esta diversidad de horario político. Es la imposibilidad de que entre naciones incompletamente formadas, entre naciones apenas bosquejadas en su mayoría, se concerte y articule un sistema o un conglomerado internacional. En la historia, la comuna precede a la nación. La nación precede a toda sociedad de naciones.(...) Entre los pueblos hispanoamericanos no hay cooperación; algunas veces, por el contrario, hay concurrencia. No se necesitan, no se complementan, no se buscan unos a otros. Funcionan económicamente como colonias de la industria y la finanza europea y norteamericana”.132 O

triste é reconhecer que quase um século depois, o cenário não se alterou. Do contrário, apenas se acentuou.

Há consenso entre todos os que estudam a América Latina, uma eterna esperança de solução da crise. Solução que passa pela mobilização, pela união dos movimentos sociais e culturais, pelo fortalecimento da imprensa alternativa, pelo crescimento da intelectualidade militante e crítica, do incremento da educação a favor de um mundo baseado na solidariedade, e não na individualidade. O novo caminho da América Latina passa pela verdadeira união dos países. União que pode começar como reação à globalização mas que pode colocar a região no centro das atenções.

Estudado o ambiente sócio-histórico em que se insere a América Latina, resta conhecer a realidade das redações: como funcionam os óculos dos jornalistas e das empresas jornalísticas, as influências no modo de produção jornalístico e o processo de formação do jornalista, como será visto no próximo capítulo.

132 [1924] MARIÁTEGUI, José Carlos. Textos Básicos. Lima, Peru: Fondo de Cultura Económica,

1991. p. 363.

Capítulo III

Cantor de oficio

(Miguel Ángel Morelli)

Mi oficio de cantor es el oficio De los que tienen guitarras en el alma Yo tengo mi taller en las entrañas Y mi única herramienta es la garganta. Mi oficio de cantor es el mas lindo Yo puedo hacer jardín de los desiertos Y puedo revivir algo ya muerto Con solo entonar una canción. Yo canto siempre a mi pueblo Porque del pueblo es mi voz Si pertenezco yo al pueblo Tan sólo del pueblo será mi canción. Nadie debe creer que el cantor Pertenece a un mundo extraño Donde todo es escenario y fantasía El cantor es un hombre más que anda Transitando las calles y los días Sufriendo el sufrimiento de su pueblo Y la tiendo también con su alegría. Mi oficio de cantor es tan hermoso Que puedo hacer amar a los que odian Y puedo abrir las flores en otoño Con solo entonar una canción.

O jornalista é um intelectual, como definiu Antonio Gramsci em Os Intelectuais e a

Organização da Cultura. Nestas notas, Gramsci dá a receita de como deveria ser o

jornalismo que ele chama de integral, ou seja, aquele que “pretende satisfazer todas as necessidades de seu público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, conseqüentemente, em certo sentido, criar seu público e ampliar progressivamente sua área. [...] É dever da atividade jornalística seguir e controlar todos os movimentos e centros intelectuais que existem e se formam num país”.133 E é essa a definição de jornalista que

esta dissertação assume.

133 GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização,

Diante dessa função, como estão preparados os colegas jornalistas para exercê-la? Há dois lados nessa discussão: de um, o distanciamento do jornalista do mundo real, o uso dos óculos para a seleção de notícias e a formação deficitária desde a educação básica até a superior; de outro, as difíceis relações de trabalho numa redação e o uso do material das agências internacionais como forma de baratear a produção jornalística.