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Capítulo I – Informalidade e empreendedorismo: abordagens teóricas e contextos

1.2. Trabalho formal no Brasil e a cidadania regulada: a dualidade do mercado de

1.2.2. Golpe institucional, Bolsonaro e o aprofundamento da precarização do

A ampliação da precarização do trabalho e a negação das garantias dos direitos trabalhistas se exacerbaram após o Golpe de 201631. A prática discursiva do governo no pós-golpe era de que o arrefecimento econômico e as altas taxas de desemprego estariam fundamentadas no excesso de proteção social e trabalhista.

O argumento é de que estes direitos causavam o aumento nos custos das atividades econômicas no Brasil, o que por consequência, impulsionava as empresas a demitir mais do que contratar. É sabido que a dimensão da proteção social dos trabalhadores/as não afeta as taxas de ocupação e de desemprego, nem positivamente, nem negativamente (OIT, 2015).

Uma das primeiras medidas do “Governo Temer” foi sancionar (com três vetos) a Lei 13.429/2017, também conhecida como Lei das terceirizações, que prevê a precarização do emprego, através da regulamentação da flexibilização. As relações entre empregados/as e empregadores ficaram ainda mais frouxas em desfavor do trabalhador/a.

A referida Lei flexibiliza a terceirização e regulamenta a prestação de serviços temporários. O principal ponto encontra-se na permissão da terceirização do trabalho para atividades-fim. Em suma, permite que todas as atividades de uma empresa possam ser terceirizadas.

O trabalho temporário que era permitido até o limite de 03 meses, fora ampliado para 06 meses, sendo possível a sua prorrogação por mais 90 dias, somando agora 09 meses. Além disso, cria a responsabilidade subsidiária, quando em caso de não pagamento dos direitos trabalhistas, o trabalhador aciona primeiro a empresa prestadora

31 A partir da reeleição da presidente Dilma em 2014, os recuos na política neodesenvolvimentista foram constantes, elevação dos juros, redução da intervenção estatal na economia, corte de investimentos públicos, cortes orçamentários, em suma, o governo seguiu à risca a aplicação da política ortodoxa neoliberal. Apesar deste recuo, a crise política e o processo de afastamento da presidente e do PT já haviam avançado, culminando no impeachment de Dilma em 2016 (PACCOLA e ALVES, 2019, p. 277)

de serviço judicialmente e, em caso de não comparecimento desta, pode-se acionar a empresa contratante.

Além da Lei das terceirizações, foi aprovada em julho de 2017 a Reforma

trabalhista, que em síntese promove o desmantelamento da Consolidação das Leis

Trabalhistas (CLT), abrindo a possibilidade para o parcelamento de férias (anteriormente era vedada a prática); demissão em massa sem necessidade de autorização sindical; redução do horário de almoço (podendo ser reduzido a 30 minutos); bancos de horas negociados individualmente; jornada diária pode ser de 12 horas com 36 horas de descanso; passa a não ser consideradas dentro da jornada de trabalho as atividades no âmbito da empresa, como tempo na empresa (como descanso, estudo, alimentação, interação entre colegas, higiene pessoal e troca de uniforme); o intervalo dentro da jornada de trabalho poderá ser negociado; o pagamento do piso ou salário mínimo não é mais obrigatório na remuneração por produção; o plano de carreira poderá ser negociado entre patrões e trabalhadores, sem necessariamente haver homologação, nem registro em contrato, podendo ser mudado a qualquer momento.

Temer inaugura a intensificação e radicalização do processo de desconstrução de direitos e proteção social. No âmbito do trabalho, a flexibilização aumenta o poder do empregador e reduz custos. Contudo, estas medidas não favoreceram o mercado de trabalho, que mostrou queda na taxa de participação, persistência de desemprego e crescimento da informalidade (KREIN, 2018). Assim como afirmam Filgueiras et al (2018)

Mudanças precarizantes nas normas de regulação do trabalho, inclusive sob a alcunha de reforma trabalhista, têm ocorrido nas últimas décadas em vários países do mundo. Em nações como o Brasil, onde a gestão do trabalho é predominantemente predatória, os empregadores costumam impor seu arbítrio na regulação privada, com ou sem alteração das normas. Não por acaso, a adoção de práticas ilegais, pelos empregadores, é pandêmica em nosso país. Ainda assim, a legitimação oriunda da legalização de condutas adotadas pelas empresas tem sido um horizonte constante das demandas dos empregadores. Dentro do amplo espectro de mudanças na legislação aspiradas pelo empresariado para legalizar práticas ilegais no Brasil, a ampliação do uso de trabalhadores supostamente autônomos e o trabalho intermitente32 estão entre aquelas diretamente sintonizadas às

32 O trabalho intermitente se configura na radicalização extrema da subsunção do trabalho ao capital. Em um contrato comum de emprego, o trabalhador é apêndice da acumulação em períodos de tempo determinados, durante a jornada de trabalho, já no trabalho intermitente, o empregado não tem qualquer renda fixa, portanto, nenhuma garantia de sobrevivência (FILGUEIRAS et al, 2018).

estratégias e demandas do capital em escala global (FILGUEIRAS et

al, 2018, p. 132).

Krein (2018), observando o saldo de contratos por tempo parcial, informa-nos que houveram 15.626 admitidos e 10.102 desligados, destacando que cerca de 2/3 são mulheres:

Tabela 3 - Trabalho parcial – Admitidos/as (Maio/2018)

Atributo pessoais Frequência %

Sexo Homem 2.121 39,7

Mulher 3.217 60,3

Faixa etária Até 29 anos 2.937 55,0

30 a 49 anos 2.095 39,2

50 ou mais 306 5,7

Escolaridade Fundamental 529 9,9

Médio 3.289 61,6

Superior 1.520 28,5

Ao longo de 2017, o aumento da quantidade de ocupados se baseou fundamentalmente no trabalho informal. Ao final do ano, pela primeira vez desde 2012, havia mais trabalhadores considerados por conta própria ou sem carteira do que empregados formais no setor privado (FILGUEIRAS et al, 2018).

Em 2017 foram criadas mais de 1,8 milhões postos de empregos informais. O desemprego caiu 3,6% e o número de trabalhadores/as informais aumentou 5,5%. Foram 126.288 demissões em “comum acordo”. Em dezembro de 2018, dos 92,6 milhões de ocupados, quase 40 milhões não tinha carteira assinada (IBGE, 2018; CAGED, 2018).

A pauta antissindical iniciada na década de 1990, visando o esvaziamento do poder sindical seria consolidada com as reformas promovidas pelo “governo Temer”, pós-2016, sobretudo, com o fim da obrigatoriedade da contribuição. Só nos primeiros quatro meses após a Reforma a queda foi de 88% na arrecadação, segundo o então Ministério do Trabalho e Emprego, o que possivelmente pode refletir em enfraquecimento dos direitos sociais, mediante asfixia do poder de reivindicação das entidades.

Ainda se aguarda para ser votada a Reforma da Previdência, que fora retirada de pauta em 2018, porém encontra-se em processo de retomada pelo Governo Bolsonaro. Esta promoverá uma reformulação nos padrões de seguridade social e previdenciária vigentes no país, sob a justificativa de ajustes das contas públicas e contenção de “déficit” previdenciário.

No governo Bolsonaro, no âmbito do trabalho, destaca-se a busca pelo aumento do desmantelamento das relações trabalhistas de forma continuada, em prol da acumulação de capitais, com a progressiva marcha da retirada direitos dos/as trabalhadores/as, sendo o fim do Ministério do Trabalho a expressão clara da não relevância do trabalho e dos trabalhadores para este governo.

Enquanto a Reforma da previdência não se concretiza, o governo promove “mini-reformas”, como a Medida Provisória nº 871, que tem por pretensão de “economizar” R$ 9,8 bilhões em 12 (doze) meses, em detrimento da suspensão, corte e não concessão de novos benefícios previdenciários, através da alteração de critérios de elegibilidade e permanência.

Trata-se de revisão de benefícios, como auxílio doença e aposentadoria por invalidez; mudanças nas regras de acesso aos benefícios previdenciários; revisões dos benefícios de prestação continuada para idosos e pessoas com deficiência; alterações para acesso e manutenção de benefícios rurais; Inscrição de Segurados na Dívida ativa e quebra de sigilo bancário.

As intervenções recentes no âmbito trabalhista, social e previdenciário, representam o modelo de desenvolvimento inserido na globalização mundial da economia, de forma que ao lançar-se na intenção de fortalecer os mercados, o faz fragilizando a classe trabalhadora.

A finalidade é redução de custos através de contratos atípicos (parcial e temporário); terceirização; contratos intermitentes e uberização. Ao analisarmos o contexto pós reestruturação produtiva, sobretudo mediante a égide do neoliberalismo, podemos compreender como as políticas de ativação do mercado de trabalho passam pela priorização da criação de programas inspirados na lógica do desenvolvimento local, num processo de ressignificação do trabalho informal através das ideologias do empreendedorismo, do capital social, do empoderamento, da economia solidária, entre outras, ampliando, sobremaneira, os postos de trabalho flexíveis e precários, em detrimento de vinculações estáveis, sobretudo após da década de 1990.