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Capítulo I – Informalidade e empreendedorismo: abordagens teóricas e contextos

1.1. O trabalho informal no Brasil: notas conceituais e contextuais

1.1.1. Os anos 1980 e as novas configurações da informalidade

A virada dos anos 1980 configura-se como um novo momento na trajetória do conceito de informalidade. Com a crise do fordismo e do estado de Bem-Estar social, o conceito de informalidade é incorporada pelas análises dos países mais desenvolvidos, superando a exclusividade de ser uma questão relacionada aos problemas do processo de urbanização e industrialização dos países subdesenvolvidos (DRUCK, 2008).

A análise anteriormente centrada no trabalho informal e suas formas de integração ao processo produtivo passa a privilegiar a dimensão dos conflitos de legitimidade e o quadro político-institucional que regula as atividades.

Segundo Pires (1993), os estudos dos anos 1980 se limitaram a apontar a persistência das atividades informais ocupando os interstícios deixados pelas atividades capitalistas, considerando esse aspecto como determinante para a sua reprodução. Assim, a dinâmica das atividades informais deve ser observada através de sua persistência na economia mediante a estrutura concentrada no mercado e ao nível de distribuição de renda da sociedade.

A partir da década de 1980, houve um crescimento significativo da economia informal nas médias e grandes cidades brasileiras, que passou a englobar um conjunto diversificado de trabalhadores. De um lado, estão aqueles que contribuem com a Previdência Social, atuando como autônomos, e, de outro, uma parcela “desprotegida”, sem benefícios sociais, desenvolvendo suas atividades em espaços urbanos variados (ALVES, 2001).

Destarte, faz-se necessário outro referencial teórico que considere a heterogeneidade desses trabalhadores, para que possamos analisar a precariedade dessas ocupações e sua relação com o processo de acumulação capitalista. No final dos anos de 1980 e início de 1990, diversos estudos começam a incorporar as novas formas de trabalho desregulamentadas como características do trabalho informal. Buscando tratar do assunto do emprego em um contexto mais amplo de precarização, passam a considerar as especificidades dessas formas de organização social da produção.

Segundo Machado da Silva (2002), os anos 1980 são marcados por transformações radicais para o mundo do trabalho, com retração econômica, reestruturação produtiva, terceirização, enxugamento do Estado, desemprego, inclusive em países centrais, que passam por um processo de “desnaturalização” dos modos instituídos de organização da produção, vislumbrando a sua própria “informalidade” (grifos do autor).

Assim, complementa que o papel mediador do conceito de informalidade estaria esgotado, sendo substituído por um par “empregabilidade/empreendedorismo14, sendo estes os novos modos de exploração capitalista, cuja característica fundamental é individualização e subjetivação dos controles que organizam a vida social, incluída a produção material.

Na década de 1990, passamos por uma redefinição da informalidade, em uma nova perspectiva analítica, considerando-a a partir da junção dos critérios da “ilegalidade” e das “atividades não tipicamente capitalistas”, visando articular a questão da inserção produtiva e os conflitos de legitimidade associados à constituição da cidadania (PAIVA et al, 1997 apud DRUCK e OLIVEIRA, 2006).

A informalidade passa a ser conceitualmente concebida como um processo resultante das transformações correlacionadas e interdependentes da esfera econômica e política. Assim, os estudos incorporam o conceito de informalidade, partindo de uma compreensão mais ampla, abarcando situações mais diversificadas.

Cacciamali (2000) entende que o processo de informalidade se configura como um processo de mudanças estruturais na sociedade e na economia, que incide na redefinição das relações de produção, das formas de inserção dos trabalhadores na produção, dos processos de trabalhos e de instituições.

Para Tedesco (1995), a informalidade seria uma etapa do processo econômico global, na qual não são estabelecidas relações permanentes de assalariamento, prezando pelo não registro dessas relações, e não figuram nas contas nacionais, sendo invisíveis aos olhos do Estado e, em alguns casos, não há uma nítida separação entre capital e trabalho.

Esta redefinição conceitual supera a compreensão da informalidade apenas enquanto um espaço alternativo ao assalariamento e passa a relacioná-la à esfera da

14 “O par se configura neste contexto como mecanismo de convencimento ideológico, com o propósito de reconstruir uma cultura de trabalho adaptada ao desemprego, ao risco e à insegurança” (MACHADO DA SILVA, 2002, p. 101).

reprodução social e aos conflitos de legitimidade, associados às próprias condições de trabalho. Possibilitando, assim, a análise das formas coexistentes de conflito de diferentes âmbitos de sociabilidade, relacionada à informalização com os processos de reprodução da força de trabalho, abrangendo também as estratégias de sobrevivência (Paiva et al, 1997).

Malaguti (2000) afirma que a informalidade não pode ser entendida através de conceitos fechados ou setoriais, se configurando como um conceito mais amplo que o de setor informal. Por essa razão propõe

novos instrumentos teóricos que permitam detectar e compreender esta nova padronização do mercado e da legislação do trabalho, em toda a sua complexidade, desvendando sua lógica, suas formas de reprodução, as redes de sociabilidade que engendra, suas ligações com a pequena marginalidade e com o crime. Além, é claro, de sua estreita colaboração com o grande capital e seu papel na crise estrutural do capitalismo mundial (idem, p. 81).

Assim, diferentes graus de informalidade são encontráveis em diferentes tipos de produção de bens e serviços. Há, com isso, a necessidade de mudanças no conceito de setor informal, de modo a levá-lo a abranger as combinações complexas das velhas e

novas formas de atividades informais (BAGNASCO, 1997).

Dedecca (1990) afirma que as formas de inserção dos trabalhadores informais nos “segmentos não organizados” aumentam nos momentos de expansão do emprego no segmento capitalista. O autor aponta que nas fases de maior expansão do capitalismo aumentam-se os espaços passíveis de ocupação pelas atividades informais e nos momentos de crise essas atividades se retraem.

Em alguns casos para se manter na ocupação, o informal usufrui dos trabalhadores formalizados de sua família, fazendo uso, por exemplo, de contracheques de outros para a obtenção de crédito e para financiar compras junto aos fornecedores (MALAGUTI, 2000).

Na mesma linha, diversos autores (TEDESCO, 1995; AZEVEDO, 1996) afirmam que o trabalhador informal pauperizado sobrevive e se mantém na profissão porque vive num grupo familiar em que os outros membros estão empregados nos segmentos assalariados, podendo garantir a renda mínima para reprodução da força de trabalho familiar. Muitas vezes os membros da família - assalariados em outro segmento, ou não - auxiliam o produtor informal nos momentos de acúmulo de trabalho.

Essa nova definição de informalidade é constituída a partir da junção de dois critérios: ilegalidade e/ou atividades e formas de produção não tipicamente capitalistas. Assim, abrange tanto as atividades e as formas de produção não tipicamente capitalistas (legais ou ilegais), quanto as relações de trabalho não registradas, mesmo que tipicamente capitalistas (assalariados e sem carteira assinada).

Nessa perspectiva, a informalidade se identifica com todas as formas e relações de trabalho não fordistas, identificadas como precárias devido à falta de proteção das leis sociais e trabalhistas reguladas pelo Estado (DRUCK, 2008).

Adotaremos, para fins de análise, o conceito de nova informalidade, que incorpora ao conceito de informalidade a dinâmica do capitalismo globalizado, com vista à inserção das transformações da produção e dos mercados de trabalho, mudanças relativas à desregulação econômica, à flexibilização das relações de trabalho e à desterritorialização da produção e internacionalização dos mercados, nas quais as relações entre a economia formal e a economia informal formam um continum com fronteiras imprecisas, tanto nos países capitalistas avançados, quanto naqueles considerados em desenvolvimento (LIMA, 2013).

Segundo Lima (2013) esta definição inclui o auto emprego em empresas informais, os empregadores, os trabalhadores por conta própria e os membros da família que trabalham sem remuneração ou remuneração casual, trabalhadores de empresas informais, diaristas, domésticos e industriais temporários, por tempo parcial, prestadores de serviços eventuais e terceirizados em empresas ou oficinas informais e formais, e aqueles trabalhadores domiciliares, além dos trabalhadores industriais oriundos dos processos de desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho.

Lima e Soares (2002, p. 167) afirmam que isso não representa nada de inovador do ponto de vista da relação de dependência entre o trabalhador/a informal e sua família, no que concerne a reprodução da força de trabalho, mas o que é alterado é a compreensão de que “a nova informalidade deixa de ser transitória para se constituir definitiva.”

A nova informalidade se caracteriza pela inserção do trabalhador/a formal na informalidade, assalariados em disfarce prestando serviços a empresas, a partir, sobretudo do fenômeno da terceirização. Assim, a nova informalidade é caracterizada por novos trabalhadores/os informais em velhas e novas atividades, articulados ou não com os processos produtivos formais, ou em atividades tradicionais de velha informalidade que são por eles redefinidas (DEDECCA e BALTAR, 1997).

A caracterização é reflexo de alterações no processo de trabalho, que incluem mudanças em concepções gerenciais e organizacionais, mediante novos tipos de trabalho, articulando atividades informais tradicionais com formas complexas de trabalho precário, resultantes do processo de mundialização e reestruturação do capital que, em prol de sua manutenção, espraia o aprofundamento da exploração capital/trabalho.

O conceito de setor informal não daria conta de explicar a nova informalidade, como fenômeno imbricado à dinâmica capitalista, pois se configura como um conceito fechado que não se sustenta na realidade social, onde o trabalho informal ou os “empregos informais” constituem o que se convencionou chamar de nova informalidade (TAVARES, 2004).

A compreensão da informalidade que até os anos 1980 apresentava a perspectiva de subemprego deu lugar, no pós 1990, a uma dinâmica engendrada pelas novas concepções de trabalho, flexíveis, internacional e desregulamentado. Tavares (2004), diz que

Tornou-se impossível negar que trabalho assalariado (informal) e desenvolvido (formal) coexistem na unidade com o capital. Porém, mais impossível ainda é negar a explosiva informalização do trabalho, que foi suscitada pela política de flexibilização da economia e que se expande mediante processos de terceirização, cujos mecanismos obscurecem a extração do sobretrabalho (TAVARES, 2004, p. 45)

Trata-se, pois, das transformações do mundo do trabalho que nos permite perceber como a flexibilização das relações de trabalho fazem com que a distinção setorializada do formal e informal perde a relevância em contexto contemporâneo, que entrecruzam as estratégias de sobrevivência e as lógicas de exploração-acumulação (TAVARES, 2004; DRUCK, 2009, ALMEIDA PEREIRA, 2018).

1.2. Trabalho formal no Brasil e a cidadania regulada: a dualidade do