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2 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA

2.4 Governança Corporativa nas Empresas do ISE

Existe uma tendência presente na literatura de que as empresas mais compromissadas com a questão da sustentabilidade e da RSC sejam também as que apresentam melhores práticas de governança corporativa, já que essas empresas têm um maior compromisso em estabelecer melhores políticas de atendimento às demandas dos diversos stakeholders.

A lógica é que as organizações bem governadas, que em um primeiro momento firmaram o compromisso de atender aos interesses dos acionistas, partissem para atender às demandas dos outros públicos, buscando solucionar os conflitos de interesse entre as diversas partes que influenciam e são influenciadas pela organização empresarial. E o atendimento dessas demandas poderia dar-se com ações de SE e RSC pelas empresas.

Foi demonstrado por Ferreira (2004) que o tema Governança Corporativa pode ser facilmente relacionado com a Responsabilidade Social, pois esta, tendo como objetivo propiciar a sustentabilidade dos negócios, leva em consideração em seu processo decisório todos os públicos de interesse com quem a empresa interage. E essa conexão fica mais evidente quando se observam os quatro princípios que dão base às boas práticas de governança corporativa: transparência, prestação de contas, equidade e responsabilidade corporativa.

De acordo com o quarto princípio, Responsabilidade Corporativa, é esperado que conselheiros e executivos possam unir esforços para zelar pela longevidade das organizações e, para isso, devem incorporar considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações da organização. A garantia dessa longevidade requer que os aspectos de curto e longo prazo precisem ser considerados no desenvolvimento da estratégia empresarial, e principalmente nos aspectos de longo prazo devem estar inseridas ações de sustentabilidade. Nesse contexto, governança, estratégia e sustentabilidade se tornam inseparáveis, considerando que não se pode mais planejar estrategicamente sem levar em conta os temas da sustentabilidade (IBGC, 2007).

Para melhor compreender a relação entre GV e RSC, é preciso contextualizar e entender a própria Governança Corporativa, bem como sua construção no mundo e no Brasil.

Na primeira metade dos anos 90, a partir de um movimento iniciado principalmente nos Estados Unidos, acionistas começaram a despertar para a necessidade de novas regras que os protegessem dos abusos da diretoria executiva das empresas, da inércia de conselhos de administração inoperantes e das omissões das auditorias externas.

A Governança Corporativa surgia para superar o "conflito de agência", decorrente da separação entre a propriedade e a gestão empresarial. Nesta situação, o proprietário (acionista) delega a um agente especializado (executivo) o poder de decisão sobre sua propriedade. Por essa lógica, o fato de os interesses do gestor muitas vezes não estarem alinhados com os do proprietário pode culminar em um conflito de agência ou conflito agente-principal (IBGC, 2012).

A empresa que opta pelas boas práticas de Governança Corporativa adota como linhas mestras a transparência, a prestação de contas, a equidade e a responsabilidade corporativa. Alinhado a esses princípios, o conselho de administração deve exercer seu papel, estabelecendo estratégias para a empresa, elegendo e destituindo o principal executivo, fiscalizando e avaliando o desempenho da gestão, e escolhendo a auditoria independente.

No Brasil, os conselheiros profissionais e independentes surgiram em resposta ao movimento pelas boas práticas de Governança Corporativa e à necessidade de as empresas modernizarem sua alta gestão, visando tornarem-se mais atraentes para o mercado. O fenômeno foi acelerado pelos processos de globalização, privatização e desregulamentação da economia, que resultaram em um ambiente corporativo mais competitivo.

A abertura e a consequente modificação na estrutura societária das empresas brasileiras também repercutiram no mercado financeiro. Houve aumento de investimentos de estrangeiros no mercado de capitais brasileiro, o que reforçou a necessidade de as empresas se adaptarem às exigências e padrões internacionais. Em resumo, as práticas de Governança Corporativa tornaram-se prioridade e fonte de pressão por parte dos investidores.

Como resultado da necessidade de adoção das boas práticas de Governança no Brasil, foi publicado em 1999 o primeiro código sobre governança corporativa elaborado pelo IBGC. O código trouxe inicialmente informações sobre o conselho de administração e sua conduta esperada. Em versões posteriores, os quatro princípios básicos da boa governança foram detalhados e aprofundados.

Em 2001 foi reformulada a Lei das Sociedades Anônimas e, em 2002, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou sua cartilha sobre o tema Governança. Esse documento era focado nos administradores, conselheiros, acionistas controladores e minoritários e auditores independentes, e visava orientar sobre as questões que afetam o relacionamento entre esses stakeholders.

Conforme a Cartilha da CVM (2002), Governança corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade aperfeiçoar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital.

A preocupação da Governança Corporativa é criar um conjunto eficiente de mecanismos, tanto de incentivos quanto de monitoramento, a fim de assegurar que o comportamento dos executivos esteja sempre alinhado com o interesse dos acionistas.

Dessa forma, a boa Governança proporciona aos proprietários (acionistas ou cotistas) a gestão estratégica de sua empresa e a monitoração da direção executiva. E as principais ferramentas que se destacam por assegurar o controle da propriedade sobre a gestão são o conselho de administração, a auditoria independente e o conselho fiscal (IBGC, 2012).

Uma contribuição importante à aplicabilidade das práticas de Governança no Brasil partiu da Bolsa de Valores de São Paulo, ao criar os segmentos especiais de listagem destinados a empresas com padrões superiores de Governança Corporativa. Além do já existente mercado tradicional, a Bolsa lança oficialmente em dezembro de 2000 os três segmentos diferenciados de Governança: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado. O objetivo foi o de estimular o interesse dos investidores e a valorização das empresas listadas.

Basicamente, o segmento de Nível 1 caracteriza-se por exigir práticas adicionais de liquidez das ações e disclosure. Enquanto o Nível 2 tem por obrigação práticas adicionais relativas aos direitos dos acionistas e ao conselho de administração. O Novo Mercado, por fim, diferencia-se do Nível 2 pela exigência para emissão exclusiva de ações com direito a voto. Estes dois últimos esperam ter como resultado: a redução das incertezas no processo de avaliação, investimento e de risco, o aumento de investidores interessados e, consequentemente, o fortalecimento do mercado acionário (BM&FBOVESPA, 2012).

Reforçando o compromisso conjunto da empresa com a adoção da GV e da RSC, Machado Filho e Zylbersztajn (2004) partem do pressuposto de que as firmas não podem existir sem assegurar a manutenção das relações com seus stakeholders, e para isso as

empresas bem governadas tendem a atuar de forma consistente no sentido de atender às demandas de seus empregados, clientes, acionistas e sociedade em geral.

Nesse contexto, a governança corporativa demonstra ser um indicador bastante representativo na formação do ISE, pois aparece como uma das principais dimensões do questionário utilizado na metodologia desse índice. É com o objetivo de investigar a participação da GV no ISE, que se efetuou um levantamento e análise das empresas que compuseram as carteiras anuais para verificar a representatividade da adoção das boas práticas de Governança Corporativa por parte dessas empresas, observando sua segmentação nos níveis diferenciados de GV na BM&FBOVESPA (vide Gráfico 1, Tabela 3 e Gráfico 2).

Gráfico 1- Separação entre número de empresas segmentadas e não segmentadas do ISE

Fonte: Elaborado pela autora segundo dados da pesquisa.

Após a o levantamento e separação das empresas que integraram a carteira do ISE em segmentos diferenciados de GV da BM&FBOVESPA, verificou-se, conforme demonstra o Gráfico 1, que em todos os anos o número de empresas segmentadas supera o de não segmentadas, mostrando que a GV é um fator relevante para a formação da carteira ISE. Além disso, existe uma tendência de aumento da participação de empresas segmentadas no ISE, e uma consequente redução das não segmentadas ao longo do período.

Tabela 3- Participação do ISE nos segmentos diferenciados de GV SEGMENTO

VIGÊNCIA ANUAL DA CARTEIRA

2006 2007 2008 2009 2010 2011

N1 11 10 10 10 12 12

N2 4 4 1 2 2 3

NM 6 8 10 10 13 16

MT 7 12 11 8 7 7

Fonte: Elaborada pela autora segundo dados da pesquisa.

Por meio da tabela 3 é possível observar uma expressiva participação das empresas do ISE nos segmentos do Nível 1 (N1) e do Novo Mercado (NM), enquanto que o Nível 2 (N2) tem pouca representatividade no ISE. Apesar disso, existe ainda um número expressivo de empresas integrantes da carteira anual do ISE que não estavam segmentadas em nenhum dos níveis diferenciados de GV, representando aquelas do mercado tradicional (MT), principalmente nos anos de 2007 e 2008.

Gráfico 2- Evolução da composição dos segmentos de GV no ISE

Fonte: Elaborado pela autora segundo dados da pesquisa.

O Gráfico 2 confirma o cenário apresentado na Tabela 3, revelando um crescimento significativo do Novo Mercado na composição do ISE, e uma expressiva redução das empresas não segmentadas nas carteiras do ISE.

O cenário apresentado indica que a Governança é um fator relevante na formação da Carteira do ISE, constituindo um aspecto que deve ser apreciado pela empresa na gestão de ações de sustentabilidade corporativa.

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