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Governança pública no campo da ciência política

3 POR UMA CONCEPÇÃO DE GOVERNANÇA PÚBLICA

3.2 Governança pública no campo da ciência política

As concepções de governança e governabilidade ganharam destaque no Brasil a partir dos anos de 1990, período a partir do qual o país incorpora os ajustes econômicos de corte neoliberal, de ajuste estrutural e de políticas sociais compensatórias e dá início à chamada reforma do Estado que compreendeu medidas cujo objetivo era o de redefinir o papel do Estado.

Foi a partir dos anos de 1990 que o Banco Mundial introduziu o conceito de boa governança como parte de seu critério de empréstimo para países em desenvolvimento. A governança referia-se às mudanças no setor público associadas com a nova administração pública, teorias de mercado e privatização. Essas reformas liberais implicaram mudanças no setor público que passou a se preocupar com a eficiência do serviço público (BEVIR e RHODES, 2001).

Bevir e Rhodes (2001) destacam que a fascinação corrente pelo tema da governança deriva em grande parte das reformas do setor público promovidas por governos neoliberais na Grã Bretanha e nos EUA durante a década de 1980. A agenda política global, a partir da narrativa neoliberal, passou a incorporar o conceito de governança enquanto eficiência crescente no setor público; eficiência supostamente assegurada por medidas tais como as de marketing, novas técnicas de gerenciamento (nova administração pública), corte de funcionários, enxugamento do Estado e desburocratização.

Para os autores, as narrativas dominantes de governança são frequentemente: a) a neoliberal e b) aquela da governança como redes. Na narrativa neoliberal, a governança, enquanto nova gestão pública consiste de um setor público revitalizado e eficiente baseado em mercados, competição e técnicas administrativas importadas do setor privado. Na narrativa da governança como redes, por outro lado, a governança é definida como redes interorganizacionais, isto é, um conjunto complexo de instituições e ligações institucionais (BEVIR e RHODES, 2001).

Governança, para Rhodes (1996) é definida como redes interorganizacionais auto- organizadas que complementam mercados e burocracias. São caracterizadas pela confiança e adequação mútua e expressam o enfraquecimento das reformas gerenciais enraizadas na

competição. Elas são um desafio à governabilidade porque, muitas vezes, podem se tornar autônomas e resistentes às orientações dos governos centrais.

Embora seja popular, o termo governança para o autor é impreciso; há, no mínimo, seis utilizações distintas de governança: Estado mínimo, governança corporativa, administração pública gerencial, ‘boa governança’, sistemas sócio- cibernéticos e redes auto- organizadas.

A governança, como Estado mínimo, pressupõe uma “remodelação da extensão e da forma de intervenção pública e a utilização de mercados e quase-mercados para provisão de serviços públicos” – ou seja, culmina na redução do governo através da privatização (RHODES, 1996, p. 653).

Já a governança corporativa põe ênfase na previsão e controle das ações executivas de gerenciamento. Tanto quanto o setor privado, as organizações públicas necessitam de livre circulação de informações, integridade, objetividade e completude, accontability, responsabilização individual e estabelecimento e definição de papéis. Rhodes (1996, p. 654) adverte que essa utilização enfatiza que “as práticas gerenciais do setor privado têm importante influência no setor público”.

Uma das faces da administração pública gerencial voltava-se, inicialmente, para o gerencialismo e se referia à introdução de métodos gerenciais do setor privado para o setor público. A outra – nova economia institucional – se referia à introdução de estrutura de incentivos (competitividade) na provisão dos serviços públicos.

O conceito de governança como ‘boa governança’ foi desenvolvido pelo Banco Mundial e envolve serviço público eficiente, um sistema jurídico independente, administração accountable dos fundos públicos e estrutura institucional pluralista. Serviço público eficiente pressupõe, assim, competição, privatização de empreendimentos públicos, descentralização da administração e uma melhor utilização de organizações não governamentais. Nesse sentido, o autor conclui que “a boa governança concilia-se com a administração pública gerencial para defender a democracia liberal” (p. 656).

A governança como um sistema sociocibernético enfatiza os limites de governar a partir de um ator central, pois não há uma única autoridade soberana, mas atores múltiplos interdependentes que compartilham objetivos e se misturam entre os diferentes setores. Assim, “governança é o resultado da interação de formas sociopolíticas de governar” (p. 658).

Governança como redes autogovernadas, por sua vez, é vista como um termo mais amplo em que governo provê serviços a partir de intercâmbio com os setores privado e voluntário. Nesse caso, os vínculos interorganizacionais – redes formadas por vários atores

interdependentes – são características marcantes da provisão de serviços. Essa utilização de governança sugere que as redes são auto-organizadas, autônomas e autogovernadas. Um desafio chave para o governo, de acordo com Rhodes (1996), é desenvolver as redes e buscar novas formas de cooperação,

Assim, governança se refere, para Rhodes (1996), a uma mudança do significado de governo referindo-se, pois, a um novo modo de governar ou um novo método pelo qual a sociedade é governada.

Cabe ressaltar, por ora, que a categoria governança pública utilizada nesse trabalho difere da categoria governança utilizada na chamada reforma do Estado dos anos de 1990. Na reforma do Estado, governança é compreendida como a capacidade financeira e administrativa de implementar as decisões políticas tomadas pelo governo. Mas retomaremos essa questão brevemente.

Foi a partir de 1980 que a crise do setor público foi reconhecida como problema premente; a crise se justificava pelas dificuldades fiscais enfrentadas por quase todos os governos dos países centrais e periféricos, que se traduziram em déficits e dívidas em ritmo crescente de expansão e criaram situações de ameaça de colapso das finanças públicas. O argumento da perda de arrecadação do Estado, e conseqüente crise fiscal, junto com os argumentos da crise de governança e excesso de burocracia e paternalismo do Estado, criou condições para o “predomínio do diagnóstico neoliberal”, onde o Estado, por seu tamanho e excesso de gastos, passou a ser visto como entrave para o crescimento. Buscou-se, assim, a redução do Estado, o desenvolvimento de propostas de privatização e a instauração de uma economia regulada unicamente pelo mercado (RONCONI, 2003).

Cabe ressaltar que esse “diagnóstico neoliberal” e as reformas pretendidas a partir do mesmo, tiveram inspiração nos pressupostos estabelecidos pelo Consenso de Washington que recomendavam uma ampla reforma do Estado segundo diretrizes neoliberais, a formação de mercados abertos e o estabelecimento de tratados de livre comércio, a redução do setor

público e a diminuição do intervencionismo estatal na economia e na regulação do mercado30.

Esse neoliberalismo econômico buscou expressar um conjunto de valores e idéias defendidos

30 O Consenso de Washington atacou o modelo do Estado de Bem-Estar Social nos países em que ele

foi construído e, nos países do Sul, atuou reduzindo os serviços e acumulando demandas e carências sociais. A partir do final dos anos 60 e início dos anos 70, o Estado de Bem-Estar Social passa a ser criticado por sua incompetência no enfrentamento do crescente déficit público, por sua intervenção indevida na economia, por corrupção, ineficácia e por sustentar programas sociais que promovem a acomodação dos indivíduos (BAVA, 2000).

e reivindicados por representantes como Friedrich Hayek e Milton Friedman 31. O neoliberalismo expressou-se inicialmente nos governos Ronald Reagan e George Bush, nos Estados Unidos da América, e Margaret Thatcher, na Inglaterra e em seguida, generalizou-se como resposta-padrão à chamada crise do intervencionismo do Estado.

Foi o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), através do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) e de seu ministro Bresser Pereira, que deu o

formato definitivo à chamada reforma do Estado 32. O argumento do governo para proceder à

reforma consistiu em afirmar que o Estado entrara em crise a partir de 1970, tornando-se esta a principal causa da redução das taxas de crescimento econômico, da elevação das taxas de desemprego e do aumento da inflação.

A crise dos anos de 1970 e 1980, de acordo Pereira (1999), se manifestou no Primeiro Mundo através da redução das taxas de crescimento e do aumento das taxas de desemprego. Na América Latina, a crise se manifestou mais duramente nos anos 1980 (por não ter realizado o ajuste fiscal nos anos 70), e sua causa foi a crise do Estado. A crise do Estado gerou, para o autor, duas respostas diferentes: a primeira (considerada uma onda neoconservadora), tomou forma nos anos 1980 e propunha um Estado mínimo; a segunda, surgida nos anos 1990, propunha a reconstrução do Estado com o objetivo de promover o ajuste fiscal, redimensionando a atividade produtiva do Estado e a abertura comercial (PEREIRA, 1999).

Se a causa da crise econômica dos anos 1980 foi o Estado, argumenta Pereira (1998), o mais acertado é reconstruí-lo, ao invés de destruí-lo. Assim, nos anos 90, abandona-se a idéia de um Estado mínimo (considerada uma proposta conservadora) e os esforços se concentram na reforma do Estado. Para Pereira, a reforma do Estado era necessária, nos anos 1990, em função da crise do sistema econômico que resulta na crise do Estado.

Em seu trabalho intitulado “A reforma do Estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle”, de 1998, Bresser Pereira destaca que a reforma do Estado envolve quatro problemas:

31 Esses pensadores, imbuídos do propósito de combater o keynesianismo, tanto na versão norte-

americana (New Deal) quanto na versão européia (Welfare State), defendem uma concepção de sociedade em que prevalece como critério ético a “máxima liberdade”.

32 No Brasil, as políticas neoliberais começaram no início dos anos 90 com o Presidente Collor de

Melo, que deu início às reformas de Estado. O chamado Plano Collor implementou uma política econômica e uma política externa que seguiam de perto as recomendações e diretrizes do Consenso de Washington; incluiu iniciativas em áreas diversas, como política de rendas, finanças públicas, reforma do Estado, política cambial e comércio exterior.

1. A delimitação do tamanho do Estado (problema econômico e político) que envolve a idéia de privatização, publicização e terceirização.

2. A redefinição do papel regulador do Estado (problema econômico e político),

que envolve maior ou menor intervenção do Estado no funcionamento do mercado.

3. Aumento da governabilidade ou da capacidade política do governo de

intermediar interesses, garantir a legitimidade e governar (problema político), que envolve a legitimidade do governo perante a sociedade.

4. A recuperação da governança ou capacidade financeira e administrativa de

implementar as decisões políticas tomadas pelo governo (problema econômico e administrativo), que envolve:

• Superação da crise fiscal (aspecto financeiro);

• Redefinição das formas de intervenção no plano econômico-social (aspecto estratégico);

• Superação da forma burocrática de administrar o Estado (aspecto administrativo). A governança em um Estado só pode surgir, segundo Pereira (1988), quando seu governo tem condições financeiras de transformar em realidade as decisões que toma. Sem governabilidade é impossível a governança; a crise política é assim sinônimo de crise de governabilidade.

Pereira afirma que, enfrentando esses quatro problemas, o Estado do século XXI caminhará para um Estado Social Liberal. Social porque continuará a proteger os direitos sociais e a promover o desenvolvimento econômico, e liberal porque o fará usando mais os controles de mercado e menos os controles administrativos (PEREIRA, 1998).

Fica claro, portanto, que a utilização da categoria governança explicitada acima, que envolve um problema econômico e administrativo, em nada se aproxima da categoria governança pública que está assentada no tripé participação, deliberação e democracia. A reforma do Estado, proposta pelo governo de Fernando Henrique Cardoso através do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), esteve assentada em uma democracia deficitária no que tange à garantia de igualdade de condições para o exercício de uma cidadania plena, uma inércia na prestação de serviços básicos e a ausência de canais para a expressão de direitos elementares.

Cabe destacar, ainda, as categorias governabilidade e governance utilizadas por Diniz (1997). O termo governabilidade se refere, para a autora, às condições sob as quais se dá o exercício do poder em uma dada sociedade, tais como características do regime político

(democrático ou autoritário); forma de governo (parlamentarista ou presidencialista); relação entre os poderes; sistemas partidários e sistema de intermediação de interesses.

O termo governance, por sua vez, se refere “ao conjunto de mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade” (DINIZ, 1997, p. 196). A autora lembra que, desde 1990, o Banco Mundial tem ressaltado a importância do conceito de governance para expandir a eficácia da ação estatal.

A crise de governabilidade e a crise do Estado são, para a autora, indissociáveis e devem ser focalizadas em suas múltiplas dimensões; as estratégias de enfrentamento da crise não podem perder de vista a meta da consolidação da democracia. Para Diniz (1997), deve-se compatibilizar eficiência do Estado e aprimoramento da democracia, reduzindo o divórcio executivo-legislativo e Estado-sociedade.

Assim, aumentar os graus de governabilidade de uma ordem democrática exige não apenas um melhor desempenho da máquina burocrática, com elevação de seu nível técnico, mas também uma maior responsabilidade do Estado frente às demandas dos diferentes

segmentos da população (DINIZ, 1997) 33.

A preocupação com a consolidação da democracia através de organizações efetivas e permeáveis à participação popular introduz, no final dos anos de 1990, o debate sobre a categoria gestão social; concepção que busca abranger a dimensão sociopolítica da gestão pública, ultrapassando sua dimensão de instrumentalidade. Para Paula (2005, p. 159), “trata-se de estabelecer uma gestão pública que não centraliza o processo decisório no aparelho de Estado e contempla a complexidade das relações políticas, pois procura se alimentar de diferentes canais de participação, e modelar novos desenhos institucionais para conectar as esferas municipal estadual e federal”.

Assim, a categoria gestão social 34 aparece no debate em contraposição à gestão estratégica, pois “tenta substituir a gestão tecnoburocrática, monológica, por um gerenciamento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos sociais” (TENÓRIO, 1998, p. 09). Para Carvalho (1999), a gestão social se refere à gestão das demandas e necessidades dos cidadãos através de um processo descentralizado e participativo. Como veremos a seguir, a categoria governança pública extrapola essa concepção de gestão social enquanto gestão de demandas e necessidades dos

33 Salientamos que a categoria governança pública utilizada em nosso trabalho não se refere, como

veremos adiante, à categoria governance utilizada por Diniz (1997).

cidadãos por permitir a criação de maiores possibilidades de deliberação e participação no processo decisório.

Cabe salientar que a discussão sobre o tema da gestão social inclui ainda o debate sobre os tipos de gestores que se fazem necessários hoje. Não é o objetivo deste trabalho levantar as questões em torno desse tema, mas somente destacar que o gestor público, na governança pública, precisa articular competência técnica e política. Deve, como salienta Nogueira (1998), ser um profissional da articulação, com habilidades para negociar com os múltiplos atores socioinstitucionais e com a dinamização do processo decisório.

O tema governança é tratado por Boschi (1999) em seus estudos sobre experiências locais de governos que propiciam a participação popular na produção de políticas públicas ou ainda que neutralizam a vigência de práticas predatórias na relação entre agentes públicos e cidadãos 35. Governança compreendida como “formatos de gestão pública que, fundados na interação público/privado, tenderiam a assegurar transparência na formulação e eficácia na implementação de políticas” (p. 02).

Para o autor, trata-se de responder à seguinte questão: Que fatores explicariam os diferentes graus de sucesso na instauração de formatos institucionais capazes de assegurar não só o acesso da população à produção de políticas, como também respostas concretas, por parte do governo, em termos de atuação eficaz e responsável? O sucesso parece residir no estabelecimento de relações sociais horizontais que tenderiam a fortalecer a sociedade civil frente ao Estado. Contrapondo-se às relações verticais, assimétricas e hierárquicas que geram práticas autoritárias e relações sociais predatórias e clientelistas, o estabelecimento de relações sociais horizontais pode assegurar a continuidade e a institucionalização das experiências de governança.

Tal horizontalização poderia garantir a continuidade e institucionalização das experiências de governança e seria viabilizada a partir de formatos de representação política cuja eficácia dependeria da qualidade (legitimidade e abrangência da representação) e densidade (grau de organização dos interesses representados) da representação, (BOSCHI, 1999). Para o autor “a possibilidade de se institucionalizarem práticas de governança está diretamente relacionada à maneira pela qual diferentes arranjos podem contrapor-se ou neutralizar a tendência oposta de captura clientelista”. Por outro lado, “esse efeito neutralizador tem a ver com a geração de capital social ou, mais especificamente, com a

35 Boschi (1999) resgata experiências de gestão pública participativa a partir de um estudo

comparativo entre as administrações municipais de Belo Horizonte e Salvador, no período de 1993 a 1996. Esse estudo se realiza a partir da análise do Planos Diretor, do Orçamento Participativo e dos Conselhos Deliberativo-Consultivos dos respectivos Municípios.

instauração de práticas e estruturas horizontais que reduzem o impacto de relações assimétricas extremamente desiguais” (p. 03).

O fator mais importante para o sucesso, continuidade e institucionalização de uma determinada experiência de governança é a instauração de estruturas de mediação ou representação responsáveis por horizontalizar as relações entre os atores envolvidos. Assim, quanto maior a qualidade e a densidade da representação, maiores serão as chances de sucesso da experiência. Por outro lado, o fracasso dessas experiências ou as dificuldades enfrentadas surgem em decorrência das deficiências nessas estruturas de representação, a seu enfraquecimento em determinado momento, ou à sua permeabilidade em relação a interesses

específicos que distorcem a natureza da representação (BOSCHI, 1999).

O fenômeno da representação no interior das experiências de participação 36 é foco

de análise de Lüchmann (2007) que considera que a diversidade de regras e critérios de representação no interior dos espaços participativos “instaura uma confusa compreensão acerca dos critérios de legitimidade política desses espaços” (p. 151). Assim, para a compreensão das diferentes dinâmicas de representação e participação é necessária a observação dos diferentes desenhos institucionais e dos diferentes tipos de políticas públicas. A autora destaca que “a qualidade e a legitimidade da representação vão depender do grau de articulação e organização da sociedade civil, ou seja, da participação” (p. 166). Nesse sentido, os espaços públicos de debate – fóruns de discussão de políticas públicas e de definição e escolha de representantes ou as assembléias regionais e temáticas – possibilitam a conexão entre representantes e representados, e criam novas dinâmicas de representação política

(LÜCHMANN, 2007).

Kaus Frey (2004) desenvolve a concepção de governança interativa como uma tendência de gestão compartilhada que, orientada pela lógica governamental, implica compartilhamento no sentido de “transformar os atores da sociedade em aliados na busca de melhores resultados, tanto referentes ao desempenho administrativo quanto em relação ao aumento da legitimidade democrática” (p. 121). Retomando Kooiman (2002), Frey (2004, p. 120) argumenta que a governança pressupõe a criação de ”condições favoráveis para que as interações entre os diversos atores sociais, imprescindíveis para lidar com a diversidade e a complexidade das sociedades contemporâneas, possam acontecer, e pontes de entendimento possam ser construídas”. Sob esse aspecto, a questão da importância do incremento do grau

36 Sobre a questão da representação no interior das experiências participativas dos Conselhos Gestores

de interação de diferentes atores sociais, de acordo com o autor, tem sido ponto comum nas diferentes concepções de governança.

Um aspecto a ser destacado, com relação à concepção de Frey (2004) sobre governança interativa, se refere ao significado do que seja um processo interativo. Por um lado, a idéia de interação sugere comunicação, diálogo, trabalho compartilhado e, principalmente, trocas e influências recíprocas. Por outro lado, a idéia de interatividade pode sugerir reciprocidade, troca ou permuta em um processo alheio a conflitos e disputas políticas. Atores da sociedade civil quando vistos apenas como aliados para a busca de eficiência de desempenho administrativo e para o aumento da legitimidade democrática, podem ter seu papel de influência, na lógica da decisão estatal, diluído.

Bevir e Rhodes (2001) consideram que a categoria governança deve ser compreendida como resultado de disputa de significados entre diferentes atores inspirados por diferentes tradições e dilemas. Nesse sentido, podemos pensar que governança pública, enquanto projeto político em constante mudança, levanta uma disputa “na qual os dilemas são freqüentemente diferentes, uma disputa na qual as tradições normalmente têm sido modificadas como um resultado de acomodar os dilemas anteriores, e uma disputa na qual as leis e normas relevantes algumas vezes foram mudadas como um resultado de disputas políticas simultâneas sobre suas apropriações e conteúdos” (BEVIR e RHODES, 2001, p. 22).

A compreensão da governança pública como projeto político democrático considera, assim, que enquanto projeto político mantém relação com a tradição política, com o campo da cultura e com culturas políticas específicas. Para Dagnino, Olvera e Panfichi (2006, p. 38), a noção de projeto político designa “os conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos”. Dessa forma, podemos dizer que a noção de governança pública, enquanto projeto político, carrega a “afirmação da política como um terreno que é também estruturado por escolhas, expressas nas ações de sujeitos, orientados por um conjunto de