• Nenhum resultado encontrado

2.4 OLHARES E LEITURAS DA HISTÓRIA DE ITAPURANGA

3.1.4 E o governo toma uma decisão

Com a decisão de conceder a posse dos 167 alqueires ao fazendeiro Fiote Caiado, o Judiciário de Itapuranga requisitou uma força-tarefa da Polícia Militar da Cidade

de Goiás para se juntar aos de Itapuranga, com o objetivo de cumprir a determinação judicial. Foram quatros dias de muita tensão entre as famílias, uma vez que a tática agora deveria ser resistir e impedir a retirada de qualquer família da área.

Diante desse quadro de tensão e com essa possibilidade de enfrentamentos iminentes entre posseiros e policiais, é que o governo do Estado, ciente do que estava se passando na fazenda, procura intermediar o conflito. Todavia, passou a atuar com um papel dúbio diante do que estava ocorrendo.

O então governador do Estado de Goiás, Ary Valadão, ao conhecer fatos mais recentes do processo de mobilização, decidiu tomar uma decisão que evitasse o confronto. Essa decisão buscaria evitar alguns prejuízos políticos, visto que a eleição para governador se aproximava.

O governo do Estado preparou uma estratégia para evitar desgaste político, propondo a compra das terras de Fiote Caiado para serem repassadas aos posseiros. Assim, no dia 3 de outubro de 1980, o governo do Estado compra os 167 alqueires da Fazenda Córrego da Onça, tendo sido publicada no Diário da Manhã a seguinte decisão, anunciada pelo Procurador Geral do Estado, Decil de Sá Abreu: “aquelas terras não mais serão desapropriadas, e sim compradas pelo Estado ao preço de Cr$ 150 mil por alqueire” (out. 1980).

Todo esse processo de compra e venda foi rapidamente elaborado antes do cumprimento da reintegração de posse, que havia sido marcada para o dia 4 de outubro, como foi dito anteriormente. A decisão de compra das terras da Fazenda Córrego da Onça foi selada através de um acordo feito somente com a presença de Fiote Caiado e o governador Ary Valadão, numa transação em que foi pago um valor acima de mercado.

As imagens a seguir registram cenas em que os interlocutores do estado de Goiás, chegam à fazenda para comunicar o que havia sido acordado.

Figura 7: Interlocutores do governo de Goiás junto aos posseiros. Fonte: Diário da Manhã, out., 1980.

Brasílio Caiado, Secretário do Interior e Justiça de Goiás, ao intermediar, junto às as famílias de posseiros, a decisão do governo estadual, conforme noticiou o

Diário da Manhã (out. 1980), expressou sua opinião sobre essa decisão final da seguinte forma:

o governador, como homem que veio da lavoura, se sensibilizou com o problema de vocês. Não queremos nenhuma arbitrariedade, e, se não tivéssemos aqui, a polícia, que apenas cumpre as leis, teria aparecido hoje na casa de todos vocês, obrigando-os a se retirar. O governo, tenho certeza, vai perder no final, vendendo as terras por preços irrisórios, mas o que importa é que vocês, que trabalham nela, continuem cultivando-a.

O discurso de Brasílio Caiado proferido aos homens e mulheres da Fazenda Córrego da Onça deixa clara a estratégia do governador e do fazendeiro, visto que ambos saíram ganhando com este desfecho. O primeiro ganha politicamente, visto que, a imagem

que ficaria é a do governador que pôs fim ao sofrimento daquelas famílias; o segundo ganha efetivamente porque consegue vender aquelas terras de forma superfaturada.

Após essa reunião, que durou cerca de duas horas, com o repasse da decisão do governo estadual, os posseiros reuniram-se no Fórum de Itapuranga para que fossem estabelecidos os termos do acordo e fossem ouvidos separadamente, caso a caso pelo Juiz da Comarca de Itapuranga.

Figura 8: Fiote Caiado entrando no Fórum de Itapuranga. Fonte: Diário da Manhã, 1980, p. 11.

A estratégia do governador de Goiás, ao tomar para si a responsabilidade pelo desenrolar dos embates, buscava empanar o sentimento de vitória das 32 famílias, impedindo que isso fosse capitalizado como vitória apenas do movimento. Como registrou o Jornal Opção (out. 1980), os dois representantes do governo estadual, agiram de modo que elas nem mesmo se expressassem durante as suas conversas:

[...] sem deixar que os posseiros falem muito, as duas autoridades comunicam-lhes que o governador decidira encaminhar à Assembléia Legislativa um pedido de compra da área a Fiote Caiado, para posterior revenda aos posseiros.

Como contraponto à visão construída pelo governo estadual, e com desejo de reafirmar que a conquista da terra foi uma ação que partiu das famílias, o poeta Romário interpreta em versos a vitória dos posseiros em relação ao fazendeiro, em poema publicado em O Libertador (out. 1980):

Meus amigos e companheiros o que eu digo aqui agora foi a força da união que conseguiram a vitória vai citar o exemplo por este Brasil afora isto não foi um presente foi a luta minha gente que vai ficar na história.

A afirmação incluída no poema “vai citar o exemplo por este Brasil afora” foi a mensagem que mais repercutiu em meio aos posseiros e trabalhadores rurais em Itapuranga, e também em outras regiões. A conquista dos posseiros do Córrego da Onça se tornou exemplo a ser seguido por outros homens e mulheres que estavam sendo injustiçados e expropriados de suas terras.

Várias narrativas produzidas por algumas mulheres posseiras reafirmaram categoricamente que a terra deveria ficar com eles, mesmo porque era ali que nasceram e foram criados. Nesse sentido D. Preta, em entrevista, afirma:

nós pensávamos que a terra era nossa, pois nós tínhamos sido nascidos e criados aqui, e eu não lembro que Fiote tivesse terra aqui não. Agora, quando a gente é mais nova, a gente pensa pouco, ficava naquela: o que é que esse homem já vem fazer, tirar nós daqui, ele num tem terra. Aqui nós falávamos assim. Ah! Nós sofremos demais, precisa de ver.

As experiências anteriores vividas por estes homens e mulheres foram fundamentais para a vitória da permanência na posse da terra na Fazenda Córrego da Onça. Essas 32 famílias tiveram que se opor ao Poder Judiciário, ao executivo e ao poder econômico, além de enfrentar algumas propostas então levantadas pelo sindicato, sobre a legalidade do direito de Fiote Caiado em relação àquelas terras.

Orlando Tomazini, médico e um dos interlocutores dos posseiros da Fazenda Córrego da Onça, analisou em versos a história e a tomada de decisão dos posseiros da referida fazenda, fazendo uma excelente interpretação do fato ocorrido:

Tem injustiça acontecendo aqui Com os posseiros da banda da serra, E não adianta esconder que eu vi, Foram expulsos de suas terras. Sem o trabalho, para onde vão?

Aumentar as filas de quem perde o chão. Estamos aqui para denunciar

Esta estrutura de dominação Que até impede de trabalhar

Quem sempre na vida só lavrou o chão. Foi a própria lei que praticou o ato, Não foi o capricho do destino não. Por isso agora contamos o fato Para impedir esta situação.

Vinte e sete anos a posse mais nova, Dezessete só de usucapião,

As benfeitorias são a grande prova, Quem tem o direito não é o patrão. Mas a lei tampou os olhos dos posseiros Pra poder ditar uma sentença errada, Só porque ainda mais vale o dinheiro, Que o pobre cabloco grudado na enxada. Quarenta família sem as suas terras, Mais um fazendeiro com terras demais. Este fato só uma verdade encerra: Será que estas terras vão virar capim, No lugar do milho, arroz e o feijão? A justiça injusta decretou que sim. Só o povo unido pode dizer NÃO!