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Julgo importante ainda, para clarear os caminhos adotados neste trabalho, mostrar por que estou usando a categoria trabalhadores rurais, para me referir a estes sujeitos sociais em Itapuranga, no período de 1956-1990. Como já salientei, muitas das inquietações acerca do objeto em questão foram fruto de um longo processo de debate acerca destes atores sociais, e da análise de várias experiências e mobilizações que desenvolveram estes homens e mulheres nos seus embates no campo.

Como pude constatar nas inúmeras fontes, jornais, panfletos, registros iconográficos e trabalhos acadêmicos, a história destes atores sociais marca a história da região de Itapuranga. Ela é fruto de um processo de intensa organização e reivindicação pelos direitos que lhes eram negados, não sendo raro, ainda hoje, encontrar muitos destes atores sociais dando continuidade a essas experiências, tanto nesta região, quanto em outras municipalidades do Estado de Goiás. Como atores sociais experimentados, envolvem-se nos embates pela terra, como membros de acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), como interlocutores junto à Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Goiás (FETAEG), aos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STR), à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e também como participantes do Movimento de Luta dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MLST), dentre outros.

Com as fontes levantadas e sua posterior problematização, algumas questões foram surgindo: como se processou o envolvimento desses trabalhadores rurais nas várias experiências e projetos da Igreja da Libertação e também do STRI? Quais foram as outras experiências de organização dos trabalhadores rurais produzidas fora dos

projetos da Igreja Católica e do STRI? Como relacionar as experiências da Sociedade da Vaca, Associação do Adubo, Escola Popular do Laranjal I e Associação das Comunidades de Baixa Renda nesta trajetória em Itapuranga? Por último, por que tais atividades não foram lembradas por alguns membros da militância sindical e líderes religiosos e, em alguns casos, nem mesmo, pelos próprios trabalhadores rurais por mim entrevistados?

Como já afirmei, esta pesquisa não quer negar a participação e o papel de membros da Igreja Católica e do STRI nos movimentos pela terra observados em Itapuranga. Pelo que foi dito e escrito até o presente momento, penso ter deixado claro que não nego essa capacidade de ação, nem tampouco estabeleço uma dicotomização maniqueísta, ao pensar no papel de tais entidades. Todavia, reporto necessário, quando estou tentando reconstituir essa trajetória histórica, falar da Associação dos Lavradores do Xixá, criada em 1956, de ações de questionamento da ordem estabelecida realizadas por Dorvalino José, contra alguns patrões, no final da década de 1960, fatos anteriores à fundação do STRI, que só ocorreu em 1972.

Quando essas indagações e perguntas foram sendo estabelecidas no decorrer da pesquisa, fui percebendo que deveria incluir vários projetos de ação na configuração desta história. A importância dessa atuação cotidiana para o enfrentamento das injustiças foi sendo evidenciadas no decorrer do trabalho. É o que confirma Ivo Poletto, em entrevista, realizada em 1994, quando menciona que na Igreja da Libertação

as decisões dos participantes não se limitavam à dimensão religiosa da vida. Era tão importante encontrar formas mais participativas de rezar e celebrar quanto encontrar formas de reagir às injustiças, de organizar-se como categoria, de criar iniciativas concretas para melhora de vida. Aliás, as celebrações adquiriram mais vibração e significado na medida em que vivenciavam a presença libertadora de Deus nos acontecimentos de libertação que marcavam a vida concreta.

Todavia, para estes grupos de mediação era essencial mostrar o papel e relevância de sua atuação para o fortalecimento dos projetos dos trabalhadores rurais. Talvez por essa razão, nas lembranças de alguns destes atores sociais, estão ainda muito presentes histórias que enfatizam a participação dessas instituições, ocultando outras organizações que também se fizeram presentes nesse processo de “reagir às injustiças”.

Muitas destas organizações que não faziam parte do processo e das estratégias lideradas pela igreja e sindicato foram sendo tratadas como dissidências dentro do movimento, o que fez com que muitas delas procurassem formas de apropriar-se destas experiências mais visíveis, criando mecanismos próprios para incorporá-las em seus projetos.

Enfim, a tese que aqui pretendo sustentar é de que a organização e a busca pelos direitos dos trabalhadores rurais em Itapuranga não surgem nem se consolidam somente nos espaços da Igreja e do sindicato, mas é fruto de um processo histórico que tem seu ancoradouro na década de 1950. Outros projetos organizativos foram sendo produzidos paralelamente, tecidos com os sonhos, desejos adquiridos nas assembléias da Igreja e do sindicato, mas reatualizados e reinventados no interior de grupos de menor amplitude, em especial no âmbito da troca com os vizinhos.

Uma leitura mais ampla deste processo histórico e das experiências que foram sendo ocultadas – tanto pela direção sindical quanto por alguns líderes religiosos – e também sendo silenciadas nas rememorações de alguns destes sujeitos sociais é essencial para se conhecer outros projetos dessa organização, que foram elementos importantes da trajetória dos trabalhadores rurais em Itapuranga.

Portanto, a Feira do Produtor, a Cooperativa de Agricultura Familiar de Itapuranga, a Associação Popular de Saúde e as 15 Associações de Pequenos Agricultores existentes no município de Itapuranga são frutos deste passado que tento reconstituir.

Essas são algumas das questões que foram sendo formuladas e consideradas essenciais para que eu pudesse prosseguir neste caminho de debater os temas delimitados por meio das histórias que foram lembradas, silenciadas e ocultadas sem nenhuma pretensão de comprová-las, já que isso seria mesmo impossível. Daí, é possível que eu possa “decepcionar aqueles praticantes que supõem que tudo o que é necessário saber sobre a história pode ser construído a partir de um aparelho mecânico conceptual” (Thompson, 1998, p. 185).