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Gráfico 2: Modelo de rotatividade nos cargos camarários a partir dos procuradores (1720-1759)

Fonte: Elaborado pelo autor Kleyson Barbosa a partir do catálogo dos termos de vereação da cidade do Natal (1720- 1759)

ambos ingressaram nos postos principais camarários por meio do sistema de barrete. Segundo Arthur Curvelo, este formato de eleição por barrete significava a possibilidade de integrar pessoas na governança que não eram escolhidas/indicadas pelo formato tradicional de eleição por pelouros, passando depois a serem escolhidas, o que pode ser percebido no caso da Câmara do Natal também.181 Já o coronel João de Lima Ferraz, sendo procurador em 1727, vereador de barrete em 1732, vereador em 1738, conseguiu chegar de forma interina ao cargo de juiz ordinário em 1738, por motivo de doença dos que haviam sido eleitos para esse ano. Embora não tenha ingressado por barrete, o sistema de barrete permitiu que este acessasse postos mais elevados na estrutura administrativa camarária, firmando-se nela, ao ser eleito por pelouro para vereador, e pelos seus serviços e contatos tecidos, Ferraz foi escolhido de forma interina para o cargo de juiz ordinário.

O capitão Manuel Cabral Marins foi almoxarife da Fazenda Real do Rio Grande em 1738, almotacé entre 1734 e 1741, ocupando o cargo de procurador em 1743, e passando diretamente a juiz ordinário, no ano de 1749. Escolhido novamente para atuar como juiz ordinário em 1752, foi impedido por estar morando na capitania da Paraíba. Já João Rebouças Malheiros demonstra o sentido ―procurador-procurador‖, tendo ocupado este cargo em 1710, mas sendo impedido de assumir o mesmo em 1723 por ser parente do vereador eleito para o mesmo ano, o sargento-mor Antônio Rodrigues Santiago. E o sargento-mor Prudente de Sá Bezerra ocupou os postos de procurador (1758), e, posteriormente, vereador (1766), procurador de barrete do barrete (1770), voltando a ser vereador (1780). Assim, em um momento de necessidade, e por sua experiência na função, foi chamado a assumir enquanto procurador, em vista de duas pessoas não terem podido assumir essa função, que foi o procurador que saiu no pelouro, assim como o próprio procurador eleito por barrete que não pôde assumir também, sendo, portanto, um procurador de barrete do barrete.

Desta forma, todos os 33 casos registrados no gráfico anterior demonstram haver uma ascensão camarária no sentido crescente de procurador a juiz ordinário. Quanto ao cargo de procurador em si, os citados Domingos da Cunha Linhares, Manuel Cabral Marins e João Rebouças Malheiros, assim como outros, demonstraram um aspecto em comum desta função, nem sempre a mais vantajosa em ser realizada. Após passar pelo cargo de procurador em 1737, em maio de 1738, os camarários em gestão passaram um mandado de cobrança contra Domingos da Cunha Linhares, devido ao fato de haver dívidas resultantes de sua gestão em 1737, decorrentes da não cobrança das multas que deveriam ser realizadas, e assim, compor o

quadro de receitas da instituição camarária. O mesmo ocorreu com Manuel Cabral Marins em 1744, devendo ao Senado182. Já João Rebouças Malheiros teve seus bens executados em 1711, e precisou reaver a quantia de 225$230 réis, por não ter prestado contas, sendo inclusive preso por causa disto183.

Percebe-se que não é um caso raro quando se trata de procurador, sendo constante nos termos de vereação a prestação de contas do procurador anterior ao novo procurador em gestão, emitindo-se inclusive mandados de prisão ou sequestro de bens, caso houvesse alguma situação irregular. A conjuntura de uma Câmara de menor dimensão poderia explicar o maior controle sobre este aspecto por um grupo que detivesse relações mais fortes e cargos mais proeminentes; além de que o cargo de procurador, sendo um dos menos favoráveis, e também o que provavelmente estaria menos envolvido em redes clientelares e familiares mais complexas, tornaria o indivíduo deste cargo mais vulnerável. Possivelmente, grupos com cargos mais privilegiados, como vereador e juiz ordinário, fortalecidos pelo estabelecimento de redes184, poderiam sair favorecidos e ilesos, quando o assunto dissesse respeito às irregularidades cometidas.

Dessa forma, o tenente-coronel José Pinheiro Teixeira da Cunha185, procurador de 1738, teve que prestar também contas no ano de 1739 de sua atuação. Ao final do ano de 1739, foi decidido que os bens do procurador seriam penhorados em arrematação, para que a dívida que este possuía de 317$110 réis fosse sanada. Em 1740, Antônio da Silva de Carvalho, procurador de 1739, foi notificado a passar 325$820 réis ao procurador de 1740, Luiz Teixeira da Silva, assim como José Pinheiro Teixeira da Cunha deveria repassar o valor indicado. Ambos ex-procuradores alegaram que não haviam obtido resultados consistentes na cobrança das condenações que os procuradores eram incumbidos de realizar aos que transgrediam posturas municipais186. Em 03 de agosto de 1740, consta que foram colocados em cofre da Câmara um cordão e umas argolas de ouro com peso de 72 oitavas de ouro

182 Catálogo dos Livros de Termos de Vereação da Cidade do Natal (1674-1823). Documentos 1229. Fl. 019v; 1372, fls. 45.

183 Catálogo dos Livros de Termos de Vereação da Cidade do Natal (1674-1823). Documentos 1229. Fl. 019v; 1372, fls. 45; 0569, fls. 038-039, 0588, fls. 050v, 0593, fls. 053.

184 De acordo com Maria de Fátima Silva Gouvêa, ―uma rede é compreendida como um conjunto de conexões recorrentes, capazes de alterar ou definir estratégias, bem como o curso dos acontecimentos num dado lugar e época‖. A rede governativa é ―entendida como uma articulação estratégica de indivíduos no âmbito da administração. Essa articulação era o resultado, em grande parte, da combinação das trajetórias administrativas dos indivíduos conectados por meio da rede e das jurisdições estabelecidas pelos regimentos dos cargos que eles iam progressivamente ocupando‖. GOUVÊA, Maria de Fátima. ―Redes governativas portuguesas e centralidades régias no mundo português, c. 1680-1730‖. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs.). Na trama das redes: política e negócios no império português, séculos XVI – XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006 p. 179.

185 Ele havia sido contratador das carnes no ano de 1724 e vereador em 1736. 186 Os almotacés também possuíam tal prerrogativa.

lavrado, correspondendo uma lavra a 1$500 réis, e, portanto, a 108$000 réis pagos pelo procurador de 1738, Teixeira da Cunha. Este ainda foi notificado a dispor o mais rápido possível do restante de sua dívida com o Senado. Em outubro de 1740, atendendo a provimentos do ouvidor da comarca, Inácio de Sousa Jácome Coutinho, os camarários puseram em praça os bens de Teixeira da Cunha, e caso não houvesse lances satisfatórios, novamente se apreenderia os bens do procurador de 1738, até escravos, se fosse preciso. Em abril de 1741, os bens dele ainda estavam para serem arrematados em praça, mas não houve lances. Convocado mais uma vez em maio de 1741, o tenente-coronel prometeu que brevemente resolveria sua pendência com o Senado187. Entretanto, não foi o que aconteceu.

Após certo tempo, em junho de 1741, os camarários decidiram passar mandado de prisão contra o tenente-coronel, pois até então não havia pago a quantia de 209$116 réis que faltava. Apesar disto, vê-se o mesmo ocupando os cargos de almotacé, e de tesoureiro do cofre dos órfãos em 1748. Desse modo, embora este camarário possa ter sido condenado por dívidas, e preso, a partir do seu caso, percebe-se que ele conseguiu se reinserir na estrutura política, e adentrar em cargos que envolviam ganhos pecuniários, criando relações que poderiam maximizar seus ganhos. Entretanto, talvez Teixeira da Cunha não tenha tido sucesso nessa nova função, pois em 1754 foi substituído no cargo de tesoureiro dos órfãos por estar ausente há vários anos de sua casa, e a sua família estar morando fora da cidade do Natal, em casas pouco seguras (local não informado). Três anos antes, em 1751 consta que por ausência de José Pinheiro Teixeira que estava na capitania do Siará-grande, Pedro de Albuquerque e Melo, capitão-mor do Rio Grande, proveu Sebastião Dantas Correa, um camarário também, com a patente de tenente-coronel do regimento de cavalaria da cidade do Natal188. Pode-se conjecturar que o cargo de procurador era realmente um dos menos privilegiados, e Teixeira da Cunha tenha ficado em ruínas financeiramente, o que se percebe, inclusive, pela moradia de sua família. Contudo, muitos puderam se aproveitar deste cargo para ter acesso aos postos mais elevados na hierarquia camarária, visto que este era um meio também de ter acessos a recursos em uma sociedade não capitalizada. Dessa forma, além da possível obtenção financeira, essa ascensão camarária era extremamente vantajosa, podendo-se receber novamente mais privilégios e possibilidades de melhores negociações em causa própria. Isso 187 Ibid. Documentos 1263, fls. 041-041v; 1267, fls. 043v-044; 1275, fls. 048v; 1276, fls. 048v-049;1282, fls. 051-051v; 1283, fls. 051v-052; 1286, fls. 053; 1289, fls. 054v; 1300, fls. 059v-060v;1305, fls. 063-063v; 1310, fls. 066-066v; 1311, fls. 066v-067; 1316, fls. 069v-070; 1321, fls. 072-072v; 1334, fls. 079-079v; 1335, fls. 079v-080; 1336, fls. 080-080v; 1337, fls. 080v-081; 1342, fls. 083; 1412, fls. 017. 188

Registo de hua Carta patente de posto de Tenente Coronel da Cavallaria passada a Sebastião Dantas Correa. Fundo documental do IHGRN. Caixa 02 de cartas e provisões do Senado da Câmara. Livro 09 (1743 – 1754). Fl. 164.

se torna perceptível quando se observa que existiram mais indivíduos exercendo o cargo de procurador, do que o rejeitando.

Embora para o reino de Portugal Charles Boxer tenha afirmado que a frequência dos relatórios do tesoureiro, desempenhado pelo procurador, fosse uma mera formalidade, não sendo submetidos à verificação de nenhuma autoridade superior, mesmo que isto devesse ocorrer189, a partir dos casos observados na Câmara da cidade do Natal, nota-se que os próprios camarários dos anos seguintes fiscalizavam e procuravam, nem sempre com sucesso, reaver as quantias que não foram entregues às rendas da Câmara; assim como o ouvidor da Paraíba, que realizava visitas periódicas e correições na cidade do Natal.

Analisando o acesso de reinóis nos postos camarários da cidade de São Paulo, na passagem do século XVIII ao XIX, Denise de Moura percebeu que o cargo de procurador era um dos mais desprestigiados pelos locais, possibilitando que portugueses pudessem ter um maior acesso, em oposição aos postos de vereador e juiz ordinário. Diferentemente dos vereadores, os procuradores estavam mais próximos das ruas, assim como os almotacés, fiscalizando e ouvindo as queixas dos moradores. Entretanto, esta função conferia certa visibilidade que poderia fazer com que indivíduos fossem reconhecidos e inseridos socialmente no local. A autora também percebeu que os que foram procuradores possuíam as patentes mais baixas de ordenanças190, o que pode ser visto para o caso da cidade do Natal, pois há vários casos em que nem constava ocupação nos termos de vereação, entretanto, para aqueles que puderem se firmar e ascender, observa-se o aumento na sua hierarquia dentro das ordenanças.

Regressando ao século XVII, no ano de 1678, nota-se o alferes Antônio Diniz Negrão que foi eleito procurador para este ano, tendo exercido anteriormente o cargo de vereador (1672). Recusando o cargo de procurador, Negrão foi advertido pelo juiz ordinário que por ter sido eleito pelo Povo 191(homens bons), era obrigado a assumir tal posto, podendo

189

BOXER, Charles. Conselheiros municipais e irmãos de caridade. In: _____. O Império ultramarino português 1415-1825. Charles Boxer; tradução Anna Olga de Barros Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 288-289.

190 MOURA, Denise Aparecida de. Câmaras e identidades regionais (século XVIII). In: Revista História (Rio de Janeiro), Dossiê Câmara Municipal: fontes, formação e historiografia do poder local no Brasil Colônia e Império, ano 5, v. 1, n. 1, 2014. p. 145.

191 Analisando a documentação camarária de São Luís no Seiscentos, Helidacy Corrêa identificou o uso da noção de ―povo‖, mencionado constantemente pela municipalidade. Segundo a autora, este termo é apresentado de forma genérica, representando grupos de interesses para os camarários, ―que, dependendo das intervenções, apresentavam-se individualizados sob diversas formas‖. Assim, ―o termo ‗povo‘ podia referir-se tanto aos senhores de engenhos de açúcar, senhores das redes de pescar, donos de negros da terra, ‗homens bons‘, proprietários de terras e roças, oficiais militares, quanto a diversos outros segmentos da sociedade. Ao mesmo tempo, ‗povo‘ referia-se a uma generalização social, mas também dizia respeito aos ‗homens bons que costumavam andar na governança‘, apontando para uma distinção no tocante aos demais segmentos da

ser degredado caso insistisse. A resposta do alferes foi de que preferia o degredo, e assim foi realizada uma eleição de barrete para provimento do cargo negado. Negrão ainda se tornou vereador no ano seguinte (1679), e juiz ordinário em 1683, entretanto, ser procurador parecia- lhe pior que o degredo192. Portanto, por meio deste exemplo, percebe-se que a ameaça de degredo não foi validada. Além disto, nota-se o desprestígio que a função de procurador detinha, ao ser relegada a segundo plano em comparação a um possível degredo.

Esse modelo de ascensão afirmado reforça-se quando se passa a considerar aqueles que iniciaram sua carreira como vereador, conforme o gráfico a seguir.

Por corresponder a três vereadores a cada ano, o maior número de oficiais de um mesmo cargo, o número de indivíduos correspondentes à tabela dos vereadores é a maior, 48 pessoas. Destes, a metade, 24, seguiu o percurso vereador-juiz ordinário (50%), confirmando ser o percurso almejado pelos camarários. 15 pessoas (31,25%) continuaram ocupando o cargo de vereador. Quatro casos alternaram entre vereador e juiz ordinário, passando de sociedade‖. Além disto, ao utilizar ―povo‖, os camarários apresentavam-se como portadores de interesses da comunidade local. CORRÊA, Helidacy Maria Muniz. ―Para aumento da conquista e bom governo dos moradores‖: a Câmara de São Luís e a política da monarquia pluricontinental no Maranhão. FRAGOSO, João; SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. (Orgs.). Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso: séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012. p. 30.

192 Catálogo dos Livros de Termos de Vereação da Cidade do Natal (1674-1823). Documento 0094, fls. 019.

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50%

VEREADOR – JUIZ ORDINÁRIO (24) VEREADOR – VEREADOR (15) VEREADOR – JUIZ ORDINÁRIO - VEREADOR - JUIZ

ORDINÁRIO (4)

VEREADOR - PROCURADOR (3) VEREADOR - PROCURADOR - JUIZ ORDINÁRIO (1) VEREADOR - PROCURADOR - VEREADOR - JUIZ

ORDINÁRIO (1)

Gráfico 3: Modelo de rotatividade nos cargos