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Gráfico 3: Modelo de rotatividade nos cargos camarários a partir dos vereadores (1720-1759)

VENDAS DE MANDIMENTOS E ABASTECIMENTO ALIMENTAR.

2.2. ABASTECIMENTO ALIMENTAR

2.2.2. Pecuária

De acordo com Caio Prado Júnior, a pecuária penetrou-se no sertão da Bahia até o Piauí a partir de duas vertentes, a própria Bahia e Pernambuco. A criação de gado no Rio Grande do Norte teria ocorrido vindo da vertente de Pernambuco, subindo o litoral para a Paraíba, e depois ao Rio Grande, interiorizando-se a atividade com o avançar da colonização.382 Verificou-se que a pecuária era uma atividade também regulada pela Câmara do Natal. A exportação de gado para outras capitanias marcava a economia da capitania do Rio Grande. Segundo Câmara Cascudo, quando da chegada dos holandeses no Rio Grande, em 1633, esta localidade possuía um rebanho de gado da quantia de 20.000 cabeças, número que voltaria a se repetir nas primeiras décadas do século XVIII, demonstrando a importância que esta atividade tinha para a capitania. Até o final do século XVIII, fornecia-se gado de tração e de corte, principalmente, para as capitanias da Paraíba e Pernambuco383. De acordo com Denise Mattos Monteiro, a criação de gado, atividade econômica básica do sertão, deu origem aos ―caminhos de gado‖, ligando-se ao abastecimento da zona açucareira litorânea de mercados como Pernambuco e Bahia, para onde as manadas de bois eram conduzidas, desde as zonas criadores no sertão384. Segundo Leonardo Rolim, que estudou a produção e comércio das carnes secas, a partir da Vila de Aracati no Siará Grande, a pecuária que tinha por base currais espalhados nos sertões da Paraíba, Rio Grande, Pernambuco, Bahia, Siará Grande e Piahuí, era interesse de setores comerciais de regiões produtoras de açúcar que tinham por objetivo suprir de gado os engenhos, como força motriz, e também das vilas e cidades de carnes verdes, para abastecimento alimentar. O deslocamento do gado era realizado por

382 PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 61-64. 383

CASCUDO, Câmara. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura/ Serviço de Documentação. 1955. p. 52-53.

trabalhadores dos currais, seguindo rios e riachos, pelo sertão, refazendo os caminhos seguidos pelos conquistadores das décadas de 1660-70385.

Para a região do Seridó, por exemplo, Muirakytan Macêdo realizou um estudo sobre esta espacialidade no século XVIII, forjada no encontro do semiárido com a pecuária. Este espaço foi traçado pelo autor, percebendo a arquitetura das casas, o patrimônio familiar, como terras, gado e escravos, entre diversos outros aspectos sociais, que a partir da criação do gado, movimentou mercadorias e pessoas, formando a ribeira do Seridó. Assim, o autor concordou a partir do seu estudo, que o regime de exploração econômica da capitania do Rio Grande teria sido ocupado na maior parte pela pecuária, com uma baixa participação da lavoura. A pecuária teria fixado a população nos sertões; entretanto, a partir dos inventários para a ribeira do Seridó, Macêdo percebeu que o rebanho no geral não era numeroso, sendo os grandes plantéis por proprietários uma exceção. De 54 inventários analisados pelo historiador potiguar, entre 1754-1814, apenas oito tiveram rebanhos com número de gado vacum acima de 100 reses, sendo a média constante entre 11 a 18 cabeças de gado por fazendeiro. O gado

vacum era, de longe, a principal atividade econômica e nutritiva da freguesia, seguido da

criação cabrum e ovelhum, e da cavalar386.

Em postura camarária da cidade de Natal de 1709 já constava que nenhum gado poderia ser passado à outra capitania, sem primeiramente obter-se licença do Senado da Câmara do Natal. Em 1712, os camarários afirmavam que a comercialização sem a retirada da licença causaria danos para a população. Além disto, recaía a obrigação para os condutores de gado de registrá-los em Tamatanduba, antes de seguir o seu caminho387. Tal exigência já era cobrada desde a década de 1670 na capitania do Rio Grande. O registro das marcas de gado tornava-se necessário, pois ao não ser realizado por aqueles que conduziam gado para fora da Capitania, se revelava prejudicial, devido aos furtos que ocorriam durante o trajeto das boiadas pelos passadores, além de que o registro coibiria tais furtos. Segundo Thiago Dias Alves, o caminho de Tamatanduba era utilizado pelos passadores de gado em direção ao sul, geralmente à capitania de Pernambuco. Era um dos caminhos mais antigos da capitania do

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ROLIM, Leonardo Cândido. “Tempo das carnes” no Siará Grande: dinâmica social, produção e comércio de carnes secas na Vila de Santa Cruz do Aracati (c.1690-c.1802). Dissertação de Mestrado (História), Universidade Federal da Paraíba, 2012. p. 64-65.

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MÂCEDO, Muirakytan K de. Rústicos cabedais: patrimônio e cotidiano familiar nos sertões da pecuária (Seridó – século XVIII). Natal, RN: Flor do Sal, EDUFRN, 2015. p. 108-109.

387 Editais de 1709 e 1712. Catálogo dos Livros de Termos de Vereação da Cidade do Natal (1674-1823). Documentos 0041, fls. 003-003v; 0083, fls. 015v. Sobre exemplos de pessoas no cargo de registrador do gado, ver ALVEAL, Carmen. A Formação da Elite na Capitania do Rio Grande no pós-Restauração (1659-1691). In: Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime. Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011.

Rio Grande, utilizado para se sair dela, localizado entre as atuais cidades de Pedro Velho e Canguaretama, atualmente. E quanto ao imposto sobre as entradas, o autor afirmou que esta era uma medida que legitimava a soberania institucional e fronteiriça de cada Capitania, além de controlar o comércio intracolonial, arrecadar rendas para a Fazenda Real, e também controlar os extravios de gado. Todas as mercadorias importadas ou exportadas da Capitania deveriam ser tributadas, recebendo a licença da Câmara, e, caso tal licença não fosse identificada, o registrador poderia autuar o infrator. 388

Entretanto, nem sempre os criadores de gado concordavam com tais decisões, e queixavam-se diante de tais registros, revelando-se casos em que esses criadores buscavam burlar as medidas camarárias. Na documentação camarária, percebe-se a menção constante ao comércio realizado com a capitania de Pernambuco, além do envolvimento de pessoas desta na criação do gado no Rio Grande.389 Assim, em 1689, a obrigação recaiu para os que viessem de fora da Capitania, com o intuito de levá-los para fora, tendo que passar pelo caminho de Tamatanduba, pagando meio tostão (50 réis) por cada gado, como pela obtenção da licença. Entretanto, tal medida não agradou aos proprietários de currais na capitania, oriundos de Pernambuco, pois os camarários reuniram-se no final do ano de 1689 a fim de que se evitasse que os moradores de Pernambuco esvaziassem seus currais de gado na capitania do Rio Grande. Analisando este período, Carmen Alveal percebeu que alguns membros senhores de terra em Pernambuco, notadamente os proprietários de engenhos, no intuito de diversificar suas atividades, demonstraram interesses em obter terras nas capitanias do Rio Grande e Ceará para a criação de gado. Portanto, nesse período, uma parcela da criação de gado na capitania era controlada por pessoas da capitania de Pernambuco, pois conforme visto, se estes se retirassem do Rio Grande, grandes danos seriam causados para as rendas desta última capitania390.

Nota-se por meio da documentação que a Câmara buscou criar um caminho comum aos interessados na atividade pecuária, tanto aos moradores da capitania do Rio Grande quanto aos de fora, evitando descaminhos, e regularizando impostos, taxas e lugares a serem percorridos, a fim de que os registradores pudessem implementar as políticas elaboradas pelos camarários. Entretanto, esses descaminhos eram inevitáveis, e mais vantajosos para esses criadores, ao se livrarem de tantos impostos, que lhe eram custosos.

388 ALVES, Thiago Dias. Op. cit. p. 129;132-133.

389 Ibid. Documento 0105. Fls. 022-022v; 0125, fls. 029v; 0139, fls. 033. 390

Nos anos seguintes, aumenta-se a ênfase sobre a obrigação de se registrar o gado comercializado com outras capitanias. Ibid. Documentos 0306, fls. 084-084v; 0307, fls. 085; 0319, fls. 088v-089; 0324, fls. 090-090v; 0344, fls. 096v-097; 0383, fls. 106v-107v; 0426, fls. 121-122; 0445, fls. 127v-128v.

Em 1710, o registro de gados passou a ser realizado em Goianinha, pelo tenente Julião Borges de Góis, que era morador desta localidade. Góis, além desta função, veio a ser arrematador do contrato das carnes das ribeiras de Goianinha e Cunhaú, em 1712, procurador de barrete, em 1714, fiador dos subsídios das aferições, em 1715, registrador das boiadas, em 1719, e vereador, em 1719 e em 1725. Portanto, percebe-se como um camarário de Natal esteve envolvido com a atividade pecuária. O problema da dispersão de gados pela capitania, assim como os furtos frequentes, e a falta de identificação por causa de se não marcar ainda era uma constante no momento em que Góis foi nomeado registrador em Goianinha. Devido ao fato de o registrador nomeado para Tamatanduba estar doente, Diogo Marques, e o novo registrador ser, então, de Goianinha, passou-se a realizar o registro nesta localidade, para que os passadores seguissem estrada diretamente por Cunhaú, e não mais por Tamatanduba. Tal rota, vindo de Goianinha e passando por Cunhaú desde 1710, provavelmente, teria influenciado para que em 1720, o Registro Geral passasse a ser realizado em Cunhaú391.

Ainda em 1720, tornou-se obrigatório que as pessoas que juntassem gado entre a barra do Ceará-Mirim e a travessia do Assú fossem obrigadas a registrá-los com marcas no sítio da Utinga, em presença do alferes Salvador de Araújo Correia, e também tirar licença da Câmara do Natal. Caso alguém contrariasse tais normas, não querendo registrar os gados, o alferes tinha por obrigação informar ao Senado da Câmara, preferencialmente, ao juiz ordinário, para que os gados não registrados fossem embargados de se transportar para fora da Capitania, e também não ficassem isentos de se registrar no Registro Geral de Cunhaú. Salvador de Araújo Correa foi também camarário, tendo sido procurador, em 1709, almotacé, em 1710 e em 1715, procurador interino, em 1711, e vereador, em 1714 e em 1725392.

Em 1684, por exemplo, percebeu-se que o gado transportado para Pernambuco deveria ser registrado com o alferes Antônio de Castro Rocha (juiz ordinário – 1680; almotacé – 1681;1682; juiz de órfãos – 1683; vereador – 1684). Assim, por meio deste caso, assim como dos dois anteriores, do tenente Julião Borges de Góis e do alferes Salvador de Araújo Correia, observa-se, que estes registradores de gado eram homens de ordenança, que estiveram ocupando postos camarários também, aliando, portanto, poder de mando, político e econômico. Os três casos apresentados mostram que eles eram moradores de áreas mais a lestes da capitania, como Goianinha, Utinga e Tamatanduba, locais que foram pontos de registro de gado; e o fato de terem sido também camarários de Natal, indica que poderiam

391 Ibid. Documentos 0500, fls. 008v-009; 0523, fls. 018v. Editais de 1710 e 1720 392 Este teve um filho homônimo que foi vereador em 1757, e almotacé em 1758 e 1759.

utilizar-se deste seu ofício para obter benefícios com esta função.393 O registrador do gado tinha por obrigação a cada seis meses informar à Câmara dos registros realizados, assim como ter dois currais e ranchos suficientes para acomodar o gado, além de registrá-los. Um curral seria para receber o gado, e o outro para despachá-lo, ao se anotar as marcas de cada lote, com

individuação distinta. Caso o gado fugisse por ineficiência dos currais, o registrador teria a

obrigação de reuni-los a sua custa, entregando-os ao responsável, exceto aqueles que fugissem de arranco394. E se fosse encontrada alguma rês que não fosse do seu dono, o registrador poderia vendê-la, entregando a quantia ao Senado para suas despesas, ou, então, caso encontrado o dono, passar a quantia devida a esta pessoa. Por cada 100 cabeças que se registrava, o registrador do gado obtinha 1 pataca (320 réis). Entretanto, caso alguma pessoa não quisesse registrar o lote, tinha a opção de oferecer uma ou duas reses ao registrador, pois corresponderia ao valor da condenação (4 mil réis)395.

Posteriormente a 1734, a menção sobre o gado desaparece das posturas municipais, retomando apenas em 1759, com a obrigatoriedade de que quem quisesse exportar gado, deveria, primeiramente, registrar em cada ribeira com pessoa designada pelo Concelho. Entretanto, a regulação sobre esta atividade não desapareceu de fato, pois em vereação de 1745, os camarários deste ano nomearam registradores para o Jundiaí e para Mipibu, e, em 1750, para Utinga e para o Cunhaú, assim como consta a menção de um registrador na ribeira do Assú396. Percebe-se, portanto, que o número de pessoas a serviço da Câmara havia aumentado, reflexo também de um maior número de ribeiras na capitania do Rio Grande, e, portanto, da necessidade de maior fiscalização de tais áreas, nomeando pessoas para estas localidades.

Ademais, acrescenta-se que na documentação do Arquivo Ultramarino Histórico, percebe-se que a preocupação com a atividade pecuária era constante, em decorrência dos constantes furtos a gados realizados nos sertões, o que explicaria essa maior vigilância. Assim, em vereação de 27 de janeiro de 1722, os camarários decidiram escrever ao rei sobre a ocorrência de roubos de gado que estavam ocorrendo nos sertões397. Em 18 de janeiro de 1725, o Conselho Ultramarino enviou um parecer acerca desse assunto, concordando com o procurador da Fazenda Real, de que o gado que viesse do sertão não pudesse ser vendido sem

393

Ibid. Documentos 0177, fls. 042v-043; 0223, fls. 057v-058. 394

Quando o gado foge inesperadamente, de forma veloz. 395 Editais 1709, 1710, 1711, 1712, 1713, 1719, 1720.

396 Editais de 1734 e 1759. Catálogo dos Livros de Termos de Vereação da Cidade do Natal (1674-1823). Documentos 1409, fls. 015-015v; 1540, fls. 095-096.

397 Catálogo dos Livros de Termos de Vereação da Cidade do Natal (1674-1823). Documento 0838. fls. 004v- 005.

que antes fosse obtida uma licença da câmara, conforme a mesma havia opinado acerca398. Sobre a questão do gado, em 18 de maio de 1729, os camarários relatam ao rei sobre as dificuldades dessa atividade, por causa das secas que assolavam a capitania399. Em 18 de maio de 1729, os camarários de Natal continuavam informando sobre o problema de furtos de gados entre os sertões do Rio Grande e Ceará, propondo que em cada ribeira fosse escolhido um homem que registrasse os gados que fossem comerciados com outras capitanias, sendo repetido em 1732 o mesmo pedido400. No mesmo ano, em carta enviada ao rei, os camarários relataram que todos os anos os juízes ordinários realizavam devassas, averiguando as pessoas que costumavam fazer roubos, fosse de gado ou bens alheios401. E, ainda, em vereação de 1750, consta uma reunião em que os camarários discutiram sobre a determinação do ouvidor da Paraíba que dizia respeito aos registradores de boiadas na capitania do Rio Grande, para que fossem homens capazes, e também sobre forma de procedimento em relação aos registros e seus gastos402. Assim, percebe-se o quanto esses sertões eram importantes para os camarários que atuavam na cidade do Natal, fazendo com que estes procurassem intervir, fiscalizar e regular sobre essa atividade econômica espalhada por toda a capitania do Rio Grande, em decorrência dos constantes descaminhos realizados.

Além destas exigências, a preocupação com a criação de gado na capitania também dizia respeito ao abastecimento de carne para a população. De acordo com Avanete Sousa, embora o direito de vender carne à população fosse um monopólio real, cabia às Câmaras executar tal serviço, que era uma das suas fontes de renda. Para o caso da cidade de Salvador, Sousa destacou o importante papel do Senado da Câmara ―como agência que fomentava, impulsionava e controlava a infraestrutura citadina no período colonial, é amplamente visível quando se trata da questão da distribuição da carne verde‖. Assim, a Câmara não somente promovia os meios para abastecer o mercado, como também definia a melhor forma a ser feita, estabelecendo açougues públicos e controlando a venda da carne403.

398 AHU-RN, Papeis Avulsos, Cx. 2, Doc. 99. 399 AHU-RN, Papeis Avulsos, Cx. 2, Doc. 140. 400 AHU-RN, Papeis Avulsos, Cx. 2, Docs. 141 e 142. 401

AHU-RN, Papeis Avulsos, Cx. 2, Doc. 162.

402 Catálogo dos Livros de Termos de Vereação da Cidade do Natal (1674-1823). Documento 1540. fls. 095-096. Lívia Barbosa e Marcos Arthur Fonseca abordaram a questão do contrato do gado do vento na ribeira do Apodi, em 1741, em que o furto dos gados também se encontra presente. A Câmara do Natal se envolveu no conflito, enviando um juiz ordinário para realizar devassas, o que causou conflitos entre esta instituição e a Provedoria da Fazenda Real do Rio Grande. BARBOSA, Lívia; FONSECA. Marcos Arthur. A Ribeira dos Interesses: Contratos, Fiscalidade e Conflitos na Revolta dos Magnatas (Capitania do Rio Grande, 1741-1744), Revista Ultramares Artigos, vol. 5, nº 9, Jan-Jun, 2016 p. 228-254.

403 SOUSA, Avanete Pereira. Poder política local e vida cotidiana: a Câmara Municipal da cidade de Salvador no século XVIII. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2013. p. 82.

Conforme já visto em tópico anterior, a Câmara tabelava o preço das carnes vendidas. Desde a postura de 1709, aparece a proibição de que gado fosse abatido e cortado ou que se erguessem balanças para venda de carne, se não fossem nos açougues costumados, e sem licença do contratador das carnes. A infração seria paga pelo valor de 4 mil réis404. Sobre o contrato das carnes, Thiago Alves Dias afirmou que ele era arrematado por um prazo, geralmente, de três anos, sendo por um valor superior ao contrato das aferições e dos molhados. Era necessário que o arrematador tivesse um fiador como garantia à Câmara, que, por sua vez, concedia a licença para que o contratador abastecesse as localidades com carnes em dias específicos, estipulados pela própria Câmara. Dessa forma, o contratador das carnes era o responsável por comercializar a carne na capitania, cabendo aos agentes camarários fiscalizar o comércio, a fim de que outros comerciantes não agissem de forma ilegal. Para Dias, devido ao fato de o contratador obter o monopólio da carne, o lucro obtido nas vendas poderia ser grande. Este ainda era o responsável por conceder licença aos que quisessem comercializar carne, assim como a Câmara arrematava o contrato, recebendo ambos impostos por isso405.

Portanto, apesar de a Câmara realizar a arrematação das carnes, e passar a responsabilidade a um particular, ela buscava fiscalizar o comércio das carnes, e também taxava o preço que elas poderiam ser vendidas à população, no intuito de que os contratadores não a repassassem por um preço elevado, assim como estipulava dias específicos para que fossem vendidas. Segundo Sousa, tal repasse dos direitos comerciais sobre a venda da carne,

404 Em relação ao abastecimento de carne verde, ou carne fresca na cidade do Rio de Janeiro, em fins do Setecentos, existiam duas formas: os açougues públicos e os talhos dispersos. Os açougues públicos eram dois na cidade, especializados na venda de carne bovina; já os talhos dispersos estavam localizados em várias ruas da cidade, freguesias rurais, e além da carne bovina, vendiam carne de porco, carneiro, etc. As licenças para a comercialização das carnes eram obtidas por meio do sistema de arrematações. Nestes, a Câmara estipulava o preço máximo que poderia ser vendido tais produtos. Em fins do Setecentos, no Rio de Janeiro, ―a Câmara ainda se preocupava em garantir o adequado abastecimento da população carioca. Definia os fornecedores da carne verde, as condições de vendas e o preço. Mais ainda, buscava garantir um fornecimento regular‖. SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de; TAVARES, Geórgia da Costa. O abastecimento urbano e a governança da terra: o comércio de carne verde no Rio de Janeiro setecentista. FRAGOSO, João; SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. (Orgs.). Monarquia pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso: séculos XVI- XVIII. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012.

405 ALVES, Thiago Dias. Op. cit. p. 146. A partir dos contratos existentes em Rio Grande de São Pedro, Helen Osorio afirmou que estes foram ―um poderoso instrumento de acumulação nas mãos dos negociantes do Rio de Janeiro, como fora na Europa. Por meio de transações em um mercado restrito e desde uma posição privilegiada, da usura e da especulação, enfim, dos instrumentos propiciados pelo capital mercantil, puderam reforçar seu lugar na elite econômica colonial. Para além disso, a forma como foram operados tais contratos contribuiu decisivamente para a constituição de um mercado interno, centralizado pelo Rio de Janeiro, e que incorporava os territórios mais recentemente ocupados do sul da América portuguesa‖. Para uma análise acerca das possibilidades de lucro dos contratadores, ver. OSÓRIO, Helen. As elites econômicas e a arrematação dos contratos reais: o exemplo do Rio Grande do Sul (século XVIII). In: FRAGOSO, João L. Ribeiro; BICALHO, Maria Fernanda B.; GOUVEA, Maria de Fátima. (Org.). O Antigo Regime nos trópicos. Rio de Janeiro, 2001.