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CAPÍTULO 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: ESTUDOS SOBRE A LÍNGUA

4.3 ORIGENS DA ORTOGRAFIA MAXAKALÍ

4.3.1 GRAFEMAS CONSONANTAIS E VOCÁLICOS

A ortografia criada pelos Popovich é composta de vinte grafemas, sendo dez com valores consonantais e dez com valores vocálicos. Entre as consoantes figuram <m>, <n>, <g>, <h>, <k>, <p>, <t>, <x>, <y> e o diacrítico <

>, que representa uma oclusiva glotal. Entre as vogais, figuram <a>, <e>, <i>, <o>, <u>. As vogais nasais são representadas por meio do diacrítico til

~

: <ã>, <ẽ>, <ĩ>, <õ>, <ũ>. Segue, no quadro

TABELA 1 GRAFEMAS DA LÍNGUA Consoantes orais Fonemas /k/ /p/ /t/ /c/ /h/ /Ɂ/ Grafemas <k> <p> <t> <x> <h> <’> Consoantes nasais Fonemas /m/ /n/ /ɲ/ /ŋ/ Grafemas <m> <n> <y> < g > Vogais orais Fonemas /a/ /e/ /i/ /o/ /ɯ/ Grafemas <a> <e> <i> <o> <u> Vogais nasais

Fonemas /ã/ /ẽ/ /ĩ/ /õ/ /ɯ̃/ Grafemas <ã> <ẽ> <ĩ> <õ> <ũ>

No quadro a seguir, exponho os principais sons consonantais do Maxakalí e seus grafemas correspondentes:

TABELA 2

SONS CONSONANTAIS E VOCÁLICOS DO MAXAKALÍ consoantes bilabial alveolar palatal alveopalatal velar glotal

Oclusiva surda [p] <p> [t] <t> [k] <k> [Ɂ]<

> sonora [b] <m> [d] <n> [g] <g> Nasal [m] <m> [n] <n> [ɲ] <y> [ŋ] <g> Fricativa [tʃ] <x> [tʃ] <x> [h] <h> Africada surda [tʃ] <x> sonora [dʒ] <y>

Com relação à representação das vogais, o quadro abaixo informa a relação entre os fonemas vocálicos e os grafemas a eles correspondentes:

TABELA 3

GRAFEMAS VOCÁLICOS

anterior central posterior

arred não-arred arred não-arred arred não-arred

alta oral nasal /i/ <i> /ĩ/ <ĩ> /ɯ/ <u> /ɯ̃/ <ũ> média-alta oral nasal /e/ <e> /ẽ/ <ẽ> /o/ <o> /õ/ <õ> baixa oral nasal /a/ <a> /ã/ <ã>

A seguir, descrevo brevemente algumas notas sobre a pronúncia e uso da ortografia da língua:

(1) As vogais nasais ocorrem diante de segmentos nasais e as vogais orais diante de segmentos orais:

Nãg [nãŋ˺] ‘pequeno’/sufixo diminutivo

Nak [dak˺] ‘seco’;

(2) As consoantes <k>, <g>, <p>, <m>, <t> e <n> têm valor vocálico, quando na posição de coda, pois desenvolvem pré-vocalização. As pré-vogais são: (a)

vogal labial posterior [w] diante das velares /k/ e /g/:

Pok [powk˺] ‘brejo’ FR

Nõg [nõw̃ŋ˺] ‘terminar’; (b)

vogal média-alta posterior não-arredondada [ɤ̯] diante das consoantes bilabiais /p/ e /m/:

Pip [piɤ̯p˺] ‘haver’

(c)

vogal média-baixa central não-arredondada [ɜ̯] diante das alveolares /t/ e /n/:

Put [pɯɜ̯t˺] ‘pegar’ SING

Nũn [nɯ̃ɜ̯n˺] ‘vir’

as consoantes na coda silábica, em (a), (b) e (c), são geralmente travadas, isto é, são articuladas sem soltura dos articuladores ativos, o que, nas transcrições

fonéticas acima, representei por meio do símbolo:

̚

sobrescrito.

(3) As consoantes <x> e <y>, na posição de coda, equivalem, respectivamente, ao glide palatal oral [j] e nasal [j̃]. <x> ocorre após vogal oral e <y> após vogal nasal.

Como já mencionei, na seção anterior, os dados do Maxakalí que utilizo nas análises deste trabalho seguem transcritos de acordo com a ortografia Maxakalí. Além disso, serão marcados com negrito quando forem sentenças e, em itálico e com negrito, quando figurarem como palavras isoladas no texto em português. Quando os dados forem sentenças, serão apresentados em quatro linhas horizontais. Na primeira linha, dispus as sentenças em negrito na ortografia Maxakalí; na segunda linha, transcrevo as sentenças foneticamente, por meio dos símbolos fonéticos do International Phonetic

Alphabet (IPA). Na terceira linha, glosso os elementos gramaticais que compõem as

sentenças e, na última linha, disponho a tradução literal das sentenças. Embora os dados estejam transcritos ortograficamente, faço uma ressalva com relação aos limites de morfema, que foram indicados por meio de hífen, fugindo à “norma” Maxakalí. A seguir mostro um exemplo de como os dados foram transcritos na tese:

(4)

Ũn -te kanenãm ku- tu yũm

[ɯ̃ɜ̯̃h ˈtæɁ kadeˈdãɤ̯̃m˺ kɯh ˈtɯɁ ˈɲɯ̃ɤ̯̃m˺] Mulher FR ERG panela fogo FR em deitar SING ‘A mulher pôs a panela no fogo’

Na transcrição em (4), a primeira linha traz a sentença transcrita ortograficamente com os limites de morfema indicados por hífen; a segunda linha traz a transcrição fonética; a terceira linha traz as glossas e, finalmente, na última linha, a tradução literal da sentença. Nas traduções, será usada a segunda pessoa, tanto do singular quanto do plural. Portanto, as pessoas correntes “você” e “vocês” serão substituídas pelas pessoas “tu” e “vós”. A justificativa para o uso da segunda pessoa é o fato de haver, em português, ambiguidade no uso dos pronomes possessivos “seu” e “sua”, que podem corresponder ao pronome “você”/”vocês”, mas também ao pronome “ele”/”ela”/”eles”/”elas”. O uso dos pronomes “tu” e “vós” evitará esse tipo de ambiguidade, já que os possessivos correspondentes a esses pronomes são bem diferenciados. Na próxima seção, seguem as considerações finais sobre este capítulo.

4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O CAPÍTULO

Neste capítulo, apresentei a metodologia adotada no desenvolvimento desta tese, incluindo a coleta de dados, sua transcrição e análise. Além disso, fiz uma breve descrição da ortografia usada pelos Maxakalí, por meio da qual os dados desta tese também foram transcritos. No próximo capítulo, tratarei das categorias lexicais nome, pronome e verbo.

CAPÍTULO 5:

ORDEM DOS CONSTITUINTES E AS CATEGORIAS NOME E

PRONOME

Neste capítulo, descrevo o ordenamento dos constituintes em Maxakalí e as propriedades morfológicas e morfossintáticas de duas categorias lexicais da língua Maxakalí: nome e pronome. Na seção sobre os nomes, descrevo as diferenças entre nomes de posse direta e nomes de posse indireta. Com relação aos pronomes, descrevo as características dos marcadores de pessoa e de posse, pronomes dativos, objetivos, reflexivos e demonstrativos. Começo, na seção seguinte, com a ordem dos constituintes.

5.1 ORDEM DOS CONSTITUINTES

Como informei no segundo capítulo, a ordem mais comum em que figuram os constituintes na sentença Maxakalí é a ordem SOV (sujeito, objeto, verbo), mas o objeto pode ocorrer também na ordem SVO (sujeito, verbo, objeto), como exponho nos exemplos seguintes:

(1a)

Ũn -te kunox pix Ordem SOV

[ũɜ̯̃n ˈtæɁ kɯˈdoj ˈpɪj] Mulher FR ERG roupa (O) lavar ‘A mulher lavou roupas’

(1b)

Ũn -te pix kunox Ordem SVO

[ũɜ̯̃n ˈtæɁ ˈpɪj kɯˈdoj] Mulher FR ERG lavar roupa (O) ‘A mulher lavou roupas’

(2a)

Xoxmetmet -te kunit penãhã Ordem SOV

[tʃojbæɜˈbæɜ̯t˺ ˈtæʔ kɯˈdiɜ̯t˺ pænãˈhãʔ] Bem-te-vi ERG grilo FR (O) ver

(2b)

Xoxmetmet -te penãhã kunihit Ordem SVO

[tʃojbæɜˈbæɜ̯t˺ ˈtæʔ pænãˈhãʔ kɯdiˈhiɜ̯t˺] Bem-te-vi ERG grilo FP ver (O) ‘O bem-te-vi viu o grilo’

Nas sentenças com a ordem SVO, o objeto na posição pós-verbal é focalizado, evidenciando que a ordem canônica na língua é SOV. Evidência de que a posição pós-verbal é uma posição de foco é o fato de o agente da passiva ocorrer justamente nessa posição em Maxakalí, como mostro nos exemplos a seguir:

(3a)

VOZ ATIVA

Kakxop -hex -te gahap kõyõy

[kak˺ˈtʃuɤ̯p˺ ˈhɛj tæɁ gaˈhaɤ̯p˺ kuˈɲũj̃ɲ Menino FEM ERG garrafa quebrar ‘A menina quebrou a garrafa’

(3b)

VOZ PASSIVA

Gahap ũ-kõyõy kakxop-hex -te

[gaˈhaɤ̯p˺ Ɂɯ̃kuˈɲũj̃ɲ kak˺ˈtʃuɤ̯p˺ˈhɛj tæɁ] Garrafa ele INAT quebrar menina FEM ERG ‘A garrafa foi quebrada pelo menino’

(4a)

VOZ ATIVA

Ũn -te komĩy xaxok

[ɯ̃ɜ̯̃n ˈtæʔ ˈkõˈmɪ̃j̃ɲ˺ tʃahˈtʃowk˺] Mulher AG ERG batata descascar ‘A mulher descascou a batata’

(4b)

VOZ PASSIVA

Komĩy ũ- xaxok ũn -te

[koˈhoɜ̯t˺ Ɂɯ̃ tʃahˈtʃowk˺ ɯ̃ɜ̯̃n ˈtæʔ Batata ele INAT descascar mulher AG ERG ‘A batata foi descascada pela mulher’

Nas sentenças passivas acima, os agentes das passivas kakxop-hex-te

[kak˺ˈtʃuɤ̯p˺ˈhɛjˈtæɁ] ‘menina AG’ e ũn-te [ɯ̃ɜ̯̃nˈtæʔ] ‘mulher AG’ ocorrem na posição

Além disso, há restrições de ordem em Maxakalí, pois, em alguns casos, apenas a ordem SOV é permitida:

(5a)

Tu -te xetut muk popta

[tɯh ˈtæɁ tʃɛhˈtɯɣə bɯk˺ powˈta hãɁ] 3. AG ERG esposa besuntar jenipapo com ‘Ele passou jenipapo na esposa’

(5b)

*Tu -te muk xetut popta

[tɯh ˈtæɁ bɯk˺ tʃɛhˈtɯɣə powˈta hãɁ] 3. AG ERG besuntar esposa jenipapo com ‘Ele passou jenipapo na esposa’

(6a)

Tu -te tagnõg xex

[tɯh ˈtæɁ tagˈnõŋ ˈtʃæj] 3. AG ERG irmão pintar ‘Ele pintou o irmão’

(6b)

*Tu -te xex tagnõg

[tɯh ˈtæɁ ˈtʃæj tagˈnõŋ ] 3. AG ERG pintar irmão ‘Ele pintou o irmão’

Nas sentenças (5b) e (6b), o objeto não pode ocorrer na posição pós-verbal. Por isso essas sentenças são agramaticais.

Numerais1 (7)

e posposições ocorrem à direita em Maxakalí:

Tu -te xokakak tix kix

[tɯh ˈtɛɁ tʃukaˈkak˺ tɪj ˈkɪj] Ele AG ERG galinha dois matar PL ‘Ele matou duas galinhas’

(8)

Yũmũã -te ãyuhuk tikoyuk penãhã

[ɲɯ̃ˈmɯ̃Ɂãh ˈtɛɁ ãdʒɯˈhɯk˺ tɪkuˈdʒɯk˺ pɛnãˈhãɁ] Nós INAL ERG não índio três ver ‘Nós vimos três não índios’

1

(9)

Tu -te tag-nõg xex popta

[tɯh ˈtɛɁ tagˈnõŋ ˈtʃæj poɤ̯p˺ˈtaɁ ˈhãɁ] Ele AG ERG irmão pintar jenipapo com ‘Ele pintou o irmão com jenipapo’

(10)

à -mõg ax ã-tag mũtix Nanaĩn ha

[ã ˈmõŋ aj ãˈtaŋ mɯ̃ˈtɪj dadaˈĩɜ̯̃n ˈhaɁ]

Tu INAL ir FUT tu INAT pai INAL com Ladainha para Tu irás com teu pai para Ladainha’

Retomarei a questão da ordem em Maxakalí e a associarei à marcação de Caso abstrato, mas, por ora, prosseguirei à descrição dos aspectos da morfologia e da morfossintaxe da língua. Na próxima seção, tratarei da categoria lexical nome.

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