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Gramática cognitivo-funcional

2.6 MODELOS DE DESCRIÇÃO GRAMATICAL SEGUNDO A

2.6.4 Gramática cognitivo-funcional

Primeiramente, quanto ao termo ‘cognitivo-funcional’, de acordo com Martelotta (2011) se trata de um termo utilizado para referir-se à aproximação da linguística funcional com a proposta do cognitivismo, pois a teoria funcionalista não se isola de outros campos do conhecimento. Portanto, o termo serve para designar um conjunto de propostas teórico-metodológicas que apresentam alguns pontos em comum:

• observam o uso da língua, considerando-o fundamental para a compreensão da natureza da linguagem;

• observam não apenas o nível da frase, analisando, sobretudo, o texto e o diálogo;

• têm uma visão da dinâmica das línguas, ou seja, focalizam a criatividade do falante para adaptar as estruturas linguísticas aos diferentes contextos de comunicação;

• consideram que a linguagem reflete um conjunto complexo de atividades comunicativas, sociais e cognitivas, integradas com o resto da psicologia humana, isto é, sua estrutura é consequente de processos gerais de pensamento que os indivíduos elaboram ao criarem significados em situações de interação com outros indivíduos. (MARTELOTTA, 2011, p.62) Afinidades teóricas em comum realçadas por questões como percepção e conceptualização do mundo e experiência configuram as razões pelas quais há uma ligação entre o funcionalismo com a linguística cognitiva.

Além disso, outros pontos de convergência entre as duas abordagens, que funcionam como ligação entre as mesmas têm a ver com a relação de movimento da

língua para adaptar-se ao contexto comunicativo, de acordo com as intenções do falante, ou seja, a língua está num deslocamento constante.

O ponto central de convergência entre o funcionalismo e o cognitivismo, do qual todos os outros pontos derivam, é a rejeição da autonomia da língua. Ou seja, a língua não pode ser descrita, explicada, analisada como um sistema autônomo (CONEGLIAN, 2015, p.23).

As circunstancias históricas para o surgimento da linguística cognitiva estão na segunda metade do século XX, a partir dos trabalhos de Noam Chomsky. “La teoría de Chomsky supuso una verdadera revolución no sólo para la lingüística sino para todas las ciencias cognitivas (ANTUÑANO; VALENZUELA, 2012, p.10)”.

Então, considera-se que a teoria de Chomsky foi um dos grandes impulsos revolucionários nos estudos cognitivos linguísticos no século XX, mas atualmente não é a teoria dominante, pois nos estudos gerativistas, a linguagem era vista como separada da cognição, portanto:

O preço pago por Chomsky para implantar essa perspectiva foi a eliminação dos estudos ligados à vida social da linguagem, isto é, a pragmática, a sociolinguística, a interação verbal, o discurso etc., ligados ao uso, funcionamento ou desempenho linguístico (MARCUSCHI, 2008, p.36). Diferentemente do modelo gerativista, na perspectiva gramatical cognitivista, a linguagem se relaciona diretamente com os demais processos cognitivos, compartilhando entre si estruturas e habilidades como as que são apresentadas a seguir:

• Formar conceptualizaciones estructuradas; • Utilizar una estructura para categorizar otra;

• Entender una situación en diferentes niveles de abstracción;

• Combinar estructuras simples para formar estructuras complejas. (CUENCA; HILFERTY, 1999, p.18)

A partir do surgimento da tendência gerativista, na década de 1950, de considerar a linguagem como um sistema de conhecimento internalizado no cérebro dos indivíduos, constituído de uma série de princípios inatos, mais tarde, seguindo esse tipo de estudo dos usos linguísticos dessa natureza, surge então uma corrente que se autodenominou linguística cognitiva ao final do século XX.

Essa ciência chamada de linguística cognitiva é considerada até certo ponto heterogênea, devido à sua própria natureza interdisciplinar e integradora. Trata-se

de uma teoria linguística situada entre as ciências cognitivas que se ocupam dos diferentes aspectos da cognição humana, como a psicologia, a antropologia, a inteligência artificial, etc. (CUENCA; HILFERTY, 1999).

Então, partindo da ideia de que as estruturas linguísticas nessa concepção de estudo são maleáveis, adaptando-se às necessidades de expressão e comunicação, considera-se que o significado dos enunciados é:

1º - guiado pelas formas linguísticas;

2º - uma construção mental que expressa a interligação entre conhecimento e linguagem; e

3º - validado no contexto comunicativo. (CHIAVEGATTO, 2009, p. 81) Diante dessas considerações, a língua serve para expressar pensamentos e interagir em sociedade, à medida que a gramática já não opera como um conjunto de regras, mas sim como um conjunto de princípios gerais e processuais, operando sobre bases de conhecimento.

A abordagem funcionalista de estudos da linguagem surge como um movimento particular dentro do estruturalismo, enfatizando a função das unidades linguísticas.

Na Europa, “atribui-se aos membros da Escola de Praga, que se originou no Círculo Linguístico de Praga fundado em 1926 pelo linguista tcheco Vilém Mathesius, as primeiras análises na linha funcionalista (FURTADO DA CUNHA, 2011, p.159)”.

No funcionalismo norte-americano, os trabalhos de Michael A. K. Halliday (1925) estão entre os mais numerosos e mais difundidos. Em 1980, segundo Paveau e Sarfati (2006), Halliday propôs uma tipologia funcional que estabelece relações entre as estruturas gramaticais de uma língua e suas funções. Surge então a influente posição

denominada “gramática sistêmico-funcional”, que propõe um funcionalismo baseado em formas regulares relacionando contexto social e forma linguística com base nas funções da linguagem e na sua realização nos mais variados registros e gêneros textuais. (MARCUSCHI, 2008, pp.33-34) Como questão básica, toda abordagem funcionalista de uma língua natural tem o interesse em verificar como seus usuários se comunicam com eficiência, considerando, pois, que todo tratamento funcionalista da língua coloca sob exame a competência comunicativa.

Neste caso, as estruturas das expressões linguísticas implicam em configurações de funções com diferentes maneiras de significação na sentença, e a competência comunicativa denota a capacidade que os indivíduos têm de usar e interpretar essas expressões de maneira interativa e satisfatória.

Segundo Neves (1994, p.112):

a gramática funcional visa a explicar regularidades nas línguas, e através delas, em termos de aspectos recorrentes das circunstâncias sob as quais as pessoas usam a língua. A gramática funcional ocupa, assim, uma posição intermediária em relação às abordagens que dão conta apenas da sistematicidade da estrutura da língua ou apenas da intrumentalidade do uso da língua.

O uso das expressões linguísticas sempre é considerado pela gramática funcional na interação verbal, “o que pressupõe uma certa pragmatização do componente sintático-semântico do modelo linguístico (NEVES, 1994, p.113)”.

Em síntese, há duas propostas básicas que caracterizam a abordagem funcionalista:

a) a língua desempenha funções que são externas ao sistema linguístico em si;

b) as funções externas influenciam a organização interna do sistema linguístico. (FURTADO DA CUNHA, 2011, p.158).

Sendo assim, a língua reflete uma adaptação pelo falante às diferentes situações comunicativas.

Em palavras de Coneglian (2015, p.21), “na visão cognitivo-funcional, não se dissocia a linguagem da experiência cotidiana nem do sistema conceptual humano”. Logo, a linguística cognitivo-funcional apresenta a proposta de integrar os dados sociais e cognitivos, estudando a natureza da linguagem a partir da língua em uso.

Reforçando:

esta visada fenomenológica quanto à gramática nos leva a que a encaremos como dispositivo sócio-cognitivo: não apenas operadora da criatividade linguística mas também instrumento da delimitação social sobre a liberdade de interpretação, em concorrência com os demais sistema semiológicos com os quais funciona articuladamente. (SALOMÃO, 1997, p.35)

Nessa abordagem, a gramática é entendida como representação cognitiva da experiência dos falantes com a linguagem. Esse pressuposto implica uma associação intensa entre modo de organização das formas linguísticas, experiência

de mundo e conhecimento, no sentido de que esse conjunto de vivências contribui para a construção dos padrões gramaticais ou estruturais da língua.

Recapitulando, segundo Martelotta (2011), na concepção cognitivo-funcional, o uso da linguagem nesse conjunto de experiências implica não somente atividades estritamente linguísticas, mas também aspectos provenientes da capacidade de atenção do falante, de percepção, de armazenamento de informações na memória, de simbolização, entre outras atividades dentro do processo comunicativo que estão altamente conectadas.

Portanto, na abordagem cognitivo-funcional da gramática encontra-se respaldo para dizer que a língua tem funções cognitivas e sociais.

Toda essa tipologia gramatical só nos mostra que, de um modo ou de outro, é válido considerar todas as possibilidades de conhecimento que se tem da gramática nas suas diferentes concepções. E como afirma Vitullo (2011, p.45), “o surgimento de todas as acepções de gramática deve-se ao fato de que as formas de conceber a língua e de operar com ela são múltiplas”.