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2.2 BASES FILOSÓFICAS DA GRAMÁTICA

2.5.2 Gramática descritiva

O interesse pelo estudo descritivo, na linguística, firmou-se nos princípios do século XX.

Com o Estruturalismo Europeu e o Distribucionalismo norte americano, as gramáticas assumem uma tendência descritiva, tornando-se essencialmente sincrônicas (BRITO, 2010).

Este tipo de gramática é a que orienta o trabalho dos linguistas, cuja “preocupação central é tornar conhecidas, de forma explícita, as regras de fato utilizadas pelos falantes (POSSENTI, 1996, p.64)”.

Diferente da normativa, este tipo de gramática se preocupa em descrever e/ou explicar os fatos da língua, ou seja, o seu funcionamento, ao invés de prescrever os usos da mesma, enfatizando, por sua vez, seu uso oral e suas variações.

Seu campo de atuação é mais amplo, tendo em vista que contempla a diversidade de variações da língua, não se restringindo à abordagem da variante padrão.

Isto é:

O trabalho descritivo, além de seu interesse intrínseco, é também um dos degraus necessários para conseguir essa compreensão abrangente e integrada do fenômeno da linguagem. Ele também condiciona uma parte importante do treinamento profissional dos linguistas, a saber a coleta e interpretação preliminar de dados. (PERINI, 2007, p.31)

Além do mais, a tarefa linguística não se esgota na descrição das línguas naturais, pois coloca-se a questão de investigar o que as línguas naturais compartilham em comum, por isso “um dos objetivos da teoria linguística é o de mostrar o que é que as línguas têm em comum (os “universais da linguagem”) (PERINI, 2007, p.23)”.

Mesmo delimitando um aspecto das variações linguísticas, sejam elas diatópicas, diastráticas ou diafásicas, a gramática descritiva só nos poderá oferecer uma visão aproximada da realidade e da amplitude dos fatos da linguagem, do que realmente seja o fenômeno linguístico.

2.5.3 Gramática geral

Partindo do pressuposto de que existe uma estrutura linguística geral, segundo a qual as línguas particulares são manifestadas, nasce então o interesse em investigar o que há de universal entre as línguas. Para esta indagação se busca a Gramática Universal:

La Gramática universal es la teoría general de la Gramática. La Gramática comparada manifiesta la concreción histórica de la teoría general. [...] La Gramática universal es un metalenguaje donde se explican las lenguas naturales. (ALONSO-CORTÉS, 1993, pp.299-300)

Para isso, a gramática geral opta como necessidade premente para análise de gramáticas particulares a descrição, que serve como base empírica para a elaboração de hipóteses sobre a arquitetura da gramática universal.

Alternadamente, as duas abordagens, universal e particular eram utilizadas nos trabalhos investigativos da linguística geral.

No transcurso dos séculos XV e XVI havia uma crescente atenção dedicada ao mundo natural, logo, culminou o interesse em investigar o que havia de individual e particular na linguagem. Com o despertar desse interesse pela natureza da estrutura das línguas:

Os estudiosos começaram a examinar os aspectos que diferiam de uma língua para outra. O elemento semântico, assumido como universal, foi se tornando um ponto cada vez mais pacífico à medida que os estudiosos se apercebiam da complexidade e diversidade dos aspectos físicos da língua(gem). [...] As modernas disciplinas da fonética, fonologia, morfologia e filologia histórico-comparativa emergiam todas dessa recém-sentida urgência de encontrar sistematicidade nos aspectos físicos da língua(gem). (WEEDWOOD, 2002, p.70)

Esse projeto ambicioso de investigar o que havia de comum entre as línguas, sem dúvida representou um passo importante na história dos estudos linguísticos comparativos.

2.5.4 Gramática histórico-comparativa

No século XIX e início do século XX, as gramáticas foram históricas e comparadas, em tempos dominados pela ideia de história e de evolução (BRITO, 2010). Trata-se de uma tendência que toma força na Alemanha.

Para tanto, os princípios que regiam a tradição gramatical de base grega foram abandonados pela gramática histórico-comparativa. Essa proposta, então, é considerada como o marco de uma nova ciência, a Linguística Histórica (VITULLO, 2011), já que pela primeira vez o interesse suscitado entre um grupo de cientistas por analisar as características inerentes às línguas naturais, por sua vez, era por uma observação de critérios estritamente linguísticos, e não mais filosóficos ou normativos.

2.5.4.1 Gramática histórica

Com a crescente consciência da diversidade e multiplicidade das línguas do mundo, surge então o interesse em reavaliar as relações que existem entre as línguas, e qual seria a língua original da humanidade. Havia perguntas como: seriam todas as línguas descendentes do hebraico? Ou a língua original teria se perdido em Babel? (Com base na história bíblica da Torre de Babel).

Estes questionamentos suscitaram o interesse em investigar a respeito da origem das línguas:

Cláudio Salmásio (conhecido dos historiadores por seu panfleto em defesa do rei inglês Carlos I, o que mergulharia num duelo verbal com o poeta John Milton) elaborou a teoria indo-cita, precursora da hipótese indo-europeia. Segundo essa teoria, lançada numa obra sobre o status dos dialetos gregos (De hellenistica, 1643), o latim, o grego, o persa e as línguas germânicas eram todas descendentes de um ancestral comum perdido. [...] A obra de Salmásio suscitou uma geração de cuidadosos estudos históricos e comparativos. (WEEDWOOD, 2002, p.86)

Com base nas descobertas de Salmásio (1588-1653), alguns princípios importantes foram delineados pelo erudito sueco Georg Stiernhielm (1598-1672), os quais contribuíram para o desenvolvimento da linguística histórica. No prefácio de sua edição da Bíblia gótica (1671), segundo Weedwood (2002, p.87):

Introduziu critérios para definir o parentesco das línguas, enfatizando que a mudança linguística é inevitável por causa ou da distância temporal ou

geográfica (uma afirmação que tem a drástica implicação de que não existe a mais remota chance de que a língua original da humanidade ainda possa existir em sua forma primeira), e estendeu a lista de Salmásio de línguas do tronco cita para incluir nela [...] também o que então se chamava de romances, as línguas eslavas e célticas, enquanto excluía expressamente o húngaro, o finlandês, o estoniano e o lapão.

Como é sabido, naturalmente todas as línguas mudam no curso do tempo. Nenhuma língua é capaz de permanecer intacta sem que haja passado por diversos fatores intrínsecos e extrínsecos à língua, os quais condicionam as mudanças linguísticas ao longo da história, isto é, no seu processo diacrônico natural.

A partir dessa noção de que as línguas mudam ao longo do tempo, a principal realização dos linguistas do século XIX foi colocar sua investigação científica em base mais sólida partindo para o método comparativo.

2.5.4.2 Gramática comparativa

Pode-se considerar que o ponto de partida para os estudos comparativos, no final do século XVIII, se deu a partir da descoberta do Sânscrito, antiga língua sagrada dos livros indianos, ao serem notadas semelhanças com o grego e o latim.

O próximo passo importante para o desenvolvimento de uma gramática comparativa foram as descobertas de Jakob Grimm a respeito dos sons germânicos e suas correspondências sistemáticas entre os sons do grego, do latim e do sânscrito.

Também, entre os linguistas do século XIX, Franz Bopp é um dos estudiosos que se destaca nessa época, cuja

publicação, em 1816, de sua obra sobre o sistema de conjugação do sânscrito, comparado ao grego, ao latim, ao persa e ao germânico é considerada o marco do surgimento da Linguística Histórica. A descoberta de semelhanças entre essas línguas e grande parte das línguas europeias vai evidenciar que existe entre elas uma relação de parentesco, que elas constituem, portanto, uma família, a indo-europeia, cujos membros têm uma origem comum, o indo-europeu, ao qual se pode chegar por meio do método histórico-comparativo. (PETTER, 2003, p.8)

Franz Bopp e Jakob Grimm lançaram as bases que nortearam a comparação sistemática das línguas. O primeiro é considerado o fundador da gramática comparativa do indo-europeu, enquanto que o segundo foi responsável pela constituição do que ficou conhecido como a Lei de Grimm (MARTELOTTA, 2011).

A propósito, o método comparativo é definido em palavras de Weedwood (2002, p.103) como:

Conjunto de princípios pelos quais as línguas poderiam ser sistematicamente comparadas no tocante a seus sistemas fonéticos, estrutura gramatical e vocabulário, de modo a demonstrar que eram “genealogicamente” aparentadas.

Que as línguas se assemelham em diferentes graus é um fato conhecido, e podemos pensar que, de um modo mais genérico, a maioria das semelhanças entre as línguas estão presentes no vocabulário e na estrutura.

Ao referir-se ao termo parentesco, a linguística o tem utilizado no sentido de parentesco histórico ou ‘genético’. Isso significa que, as línguas aparentadas evoluíram de alguma língua precedente comum, ou seja, pertencentes à mesma família linguística.

O método comparativo de línguas é central na investigação e recuperação da história linguística de uma família de línguas, no intuito de recuperar o máximo possível da língua ancestral (a protolíngua), indo-europeu ou protoindo-europeu, nome aplicado para referir-se à língua mais antiga (WEEDWOOD, 2002). Ademais:

As transformações que sofrem as línguas e os seus diferentes graus de parentesco explicam-se por meio de hipóteses que, como quaisquer outras hipóteses científicas, estão sujeita a revisões, como consequência da descoberta de um novo fato ou da adoção de um novo modo de conhecer, e de sistematizar, essa evidência. Por essas duas razões, a hipótese do indo- europeu tem sido continuamente modificada. (LYONS, 1979, p.33)

Segundo Martelotta (2011), embora a gramática histórico-comparativa tenha sido responsável por um grande conhecimento no que concerne à história das línguas, observando-as a partir de sua estrutura interna, essa tendência de análise gramatical não chegou a desenvolver uma teoria consistente, no que tange o funcionamento estrutural das línguas naturais.

2.5.4.3 Os neogramáticos

Na década de 1870 surge um grupo de linguistas conhecidos como junggrammatiker (“jovens gramáticos” ou neogramáticos), os quais segundo Lyons (1979, p. 28), “se julgavam revolucionários e que se orgulhavam do epíteto pejorativo que seus adversários lhes davam”.

Esses novos gramáticos lançaram “a tese de que todas as mudanças no sistema fonético de uma língua, enquanto esta se desenvolvia ao longo do tempo, estavam sujeitas à operação de leis fonéticas regulares (WEEDWOOD, 2002, p.106)”.

Em contradição com a concepção de que as línguas mudam em direção a uma espécie de envelhecimento, proposta por August Schleicher, em seu livro intitulado A teoria darwiniana e a linguística, os neogramáticos, segunda geração de comparatistas, propuseram uma visão de mudança não degenerativa, mas sim circular e constante, combatendo então a proposta de Schleicher (MARTELOTTA, 2011).

Nas últimas décadas do século XIX, influenciados pelo positivismo de Auguste Comte (1798-1857), os neogramáticos buscaram aproximar o método de pesquisa em linguística do das ciências naturais. Com isso:

Diferentemente dos comparatistas anteriores, apresentaram as leis fonéticas como processos mecânicos que não admitem exceção. Quando as leis não se dão do modo esperado, a causa está no processo de analogia, que gera, em determinadas palavras, criações e modificações. O processo analógico também era visto como um componente universal da mudança linguística em todos os períodos da história e colocava um ingrediente cultural na visão naturalista dos primeiros comparatistas. [...] Outro mecanismo utilizado pelos neogramáticos para explicar a exceção referente às leis fonéticas foi o empréstimo, ou seja, a influência de uma língua sobre outra, ou de um falar sobre outro dentro de uma mesma comunidade linguística. (MARTELOTTA, 2011, p.51)

O efeito geral das “leis fonéticas” que foram criadas, como a Lei de Grimm (1822), a Lei de Verner (1875), do linguista dinamarquês Karl Verner, assim como outras leis fonéticas foi, segundo Lyons (1979, p.30) “dar aos linguistas uma ideia muito mais clara da cronologia relativa das inovações no interior dos diferentes ramos do indo-europeu e aumentar a sua confiança no princípio da regularidade na evolução fonética”.

No final do século XIX, a tese proposta pelos neogramáticos estava aceita de modo bastante generalizado, tornando-se o fundamento do método comparativo. Além disso, “os neogramáticos, com a vigorosa exposição de suas ideias, causaram grande impacto no mundo científico da época, estimulando o desenvolvimento de importantes linhas de pesquisa linguística (ROBINS, 1983, p.155)”.

2.6 MODELOS DE DESCRIÇÃO GRAMATICAL SEGUNDO A ABORDAGEM