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CAPÍTULO II – Programas de investigação na linguística do século XX:

2.3 A gramática funcional nos anos 1970-1980

O funcionalismo foi estabelecido, e amadureceu, por causa da insatisfação do tratamento do discurso e da língua em uso por parte da gramática gerativa. Além da discórdia em relação aos modelos formais propostos no gerativismo.

Mas a história do funcionalismo como paradigma de análise da linguagem é tão longa quanto a dos programas de investigação formais (PEZATTI, p.166, 2004). Um dos traços antigos dessa tradição é a finalidade comunicativa da língua, sendo que tais ideias remontam a estudiosos anteriores a Saussure. A filiação teórica do programa funcionalista também está fortemente ligada à escola de Praga, a partir dos trabalhos produzidos na década de 1920. Na verdade, as contribuições vieram tanto de filósofos da linguagem, quanto de antropólogos e outros estudiosos que examinaram as várias funções desempenhadas pela língua nos processos comunicativos.

O funcionalismo comporta muitas perspectivas e tendências dentro de seu paradigma e, a partir da década de 1970, grupos foram formados nos Estados Unidos e no Reino Unido com alguns dos mais influentes linguistas desse movimento. Dois aspectos unem as várias correntes no funcionalismo, a oposição à linguística formalista e a preocupação com a comunicação e o lado social da linguagem (PEZATTI, 2004). Um dos pontos da discórdia se dá na natureza da explicação linguística, porque as explicações no estruturalismo e no gerativismo seriam buscadas nas estruturas linguísticas. E para os funcionalistas essas explanações devem ser encontradas no uso concreto em comunicação que as estruturas e as operações desempenham.

O ponto importante que uniu pesquisadores em torno de um programa, e em oposição a outros, é a “prioridade metodológica” que coloca a “função comunicativa” como elemento organizador da estrutura e da natureza da linguagem (PEZATTI, 2004, p. 169). Tais propriedades orientam como o estudo sobre a língua é feito na gramática funcionalista.

No funcionalismo, a interação social e a troca de informação entre falantes atuam como parâmetros explicativos acerca da natureza da língua incluída em uma teoria pragmática. As regras que governam o uso compreendem mais do que o uso correto da língua, incluem também as funções que são desempenhadas em interação verbal.

Essas noções foram desenvolvidas por vários grupos e adotadas por pesquisadores que estudavam o discurso. Halliday, trabalhando na década de 1970, fazia parte da escola de Londres (PEZATTI, 2004, p.179) e adotava a perspectiva funcional da sentença desenvolvida pela escola de Praga na década de 1920. No fim da década de 1970 (NEVES, 1997) linguistas funcionalistas colocavam as funções da atividade linguística na comunicação em discurso como essenciais e primordiais para a explicação linguística, com declarações coletivas, em simpósios organizados, de rejeição dos postulados de programas rivais.

A posição comum, desde os primeiros estudos da tradição funcionalista, passando pelas décadas de divergência acentuada na comparação com o gerativismo e a linguística formal, é a pressuposição da predominância de uma capacidade social em uso do falante de língua natural como elemento norteador para analisar a língua. As estruturas linguísticas no paradigma funcionalista são configurações de funções.

Assim, a dissidência em relação à gramática gerativa fica bem delineada na diversidade das propostas funcionalistas, uma vez que a sintaxe, nesse movimento, perde a primazia como componente central da língua, não sendo vista como autônoma, nem como a organizadora principal da língua. Ademais, há a elevação da semântica e, principalmente da pragmática de usos reais como superiores à sintaxe na busca da explicação dos fenômenos linguísticos.

As características reconhecidas como pertencentes ao funcionalismo estão ligadas às ideias dos nomes e grupos mais influentes nesse programa. Em Halliday, por exemplo, a função é o papel que a língua desempenha na vida das pessoas, refletindo suas demandas. Situado na escola britânica, onde a pesquisa foi feita sobre línguas orientais e sobre o inglês. Desse modo, o crescimento da gramática funcional está diretamente ligado à preocupação comunicativa e discursiva de seus estudiosos, com o uso social tendo precedência sobre o formalismo sintático presente no gerativismo.

A tradição funcionalista teve como lume não enxergar a língua como um sistema autônomo, e comportou como expoentes grupos influentes nos anos formativos, como a escola de Praga, a escola de Londres e o grupo da Holanda, além de linguistas que trabalhavam nessa tradição, com contribuições teóricas, partindo de instituições sem grupos grandes formados, mas se integrando à circulação de estudos funcionalistas. O traço definidor e de união desses grupos e indivíduos era associar a língua as funções comunicativas praticadas na interação social em contextos de uso.

Os estudiosos da escola de Praga são considerados pioneiros influentes para o programa de pesquisa que se definiu como funcionalista. Tal escola iniciou seus trabalhos antes da década de 1930 e ideias que derivaram crenças funcionalistas, como sobre as sentenças que seriam unidades comunicativas cumprindo funções, podem ser relacionadas aos trabalhos desses teóricos. A escola de Praga nem sempre definiu com precisão termos e funções linguísticas trabalhados por seus membros. Assim, os termos assumem diversas definições e variam entre os autores do grupo.

É por isso que, historicamente, aqueles que se preocuparam com as ações performadas pela língua, que enxergavam a linguagem como um instrumento empregado em circunstâncias concretas cumprindo funções, se alinharam com os estudos ditos como

funcionalistas, pois o programa de investigação dava uma resposta a suas aspirações acadêmicas.

Portanto, quando se une uma perspectiva pragmática e discursiva sobre a língua, com uma rejeição sobre a modularidade da capacidade linguística, tem-se o caminho aberto para uma filiação com a gramática funcionalista.

O programa funcionalista coloca uma ênfase epistemológica na pragmática, como perspectiva necessária para a pesquisa linguística. Trata-se da necessidade de se posicionar o contexto social na própria metodologia de pesquisa, opondo-se ao formalismo abstrato do gerativismo (NEVES, 1997, p.92). Os funcionalistas britânicos, por exemplo, partiam da oração completa como sequência gramatical privilegiada. Frases soltas eram vistas como constituintes e unidades escritas com separações. Era necessário considerar uma oração completa para que a língua em uso possuísse um nível informacional pleno. Assim, a construção linguística seria verificável em uma camada teórica na gramática funcionalista (NEVES, 1997, p.32).

Estudiosos das gramáticas funcionalistas apontam que há várias correntes classificadas como funcionalistas (NEVES, 1997, p.55), com teorias que são vistas como conservadoras, moderadas e extremadas. Essas classes são categorizadas de acordo com a postura em relação ao reconhecimento, ou ausência do mesmo, de uma estrutura propriamente linguística. Os conservadores mostram sua discordância com as estruturas formais, mas não apresentam alternativas. Os moderados propõe análises funcionalistas em oposição às formalistas e os extremados rejeitam a ideia de estrutura linguística, derivando as regras do uso das funções sociais.

As filiações da teoria gramatical de Halliday passam pelo trabalho de John Rubert Firth, pelos estudos antropológicos de Malinowski e Whorf e o funcionalismo da escola de Praga (NEVES, 1997, p.59). O autor fornece uma visão panorâmica de sua teoria na introdução a obra An introduction to Functional Grammar de 1985, com suas principais proposições e premissas teóricas, bem como o que rejeita da tradição formalista, elencando o que se opõe o programa funcionalista.

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