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Este indício tem um papel fundamental quando a violação do bem jurídico não surge como absolutamente segura mas sim como mais ou menos provável.

De acordo com ROXIN, quem, para evitar um dano que seguramente se produzirá se não atuar, leva a cabo uma ação salvadora que só em pequena medida põe em perigo outro bem jurídico, prosseguirá em regra o interesse substancialmente preponderante. Mas este será sobretudo o caso quando, para fazer face a um perigo concreto de uma certa importância, seja aceite a produção somente de perigos abstratos.

Assim, a corrida de uma ambulância que ponha de algum modo em perigo a vida de um transeunte, sob a forma de negligência (art. 291º/2), pode porventura justificar-se se ela transporta um ferido grave, cujo tratamento é urgentíssimo, mas seguramente já não se o ferido tem apenas umas escoriações ligeiras ou mesmo uma perna previsivelmente partida.

69 - Sensível Superioridade do Interesse

Com uma redução objetivista do conceito, interesse deve ser aquilo que se entende e reconhece como tal, sendo, por isso, juridicamente protegido.

Existe aqui uma acentuação subjetivista conexionada com o conceito de interesse, de forma a que a importância do dano não possa ser desligada da sua relevância para o lesado, desde que corresponda a um interesse juridicamente protegido.

O conceito de interesse possibilita uma dimensão subjetivista do dano que leva a uma redefinição do conteúdo dos bens jurídicos e do dano objetivo.

MFP suscita a questão de saber se o confronto dos interesses exige uma especial (quantitativa ou qualitativa) superioridade de um dos interesses ou a expressão “sensível” tem somente um significado processual, i.e., de indicar que a maneira pela qual se chega à conclusão de que um interesse é superior a outro é através de um processo de apreensão pelos sentidos (a referida superioridade só existira se fosse sensível, porque só nesse caso poderia ser conhecida).

Surgem então, como alternativas que encerram um problema de construção da ilicitude:

a) A justificação baseia-se num princípio utilitarista de mera realização do interesse mais valioso numa perspetiva social;

b) A justificação pretende realizar aquele entre os interesses que não só é mais valioso do que o que lhe opõe, como também surge como essencial, i.e., cuja lesão implica danos difíceis ou impossíveis de suportar.

o MFP: o significado da diferença sensível é, obviamente, o da seleção de um certo tipo de fatores de ponderação, orientados não por pontos de vista estritamente de ordem (interesse do legislador) mas por pontos de vista que correspondam a uma normal sensibilidade aos valores (cultural e socialmente determinada).

• Apreensível pelos sentidos – qualquer pessoa consegue conceber/representar; não é só uma diferença compreensível por qualquer pessoa e sim uma diferença justificada pela ordem jurídica constitucional – superioridade indiscutível nos termos da hierarquia de valores constitucionais.

o FD: o que a lei se propõe, ao exigir esta superioridade sensível não é só que o interesse salvaguardado se situe muito acima do interesse sacrificado, mas que a justificação ocorra apenas quando é clara, inequívoca, indubitável ou terminante a aludida superioridade à luz dos fatores relevantes de ponderação.

3- Cláusula da limitação pela dignidade humana / autonomia pessoal do lesado (art. 34º/c)) Casos em que o bem jurídico ofendido é de caráter eminentemente pessoal – pode ser justificado mediante certas ponderações. Ex: C é forçado, sem prejuízo para si, a doar sangue pois é a única pessoa com o tipo de sangue que salva D. É inadmissível, devido ao pequeno perigo ou mesmo ausência de perigo para C, invocar a violação da autonomia pessoal de C ou, nos termos do art. 34º/c), da irrazoabilidade de impor ao lesado o sacrifício do seu interesse para salvar a vida de outrem.

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A possibilidade de impor sacrifício ao lesado significa que o lesado não pode estar numa posição que é insuportável:

a) Se fosse insuportável, este poderia exercer legítima defesa. b) Tem de haver uma diferença entre os interesses.

c) Só é razoável impor ao lesado se tal não colidir com a dignidade da pessoa.

Problema de vida contra vida:

Haverá alguma vida que valha mais ou, estando duas em perigo, não se salva nenhuma?

Este tema é sujeito a dúvidas e discussões morais.

o Caso do homem gordo – homem gordo está entalado num buracão que constitui a saída de uma caverna, não podendo sair nem podendo deixar os outros acompanhantes fazê-lo, pelo que o caso só se resolve com uma explosão que liberte a saída da caverna, estoirando simultaneamente o homem gordo.

o Caso do balão de ar quente – estão dois homens num balão e se um não saltar, morrem ambos, sendo impossível salvarem-se os dois.

FD levanta a questão de saber se o sacrifício da vida humana de pessoa já nascida deve entrar na ponderação própria do estado de necessidade justificante ou, pelo contrário, dela ser pura e simplesmente excluída.

o MFP: Existem ideias de justiça que nos levam a “tomar partido”, de certo modo, em situações de conflitos entre vidas, permitindo, em certos casos, uma argumentação jurídica, que conduz à necessidade de identificar uma causa de justificação.

Ora, a doutrina dominante é a de que a vida é um bem jurídico de valor incomparável e insubstituível, que ocupa um primeiro e indisputável lugar na hierarquia dos bens jurídicos, não havendo legítimas diferenças qualitativas entre o valor de vidas humanas (criança/velho; rico/pobre; saudável/doente) nem pode haver ponderações quantitativas pois uma vida vale exatamente o mesmo que todas as outras.

Em caso de vida contra vida, deve assentar-se o princípio da imponderabilidade da vida para efeito do estado de necessidade justificante. Ex: não é estado de necessidade quando um agulheiro desvia um comboio de uma linha, que ia embater noutro comboio cheio de passageiros, para outra linha onde estão 2 trabalhadores que são esmagados. Não é, na senda do utilitarismo, a “utilidade” que aqui está em causa, mas sim o valor “ético” da preservação da vida dos outros.

Tendo em conta que o Estado de Necessidade não se aplica a conflitos entre puros bens jurídicos mas sim no quadro mais complexo dos interesses conflituantes da situação global, a única forma de por o problema é: no contexto complexo da situação global, será possível descortinar casos em que o interesse na

71 ➢ Alguma doutrina entende que há casos desses:

• Comunidade de Perigo – quando, havendo várias pessoas, todas elas colocadas numa situação comum de perigo para a vida, se sacrifica uma ou algumas delas como única e adequada forma de impedir que outra ou outras pereçam. Ex: caso dos náufragos (em que só há espaço para um), ou caso do bote (em que praticam canibalismo)

o FD: a comunidade de perigo não pode, em si e por si mesma, justificar o facto que sacrifica alguma ou algumas vidas para salvar outra. Tal só pode acontecer em casos em que, se não atuar, o destino determina também a sua destruição – há estado de necessidade quando a proteção de bens jurídicos (que ainda podem ser salvos) prepondera notoriamente sobre o “interesse” de deixar o destino seguir o seu curso destruidor. Ex: caso dos montanhistas em risco de cair e presos por uma corda; se A não cortar a corda (que faz com que B caia), ele também irá cair (porque a corda não aguenta tanto peso). o MFP: mesmos nestes casos, a admitir a exclusão da ilicitude, nunca será por

direito de necessidade, mas sim por uma causa de justificação supralegal. Não há aqui um interesse sensivelmente superior, pelo que continuará a haver insuportabilidade da não defesa por parte do lesado, pelo que aqui poderia haver causa de justificação contra causa de justificação (poder-se-ia defender, por exemplo, por legítima defesa).

É duvidosa a solução dos casos, como direito de necessidade, em que a salvação de algumas vidas implica o exercício do direito do mais forte ou a escolha da vida a ser sacrificada face às outras a serem salvas. Ex: caso dos náufragos (em que só há espaço para um, o que nadar melhor e chegar primeiro), caso do bote (em que 2 praticam canibalismo sobre 1).