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2. PROVAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

4.2 GRAVAÇÕES DE OCORRÊNCIAS E O ATO 781 DO COMANDO GERAL DA

Não alheia a esta crescente realidade, a saber, o uso de câmeras por policiais militares durante o atendimento de ocorrências, equipamentos que são na maioria das vezes adquiridos pelos próprios policiais, em que pese a própria instituição estar buscando adquirir os seus próprios equipamentos (SANTA CATARINA, 2018). Assim, a PMSC editou o ATO 781, que definiu alguns procedimentos a serem observados pelos policiais militares no

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atendimento de ocorrência, definiu o destino das gravações e a responsabilidade pelo fornecimento e armazenamento do material gravado (SANTA CATARINA, 2018).

Já no seu art. 1º, o ATO 781 definiu que tipos de gravações podem se utilizar:

Art. 1º No exercício da atividade de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública a Polícia Militar poderá realizar a gravação de imagens, acompanhadas ou não de sons, por meio de:

I - Câmeras de videomonitoramento; e,

II - Câmeras policiais individuais (SANTA CATARINA, 2018).

Importa compreender que há uma distinção entre vídeo monitoramento e câmeras individuais, sendo que nesta não há um acompanhamento ao mesmo tempo em que é gravado por um outro terceiro, enquanto naquela isto já é possível, pois além de gravar, permite a um superior orientar o seu subordinado no momento do atendimento.

O art. 3° do mesmo ato deixa clara a finalidade da gravação:

Art. 3º A gravação de imagens das interações com os cidadãos, por meio de câmeras policiais individuais, fixadas de forma aparente na farda, destina-se a:

I - Formação de elementos de prova para eventual instrução de procedimento penais, civis e/ou administrativos;

II - Proteção dos policiais militares nos casos de falsa acusação;

III - Aumentar a transparência e a fiscalização das ações policiais e do uso da força [...] (SANTA CATARINA, 2018, p. 3, grifou-se).

Desta forma, a PMSC entendeu que as gravações ambientais geradas policiais nos atendimentos de ocorrências geram elementos que podem servir para a produção de prova no processo penal. Diante disso, sabendo que não é simplesmente deixando o policial com uma câmera, determinando que este grave os atendimentos de ocorrências, o próprio ATO 781, em seu art. 14, estabeleceu o POP 505 (SANTA CATARINA, 2018), no qual está inserido orientações para que o policial siga no momento em que utilizar a câmera, para que estas filmagens possam ser utilizadas como provas lícitas em processo penal.

O POP 505 determina ao policial responsável pela gravação ambiental que:

Nos atendimentos de ocorrência policial:

I. acionar o modo gravação do equipamento no momento do deslocamento (J9) para a ocorrência policial;

II. Deixar o equipamento em modo gravação durante todo o atendimento da ocorrência;

II. Iniciar o atendimento da ocorrência informando aos presentes que a ocorrência está sendo gravada: “Senhor (a), esta ocorrência está sendo gravada por câmera policial” (SANTA CATARINA, 2018, grifou-se).

Desta forma, há uma preocupação da corporação PMSC em informar ao cidadão que a ocorrência está sendo filmada. Isso se dá por alguns motivos, sendo: aumentar a transparência do serviço policial militar; melhor comportamento do policial e do cidadão, pois

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estudos mostram uma grande diminuição do uso da força em ocorrências; cidadãos conseguem valer-se das gravações ambientais em processos de ações privadas; treinamento de outros policiais em instruções com as filmagens geradas; provas em processos penais, etc. (SILVA; CAMPOS, 2015).

Mas não somente isso, percebe-se que no momento em que o policial avisa que a ocorrência está sendo filmada, o cidadão fica sabendo que começa a correr o risco de produzir provas contra os policias e principalmente contra si mesmos. Desta forma, o Estado de Santa Catarina oportuniza ao cidadão, que está envolvido em um ocorrência policial, o direito ao

nemo tenetur se detegere, pois se este não soubesse que a ocorrência estaria sendo gravada

acabaria produzindo provas que poderia escolher não produzir. Com isso, tudo o que ele falar, poderá ser utilizado contra si mesmo, pois decidiu produzir provas, ainda que contra si mesmo.

No entanto, isso parece ponto pacífico, pois uma vez que o cidadão sabe que está sendo filmado, será consequência lógica que este adotara uma conduta a não produzir provas. O grande problema é quando não for possível avisar ao cidadão que ele será filmado. Isso acontece devido a complexidade do serviço policial, pois há situações em que a prática delitual está em andamento e a rápida intervenção estatal se faz necessária a fim de se evitar um mal maior, como é o caso, por exemplo, dos crimes tentados contra a vida.

Com relação a este ponto específico, a POP 505 prescreveu a seguinte conduta para os policiais que estejam no atendimento de ocorrência, para os momentos em que não se pode avisar ao cidadão que a ocorrência esteja sendo filmada:

Se tal procedimento na ocorrência representar risco indevido ao policial, gerar risco de morte a outrem ou for inadequado dadas as circunstâncias, por demandar resposta imediata do policial militar (uso de força, prisão de agente) não sendo possível a verbalização inicial, após a contenção da ocorrência, deverá ser informado as partes que a ocorrência está sendo gravada (SANTA CATARINA, 2018, grifou- se).

Há uma nítida preocupação da corporação com as gravações ambientais geradas em atendimento de ocorrências. Mesmo quando elas se apresentam em caráter clandestino, ou seja, o cidadão não sabe, devido a urgência do atendimento, que a ocorrência está sendo gravada, tornar-se-á não clandestina imediatamente após os policiais conseguirem conter o evento que gerou a violação da ordem pública, ou mesmo uma fundada suspeita que fez os policiais decidirem pela abordagem.

Essa preocupação se justifica pelo fato de que as gravações sejam utilizadas como provas em processos penais, civis e administrativos. No entanto, o princípio da

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autoincriminação exige que o cidadão saiba que a ocorrência esteja sendo filmada. Por outro lado, o dever do estado, consoante a regra constitucional do art. 144 (BRASIL, 1988), é o de garantir a preservação da ordem pública, situação esta que inviabilizará o aviso do policial de que a ocorrência esteja filmada.

Esta questão pode ser resolvida pelo princípio da proporcionalidade, tornando a prova lícita, mesmo sem o aviso policial, pois nenhum cidadão pode alegar o desconhecimento da lei, e isso serve para um direito constitucional que ele tenha, a saber, o de permanecer calado.

As gravações ambientais clandestinas já foram enfrentadas pelos tribunais superiores, e passaremos a ver como caminha a jurisprudência nesse sentido.

4.3 GRAVAÇÕES AMBIENTAIS CLANDESTINAS EM ATENDIMENTO DE

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