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4.2.2 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA E CONTRACEPÇÃO A grande preocupação das equipes com as mães e as crianças é

conseqüentemente passada para as jovens. Nessa idade não é bom, na visão da equipe, engravidar. Assim, as atenções se voltam para evitar a gestação sempre num discurso normativo. Uma das médicas, ao passar na rua quando estava fazendo visitas, vê duas meninas na calçada de uma casa brincando de bonecas. Ela comenta.

“Essas meninas ficam brincando de boneca depois vai querer ter filho cedo. Devia ser proibido brincar de boneca. Deviam brincar de escola para ver se tomam gosto pelo estudo”.

Desconsiderando as diferentes oportunidades decorrentes do estudo das camadas médias e das mais desfavorecidas, a fala dessa médica reflete uma total falta de compreensão dos motivos que, muitas vezes, levam as adolescentes a engravidar.

De acordo com Scott (2001) a gravidez diversas vezes é desejada pelas jovens como forma de ganhar mais independência e responsabilidade sobre si próprias, estabelecendo as relações familiares num novo patamar com uma aceitação diferente da filha, mais plena, como adulta. E a chegada desse primeiro filho não quer dizer necessariamente que elas desejam se casar, o que poderia restringir a liberdade que elas conseguem ganhar ficando na casa dos pais.

O próprio uso de métodos contraceptivos envolve outras questões que muitas vezes os profissionais de saúde desconsideram. Em primeiro lugar quando um jovem passa a utilizar sistematicamente métodos contraceptivos é porque ele já assumiu internamente que as atividades sexuais fazem parte da sua vida. Freqüentemente os jovens se referem às relações como algo “difícil de segurar”, “coisa de momento”, que escapa ao controle. Tanto a iniciação sexual quanto o aprendizado e o domínio da contracepção possuem um caráter processual (Brandão, 2004, Barros, 2002).

Em segundo lugar, como afirma Brandão num estudo com jovens no Rio de Janeiro, a atenção que os jovens dão à adoção de medidas

contraceptivas ou de proteção às doenças sexualmente transmissíveis varia de acordo com circunstâncias específicas. Em relacionamentos mais duradouros não usar os métodos pode representar uma negociação sobre o significado da relação com compromisso, confiança, intimidade e afeto, e não falta de responsabilidade. Além disso, as representações culturais das pílulas anticoncepcionais, método por excelência no posto, não permanecem, entre as mais jovens, com o espírito de contestação e liberdade. O que sobressai para as adolescentes é a visão da pílula como algo que faz mal à saúde, engorda ou deforma o corpo (Brandão, 2004).

É na adolescência, época da afirmação social da identidade e da consolidação da orientação sexual (Barros, 2002), que o serviço de saúde tenta atrair os jovens na tentativa de fazê-los seguir os valores morais da heterossexualidade e de gravidez “no momento certo”. O próprio nome “Planejamento Familiar” transmite essa lógica da sexualidade associada à reprodução e à família. Os usuários rebatizam a ação com um nome muito mais adequado à realidade “distribuição de remédio”. E é quase a isso que se limita, distribuir os “remédios”, pílulas anticoncepcionais, e camisinha, sendo que esta falta com uma freqüência bem maior.

Evitar gravidezes é uma constante no posto de saúde para as mulheres em idade fértil. Parte-se do princípio de que é preciso ter poucos filhos para cuidar bem deles. Esse modelo de família de que fala Serruya (1996) é amplamente difundido no serviço de saúde. As agentes de saúde se orgulham quando tem poucas gestantes na área, sinal de que o trabalho está sendo bem feito, da equipe como um todo e delas que estão sempre nas casas garantindo que as mulheres cheguem no posto.

Neste sentido são feitos muitos esforços para garantir que as mulheres evitem filhos, colaborando com a idéia de são elas as únicas responsáveis pela gravidez. No caso das jovens esse problema é ampliado.

Se a demografia contribuiu para a difusão da velhice como um problema, teve colaboração semelhante no caso da gravidez na adolescência. A fecundidade preocupa os demógrafos porque tem influência na vida reprodutiva futura, pois a mulher que começa a vida reprodutiva mais cedo tem mais chance de terminá-la com uma fecundidade elevada. Alem disso, a

gravidez na adolescência onera o serviço de saúde, sendo o parto a primeira causa de internação em mulheres de 10 a 14 anos (Castro, Abramovay e Silva, 200415).

Assim, conscientes das críticas dos serviços de saúde diante da gravidez, muitas jovens escondem das agentes de saúde quando engravidam. A própria pesquisadora acompanhou alguns casos nos quais as adolescentes se escondiam e as agentes descobriam a gravidez graças aos vizinhos.

Mas se há o intuito de evitar a gravidez das jovens há também a percepção de que isso não é uma tarefa simples. Pois os jovens teriam “digamos assim um despertar sexual precoce.”

... porque você tá ali num quarto/sala tem três quatro meninos de oito, nove, dez, onze, doze anos. De noite tá o pai a mãe se beijando se abraçando, falando, conversando, explicando. / Se é que tem beijo e abraço, às vezes é só os finalmente, porque beijo e abraço é carinho. / É, é, é, pronto. / Ah é. Pior que é. / Então, quer dizer, ele fica já atentando pra aquilo ali. Num é um desenvolvimento sexual, não é a libido mas é a curiosidade. / Instinto./ Porque a gente tem o instinto e tem a parte do da consciência né, eu acho que o que segura um pouco... / A consciência. / É, justamente, a parte do pudor e a questão da importância da virgindade, tal que eles devem perder. Pudor, troca de roupa na frente de todo mundo como é que vai ter? / Então é, pudor já não tem importância. Virgindade não se fala nisso nessa área. / É diferente de uma criança que o casal o casal tem lá o seu quarto, entra, fecha a porta tudo direitinho o menino ta no quarto dele. (Grupo de discussão médicos).

É perceptível aí a idéia de promiscuidade entre os pobres que levariam quase inevitavelmente à gravidez. Acredita-se que as pessoas não têm pudor e o maior sinal disso é que a virgindade é algo sem importância.

Assim, é interessante é o inicio da vida sexual né. Que pegamos meninas com 15,14 e 13 que vai acompanhada da mãe, para as reuniões do planejamento familiar / Na minha família eu não tive essa liberdade pra iniciação sexual tão cedo né, e passar educação pra elas. Eu só vejo a mãe que tem uma filha com 13 anos (...) na iniciação sexual na maior naturalidade (Grupo de discussão enfermeiras).

De certa forma animalizam os pobres como iniciando a vida sexual por instinto, em contraposição à classe média que é controlada pela consciência.

15 Segundo a Organização Mundial de Saúde a adolescência é a faixa compreendida dos 10

aos 19 anos. É considerada gravidez na adolescência aquela ocorrida até os 20 anos incompletos. (Castro, Abramovay e Silva, 2004).

Entretanto, essa idéia da aparente “liberação” sexual dá provas de que não chega a corresponder à verdade.

4.2.3 - O OUTRO LADO DA MOEDA: QUANDO O PERTO