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2 EJA: DA HISTÓRIA CONSTRUÍDA ÀQUELA QUE SE CONSTRÓI SOB

2.3 GRUPO FOCAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O grupo focal consiste na reunião de um conjunto de pessoas selecionadas de acordo com critérios voltados ao desenvolvimento de uma pesquisa com o objetivo de discutir um determinado tema. Na decorrência da(s) sessão(ões), essas pessoas voltam-se à discussão de temáticas do intento da investigação, porém diretamente relacionados com suas experiências pessoais (POWELL e SINGLE24, 1996, apud GATTI, 2005).

Assim, ao buscarmos identificar a representação social que os professores possuem do ―ser professor da EJA‖, percebemos a possibilidade de iniciar a investigação aproximando- nos deste fenômeno através das ideias que esses professores apresentam acerca da EJA enquanto modalidade de ensino e do que conhecem a respeito desta. Para isto, utilizamos o grupo focal, acreditando que a interação entre os participantes, proporcionada por este procedimento, permite que sejam expostas opiniões pessoais sobre o assunto abordado, mas, também, refutações, complementos, ampliações, sugestões, de modo que a relação estabelecida em seu desenvolvimento favorece ao pesquisador identificar, de forma abrangente, a maneira como pensam e se posicionam os participantes em relação ao tema sugerido. Como explica Gatti (2005), ―os grupos focais são particularmente úteis ‗quando se quer explorar o grau de consenso sobre um certo tópico. [...] quando se quer compreender diferenças e divergências, contraposições e contradições‘‖ (p.10).

Ao tratar da importância desse procedimento no desenvolvimento de pesquisas qualitativas, a autora acrescenta que seu uso

[...] permite compreender processos de construção da realidade por determinados grupos sociais, compreender práticas cotidianas, ações e reações a fatos e eventos, comportamentos e atitudes, constituindo-se uma técnica importante para o conhecimento das representações, percepções, crenças, hábitos, valores, restrições, preconceitos, linguagens e simbologias prevalentes no trato de uma dada questão por

24 POWELL, R. A.; SINGLE, H. M. Focus groups. International Journal of Quality in Health Care, v.8, n. 5, 1996. p. 499-504.

pessoas que partilham alguns traços em comum, relevantes para o estudo do problema visado. A pesquisa com grupo focal, além de ajudar na obtenção de perspectivas diferentes sobre uma mesma questão, permite também a compreensão de ideias partilhadas por pessoas no dia a dia e dos modos pelos quais os indivíduos são influenciados pelos outros (p.11).

A concepção que os professores possuem sobre a EJA retrata uma realidade que, apesar das formas distintas com que cada um se integrou ao contexto desta modalidade de ensino enquanto espaço de atuação profissional, remete a uma temática comum a todo o conjunto desses professores. Assim, apreciar uma discussão acerca da EJA por um grupo de docentes nela atuantes significa identificar, além das percepções individuais expostas, a maneira como os demais participantes reagem e se colocam sobre estas exposições, com o que corroboram e do que discordam, destacando, com isto, uma visão mais ampla a respeito das descobertas necessárias à pesquisa.

É importante considerar que o grupo focal não se constitui em uma entrevista coletiva, portanto, não se restringe à exposição de questões a serem respondidas para o pesquisador, mas a um momento de trocas efetivas no grupo. O papel do pesquisador consiste no direcionamento da técnica, criando condições para que a discussão flua, para que os participantes se situem e exponham suas perspectivas, não devendo, nesse contexto, opinar sobre ou criticar as falas emanadas. Além disso, o assunto abordado na pesquisa deve ser informado de maneira vaga ao se iniciar a sessão, para que não se elaborem ideias prévias sobre as considerações a serem feitas no decorrer desta (GATTI, 2005).

De acordo com a autora25, o grupo deve ser composto baseado em características homogêneas dos participantes, porém, com variação suficiente para que opiniões diversas possam aparecer. A este respeito, Kitzinger26 (1994, apud Gatti, 2005, p.39-40) coloca: ―a diferença entre participantes também permite observar não só como as pessoas teorizam sobre seu próprio ponto de vista, como também a maneira como o fazem em relação a outras perspectivas e como põem suas próprias ideias ‗para trabalhar.‘‖ Ademais, na composição do grupo, o pesquisador deve sempre levar em conta opiniões que se associem à pesquisa. Para tanto, recomenda-se contar com um número entre seis e doze pessoas, a fim de que não haja dispersões ou dificuldades de participação com grupos muito extensos ou limitação nas discussões em virtude de um número restrito de partícipes. É importante, ainda, que se faça

25 Op. cit., idem

26 KITZINGER, Jenny. The methodology of focus groups: the importance of interaction between research participants. Sociology of Health and Illness, v. 16, n. 1, 1994.

inicialmente um registro de algumas características dos participantes, para melhor precisar quem foram os componentes do grupo.

Para que o procedimento transcorra de forma coerente com os objetivos da investigação, mostra-se importante que o pesquisador elabore previamente um roteiro com os tópicos a serem evidenciados27. Entretanto, a flexibilidade deve ser um aspecto essencial a ser considerado, tanto na ordem de abordagem desses tópicos, quanto nos acréscimos ou supressões que se façam necessários ao longo das discussões. Cada sessão deve ter uma duração mínima de uma hora e meia e máxima de três horas, visando-se evitar posicionamentos muito sintéticos ou saturações. Em conformidade com a pesquisa, podem acontecer uma ou duas sessões – ou mais, dependendo da subcultura grupal – e todo o proceder deve ser devidamente registrado em aparelho de áudio para posteriores transcrições e análises (GATTI, 2005).

Em relação às análises, Gondim28 (2002, apud GATTI, 2005, p.43) orienta que o foco ―são as opiniões surgidas a partir do jogo de influências mútuas que emergem e se desenvolvem no contexto dos grupos humanos.‖ Assim, não existe um modelo único e acabado para que se realize a análise dos dados oriundos dos grupos focais. A busca dos significados constantes desse material vincula-se à ―formação do pesquisador, ao seu estofo teórico e a sua criatividade‖ (p. 46).

Os pesquisadores procuram verificar quanto ao tema e quanto aos tópicos abordados, agrupamentos de opiniões, comparando e confrontando posições, extraindo significados das falas ou de outras expressões registradas, analisando a vinculação desses agrupamentos com variáveis contempladas na composição do grupo (GATTI, 2005, p.47)

Deste modo, é possível observar uma relativa liberdade quanto ao método a ser empregado para a análise do material sobrevindo do grupo focal, cabendo, portanto, ao pesquisador, com base no encaminhamento da investigação e no arcabouço teórico nela empregado, definir o que melhor corresponde a sua finalidade. A partir desta consideração, optamos, no presente trabalho, por adotar a análise de conteúdo (BARDIN, 1977) como meio para a interpretação das falas dos professores participantes desta pesquisa, remetendo-nos as

27 Explicitamos o roteiro por nós construído no item 1.5, páginas 54-55, quando discorremos sobre a realização do procedimento em nosso trabalho.

28 GONDIM, Sônia M. G. Perfil profissional e Mercado de trabalho: relação com formação acadêmica pela perspectiva de estudantes universitários. Estudos de Psicologia, Natal, v. 7, n. 2, 2002.

duas funções que abarcam esta análise: a função heurística e a função de administração da prova. A primeira consiste na tentativa exploratória, na propensão à descoberta. ―É a análise de conteúdo ‗para ver o que dá‘‖ (p. 30); e a segunda, em hipóteses levantadas que servem de diretrizes, apelando para ―o método de análise sistemática para serem verificadas no sentido de uma confirmação ou de uma infirmação. É a análise de conteúdo ‗para servir de prova‘‖29.

Assim, este será o método de análise a ser utilizado tanto neste momento, para os dados resultantes do grupo focal, quanto posteriormente, quando nos reportaremos àqueles advindos do PCM. É a respeito deste método de análise, portanto, que nos deteremos em seguida.