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3 DELINEANDO PASSOS A DESCRIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS

4.3 PCM: REFLETINDO SOBRE OS RESULTADOS

Tomando como referência toda a discussão empreendida no presente capítulo, confirma-se, portanto, a inexistência de uma representação social sobre ―ser professor da EJA‖ para os participantes desta investigação. Apesar dos professores encontrarem-se imersos no trabalho com esta modalidade de ensino, não se sentem vinculados a ela. São, antes, professores generalistas, e como tais, voltam-se ao ensino daqueles alunos para os quais foram preparados, com os quais sabem lidar, aos quais sabem o que ensinar, ou seja, as crianças.

Assumirem-se professores da EJA significa admitir uma relação estreita com esta modalidade e com tudo aquilo que a envolve, inclusive os alunos e toda a imagem ―negativa‖ que os acompanha ao longo da história. De acordo com Sá (1998, p.50), só existe uma representação social quando o ―objeto se encontra implicado, de forma consistente, em alguma prática do grupo, aí incluída a da conversação.‖ Nesta perspectiva, as críticas e o desprestígio que abrange o título de ―professor da EJA‖, bem como a caracterização de seu alunado – inclusive no próprio meio escolar e dentre os companheiros de profissão –, torna significativa uma atitude de não apropriação do ―objeto‖ de que trata o autor, neste caso, o ―ser professor da EJA‖, e de tudo aquilo que a ele se refere, incluindo-se aí conversações, divulgações ao seu respeito. É preferível, tranquilo e mais confortável com a relação no grupo apenas ―ser docente‖.

Essa identificação condiz com o que Bauer (2007) define como função da resistência. Nas palavras do autor:

as RS [representações sociais] são a produção cultural de uma comunidade, que tem como um de seus objetivos resistir a conceitos, conhecimentos e atividades que ameaçam destruir sua identidade. A resistência é uma parte essencial da pragmática das Representações Sociais. Sob esta luz, a resistência é um fator criativo, que introduz e mantém heterogeneidade no mundo simbólico de contextos inter-grupais. A função da resistência pressupõe uma segmentação social em diferentes subculturas, que mantêm sua autonomia resistindo às inovações simbólicas que elas produziram (p.229).

Nesse sentido, diante da ideia de negatividade que demarca o contexto da EJA, o grupo de professores, tendo estabelecida uma identidade enquanto ―docentes‖, resiste à condição de assumir conceitos e práticas que possam quebrar essa situação e, assim, ao invés

da construção de uma representação social sobre ―ser professor da EJA‖, esses profissionais, sob a condição de resistência descrita pelo autor, acatam informações, saberes específicos correspondentes a esta modalidade de ensino e os integram em seus próprios construtos, mantendo, deste modo, a unidade simbólica do grupo. Apoiando-se nas palavras de Moscovici (1978), Andrade (2003, p.163) afirma que a função da resistência surge ―quando para ancorar um objeto à rede representacional existente, [o grupo] fragmenta-o, combina-o, reapropria-se dele de forma a extinguir o perigo da fratura na identidade coletiva, quando a comunicação conflita-se com as regras que um grupo social construiu para si.‖

A inexistência de uma representação social sobre ―ser professor da EJA‖ para o grupo de docentes atuantes nesta modalidade de ensino mostra-se, portanto, confirmada, sobretudo, por essa função da resistência que define a representação social do ―ser docente‖. Ao invés da construção daquela representação social, o grupo agrega um construto de saberes advindo da EJA por meio das comunicações e circulação das informações no domínio público (ANDRADE, 2003) e o transforma – representação social de aluno da EJA –, adaptando-o aos esquemas e práticas já estabelecidas. Deste modo, atende às novas solicitações sem, contudo, destituir o que já se encontra coletivamente estabelecido. Assim, encontra-se sedimentada a representação social do ―ser docente‖ e destituída a ideia do ―ser professor da EJA‖ enquanto objeto representacional para o grupo de professores participantes desta investigação.

Esta realidade evidencia um novo direcionamento alcançado por este trabalho. Ao iniciá-lo, visávamos encontrar a representação social que o grupo de professores dele participante possui sobre ―ser professor da EJA‖, mas a análise realizada sobre o material empírico nos mostrou que, apesar de encontrarem-se atuando diretamente com a modalidade de ensino tratada, esses profissionais não lidam com esse objeto. Ele é inexistente para eles. Em contrapartida, confirmam a existência de uma representação social sobre ―ser docente‖ e, além disso, revelam a construção de uma representação social sobre o ―aluno da EJA‖.

Para essas definições, alguns fatos se mostraram contundentes: na confirmação da primeira representação social, a presença de elementos nas justificativas dos participantes que foram, insistentemente, revelando a docência em uma visão generalista em detrimento desta atuação na especificidade da EJA; em relação à segunda representação social identificada, a persistência do fenômeno ao longo desta investigação – em todos os procedimentos utilizados –, como elemento central e sempre recorrente nos discursos dos participantes. Sabendo que a análise de conteúdo impulsiona a aprofundar o olhar exatamente sobre aqueles aspectos ocultos, latentes nos enunciados (BARDIN, 1977), percebemos a intensidade com que a ―figura‖ do aluno da EJA se fez presente nas falas, despontando como causa primeira de

qualquer abordagem referente à docência nesta modalidade. Ainda que os encaminhamentos direcionassem para ―o professor‖, os discursos desviavam-se sempre para ―o aluno‖.

Confirmamos, com isto, a condição tratada por Sá (1998) quando diz do aparecimento de uma representação social que, de imediato, não nos parece um fenômeno de tamanha significância para o grupo, mas, no desencadear dos estudos, é ele quem acaba despontando com bastante veemência. Em vista das constantes discussões e inquietações dos professores voltadas à ―docência na EJA‖, inferíamos que este figurava o fenômeno a ser estudado neste grupo, entretanto, por trás dessa aparente situação, os processos de comunicação, conversação, centravam-se em uma ideia sobre outro objeto a ele referente e, como constatado, psicossocialmente constituído, traduzindo-se no ―aluno da EJA‖.

Considerando ambas as representações sociais então definidas, podemos localizar nossa investigação no campo de pesquisa nomeado por Wagner (1998) como ―imaginação cultural‖, pois recorre a objetos com uma longa história estabelecida. De acordo com o autor: ―representações sociais de objetos culturais constituem basicamente um conhecimento declarativo. Elas delimitam objetos e entidades, estruturam suas características e fixam seu sentido em contextos sociais‖ (p.7). No caso desta investigação, tanto a definição do docente, de suas práticas, de sua imagem encontra-se estabelecida para o grupo de professores, fazendo com que se sintam parte desta condição, quanto a figura do ―aluno de EJA‖ constitui algo presente, que marca firmemente a referência a esta modalidade de ensino, inclusive atrelando- o a fatos históricos desta modalidade, a definições de seu passado.

Neste momento, tendo em vista todas as constatações então enaltecidas ao longo deste contexto, podemos dizer que não apenas o ―ser professor‖ nessa modalidade de ensino, mas a própria EJA figura um elemento de ―não lugar‖ no universo simbólico dos professores que nela atuam, estando atrelada a fragmentos de informações e representações distintas que a perpassam. No instante de a ela se remeterem enquanto modalidade de ensino é a representação social de ―aluno da EJA‖ quem emerge para os participantes, importando características e concepções que envolvem este aluno; e, quando a referência se dá ao ―ser professor da EJA‖, a especificidade demarcatória da modalidade se oculta, cedendo espaço unicamente aos elementos conhecidos da ―docência‖.

É importante destacar, entretanto, que enquanto guias de ação, marcos referenciais dos grupos, as representações sociais então construídas pelos professores não se constituem em algo permanente, estabelecido. Pela característica psicossocial que apresentam, elas trazem as marcas dos contextos sociais em que se constroem. Assim, uma vez que estes contextos mudem, alterações significativas podem também ser sofridas por aquelas. Nesse sentido, a

ocorrência de mudanças que atinjam a forma como os professores concebem a EJA e todos os aspectos que a ela se associam poderá, igualmente, resultar em outro cenário e, junto a ele, outras concepções poderão ser assumidas, outros objetos poderão apresentar maiores significados ou mesmo outros sentidos poderão ser associados aos objetos já existentes e, com isto, outras representações sociais poderão também ser construídas. Esta é uma realidade que não podemos desconsiderar, ainda que constatemos a força com que as representações sociais se mostram constituídas, ―definidas‖ pelos grupos.

É em meio a essas considerações, portanto, que finalizamos, em termos de produção, as buscas a que nos voltamos nesta pesquisa, conscientes de que a multidimensionalidade que permeia o fenômeno da EJA muito ainda tem por revelar.

―[...] conhecer é tornar-se hábil em descortinar os horizontes escondidos por trás das aparências. É na superação dos próprios limites que o conhecimento adquirido e produzido fomenta-se de sentido em nós. Nisto, somos tocados e tocamos as coisas que custam um exercício permanente de busca.‖