• Nenhum resultado encontrado

2. O COTIDIANO DE MACEIÓ NA GUERRA

2.5. GUERRA E VIGILÂNCIA: A PRESENÇA DE ESTRANGEIROS ALEMÃES E

Como verificado anteriormente, as relações brasileiras com a Alemanha e a Itália não se limitaram a acordos comerciais. Ao longo do século XIX, uma grande quantidade de estrangeiros oriundos desses países se instalaram no Brasil, formando verdadeiras colônias. Vale verificar,

38

A abertura das fronteiras brasileiras à imigração europeia, no início do século XIX, responde antes de mais nada à preocupação de colonizar terras virgens. Por essa razão, o imigrante alemão ou italiano é, a princípio, um agricultor ou um colono. Os imigrantes dirigem-se naturalmente às terras férteis e próprias ao manuseio agrícola. Elas se encontram no sul do país, onde o clima temperado facilita a formidável concentração da imigração italiana e alemã ali verificada, particularmente no Rio Grande do Sul. Apesar de estabelecida há mais de um século, a colonização alemã é escassamente assimilada. Trata-se de um aparente paradoxo, pois poder-se-ia imaginar que o tempo fosse o importante elemento integratório. Todavia é o espaço, ou seja, a localização do imigrado que determina sua assimilação. As colônias vivem completamente isoladas: a extensão territorial, a falta quase absoluta de comunicações e de organização administrativa (ausência de escolas, de hospitais etc) incitam o imigrado a resolver de maneira autônoma os problemas essenciais da vida comunitária.109

Mesmo instalados há mais de um século em território nacional, os estrangeiros não se integraram por completo. Em muitas dessas colônias, falava-se apenas a língua materna (alemão ou italiano). O mesmo ocorria nas escolas da colônia, sendo a língua portuguesa relegada a segundo plano. No princípio da imigração, o governo brasileiro não manifesta interesse por essa questão integratória. Contudo, ao longo dos anos 1930-1940, com a iminência da guerra e o apoio brasileiro aos Estados Unidos, a situação muda110. Data desse período a perseguição aos estrangeiros do Eixo e seus descendentes111. Muitos foram perseguidos, presos ou tiveram suas famílias ameaçadas, suas residências depredadas, suas lojas comerciais destruídas ou, mesmo, seus bens confiscados112. “Com os afundamentos, o período de ‘caça aos alemães e amigos do Eixo’ foi instituído. Em tese, todos eram suspeitos.”113

A repressão aos súditos do Eixo atingiu níveis incontroláveis em todo o Brasil. Em 11 de março de 1942, Getúlio Vargas publica o decreto sobre “Indenização por Atos de Agressão”, determinando o confisco de bens pertencentes a alemães, italianos e japoneses. Esta decisão partiu do pressuposto de que o estado brasileiro precisava ser ressarcido dos prejuízos decorrentes das agressões no litoral do país.114

109 SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra: o processo de envolvimento brasileiro na Segunda Guerra

Mundial. 3. ed. Barueri, SP: Manole, 2003.

110 Id., 2003, p. 63-224.

111 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na era Vargas (1930-1945). São Paulo: Editora

Brasiliense, 1988.

112 MOUTINHO, Augusto Cesar Machado. A Bahia na Guerra: o medo e a sobrevivência em Morro de São

Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. Dissertação (Mestrado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2002. SANTOS, Fabiane dos. A construção do inimigo: é tempo de guerra, medo e silêncio. Revista

Santa Catarina em História. Florianópolis, UFSC. Brasil, v.1, n.2, 2007.

113 MOUTINHO, Augusto Cesar Machado. A Bahia na Guerra: o medo e a sobrevivência em Morro de São

Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. Dissertação (Mestrado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2002. p. 38.

39

A presença alemã115 e italiana116 na capital alagoana se dá de forma modesta, e configura um ponto pouco pesquisado. Com o torpedeamento do navio Itapagé, em 1943, a ira popular reacende sobre os estrangeiros, em especial, sobre os alemães:

Um grito de guerra percorreu a cidade: “Vamos pegar alemão a unha...” – Tornou-se um distico, uma bandeira, uma palavra-de-ordem para a população local. Homens, crianças e até mulheres partiram para Jiquiá da Praia, distante sete leguas da séde municipal (42 quilometros), armados de foices, canos de ferro, martelos, machados, enxadas, espingardas de caça.117 O onibus de Penedo, segunda-feira, transportava entre outros passageiros um frade alemão. Em São Miguel dos Campos, aproximadamente ás 12 horas, os viajantes tiveram noticia de que o “Itapagé” tinha sido afundado por um submersivel hitleriano. Os passageiros recusaram-se a prosseguir viagem, protestando: – Não queremos viajar com esse alemão... O frade ficou em S. Miguel dos Campos.118

A exclusão de pessoas do meio social configura o estado de hostilidade para com os estrangeiros e um clima xenofóbico é instaurado. Nem mesmo os clérigos estavam livres de ameaças ou prisões:

Salvo erro, o ponto de partida para inúmeros processos foi os religiosos de origem estrangeira, notadamente alemã. Isso se deveu, possivelmente, ao fato de um grande número de igrejas e conventos estarem sob a tutela de religiosos alemães, o que lhes conferia uma certa influência no tecido social, e lugar de destaque, sobretudo nas comunidades locais. Associando-se, portanto essa evidência social ao impacto dos afundamentos no litoral baiano e a maciça propaganda antigermânica veiculada pela imprensa no Estado, os religiosos tornaram-se, a priore, o principal alvo das investigações. A desconfiança motivada pelas circunstâncias dos torpedeamentos, não poupou o “território sagrado” dos clérigos baianos.119

115 Segundo o Recenseamento de 1940 realizado pelo IBGE, dos brasileiros natos que utilizavam o alemão como

língua principal no lar, nove deles encontravam-se em Alagoas. Fonte: IBGE, Recenseamento, 1940. In: SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra: o processo do envolvimento brasileiro na Segunda Guerra Mundial. 3. ed. – Barueri, SP: Manole, 2003, p.14.

116 Já o Recenseamento de 1920-1940 também realizado pelo IBGE, aponta que no ano de 1920, 134 cidadãos

italianos residiam em Alagoas, e em 1940 esse número cai para 39 (grifo nosso). Fonte: IBGE, Recenseamento, 1920 e 1940. In: SEITENFUS, Ricardo. op. cit., p. 38-39.

117 Os soldados e os marujos do Brasil marcharão juntos para vingar o ultrage nazista. Jornal de Alagoas –

Maceió – Domingo, 3 de outubro de 1943 (APA).

118 Id., 1943.

119 MOUTINHO, Augusto Cesar Machado. A Bahia na Guerra: o medo e a sobrevivência em Morro de São

Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. Dissertação (Mestrado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2002. p. 48.

40

Imagem 7: Combate aos alemães e ao nazismo.

Fonte: Combater os alemães e eliminar o nazismo das cogitações sociais. Jornal de Alagoas. Maceió, Quarta- feira, 10 de novembro de 1943. Arquivo Público de Alagoas (APA).

Os estrangeiros passam a ser vistos como traidores da Pátria, quinta coluna, perigosos que exigem cuidado e atenção. Afinal, o medo causado pela guerra, faz com que a menor das atitudes possa ser compreendida como uma ameaça em potencial contra o Brasil. Por vezes, a polícia agia de forma coerciva, detendo pessoas sem dar explicações quanto ao motivo120. Entre algumas medidas obrigatórias adotadas pelo governo varguista, estava o chamado salvo conduto, sendo uma licença expedida aos estrangeiros do Eixo, para que esses pudessem viajar pelo Brasil. No último tópico, abordaremos o envio de alagoanos para composição de fileiras da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

2.6. ALAGOANOS VÃO À GUERRA: DA CONVOCAÇÃO AO ALISTAMENTO

Documentos relacionados