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pessoas [ ] ‘A ação dos gmpos guerrilheiros foi decidida fora de Angola e desencadeada sem que os dirigentes das organizações nacionalistas angolesas tenham sido informados’.[ ] A cidade de Mandimba, a

160 quilômetros da fronteira norte de Angola, foi incendiada totalmente e todas as mulheres e crianças foram mortas. [...] o ataque foi desencadeado à noite e todas as vitimas foram apunhaladas enquanto dormiam.” (ULLMANN, Bemard. Reforços afluem a Angola: mais de 70 pessoas mortas por terroristas. Folha de São

Paulo, 21 mar. 1961. Cad. 2. p. 2).

ANTUNES, p. 293. Ib-, p. 299-300.

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De acordo com Holden Roberto, um dos dirigentes nacionalistas de Angola, “a rebeUão nacionahsta ‘entrou em sua fase final’, no dia 15 de março” e estaria relacionada ao “decreto de 1961 do primeiro

conter as primeiras revoltas civis incitadas pelos grupos guerrilheiros**” e, ao mesmo tempo, manter as propriedades, as fazendas, enfim, o aparato que dava sustentação à vida dos fazendeiros portugueses ali estabelecidos. *"

Como se não bastassem todas as implicações em que se viram envolvidos angolanos e portugueses, de certa forma, o envolvimento de Isilda com o comandante da polícia pode ser visto como decorrente dos episódios primeiros da Guerra Colonial Angolana.

Necessitando contratar, em outras regiões, operários para a colheita do algodão ( o agravamento dos conflitos provocara a rebelião dos bundi-bângalas), e estando à época já gerenciando a fazenda, Isilda precisou de “um favor” policial para transportar esses contratados. Em nome da propriedade, da safi-a de algodão e da família ameaçadas, freqüenta o quarto de quartel do comandante, que

[...] surgiu na Baixa do Cassanje cinco ou seis meses depois, barbeado, perfumado, penteado, quer dizer de melenas esticadas a brilhantina como o Damião, arrumou o jipe no pátio, subiu as escadas da minha casa numa determinação feroz, apagou o cigarro no vaso de pedra dos jacintos sem se ralar com os meus filhos, o meu marido, os meus pais, [...] lançando a ponta do cigarro no tanque dos peixes para me humilhar [...]

- A senhora

num tom de comando que se ouviu na sala, na cozinha e no andar de cima e do qual os meus filhos se deram conta [...].”^

ministro português, Antonio de Oliveira Salazar, que conferia plena cidadania aos angoleses, [decreto esse] qualificado pelo chefe revolucionário de ‘ficção legislativa para justificar a presença de Portugal na Áfiica’.”

(Folha de São Paulo, 19 maio 1961).

GRAE - Grupo Revolucionário de Angola no Exílio (ex-UPA, outrora subsidiado por organizações norte- americanas e européias, protegido pelo presidente Mobutu, do Zaire, e liderado por Holden Roberto);

MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola - fimdado em 10 de dezembro de 56, de tendência marxista, apoiado pela ex-URSS e por Cuba. Liderado por Agostinho Neto, contava com a simpatia do presidente Ngouabi da República do Congo, Brazzaville. O MPLA deflagra no dia 4 de fevereiro de 1961 a luta armada pela independência;

FNLA - Frente Nacional para a Libertação de Angola - nacionalista, apoiado pelo Zaire e EUA, se dissolve nos anos 80 e 90;

UNITA - União Nacional pela Independência Total de Angola - Fundack em 1966 por Jonas Savimbi (ex- integrante da FNLA), de tendência maoista, apoiado pela China, EUA e África do Sul. (Folha de São Paulo. 21 nov. 1994. Cad. 2. p. 8; 7 dez. 1995. Cad. 2. p. 10 q O Estado de São Paulo. 25 mar. 1973. Cad. 4. p. 2).

Segundo Marvine Howe do The New York Times, “As plantações de café, ou fazendas, que ainda são o objetivo mais importante dos nacionalistas, converteram-se em fortalezas armadas. Todas as grandes propriedades possuem torres de observação com guarda permanente, cercas de seguranças, holofotes de longo alcance e estações de rádio poderosíssimas, para comimicações com o Exército e a polícia rural.” (HOWE, Marvine. A guerra em Angola entra no décimo ano. O Estado de São Paulo, 12 jul. 1970. Cad. 2. p. 1). ""ANTUNES, p. 300-301.

A contrução polifônica do romance coloca em paralelo os relatos e os sentimentos da personagem Isilda e os do comandante. Se os sentimentos dela são de humilhação e de constrangimento, os do comandante são conscientemente de prepotência por estar

''‘‘decidido a não ser o cão que ela pensava que eu era mas a que a mulher fosse a cadela que estava segura de não ser e eu sabia que era”, refere/

As circunstâncias contextuais, portanto, exacerbam a superioridade masculina e a autoridade policial a que se submete a personagem. Embora Isilda desempenhasse o papel de administradora da fazenda, função eminentemente masculina, e estivesse politicamente favorecida pela posição assemelhada ao universo policial, qual seja, a de defender interesses da colônia e dos colonizadores, mesmo assim, é a condição feminina que põe à mostra sua fragilidade diante de um mundo masculino e autoritário. É a guerra das diferenças, das desigualdades de gênero permeando ou valendo-se de outras diferenças, a racial, a colonial, para legitimar-se e perpetuar-se.

Por outra via, é possível pensar com Simone Pereira Schmidt que “os sujeitos que protagonizam os romances contemporâneos não representam apenas em sua experiência a mudança do eixo do privado para o público; seus percursos efetivamente assinalam a fusão do público e do privado”. Assim, a personagem Isilda projeta um percurso feminino diferenciado, ambivalente do ponto de vista de sua formação, uma vez que, se se via enredada pela preocupação da mãe com chapéus, vestes e com a sedução, em uma casa que queria ser aristocrática, por outro lado acompanhava o pai e o padrinho em longas caçadas pela selva africana e foi iniciada por este na arte de atirar. Esse percurso um tanto diferenciado, mas predominantemente feminino, evolui de forma inesperada, em função do casamento desastrado da personagem e, posteriormente, pelas circunstâncias da guerra, para um encaminhamento imprevisível. A personagem expõe conscientemente a evolução desse percurso, do entremeamento do público e do privado, dos papéis que teve de

113Ib„ p. 301.

SCHMIDT, Simone Pereira. Seria o amor o fim do cerco? Relações de amor em tempos pós. In: REMÉDIOS, Maria Luiza Ritzel (org.). 0 despertar de Eva: gênero e identidade na ficção de língua portuguesa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 128.

desempenhar, da história pessoal minada pelas circunstâncias históricas das guerras Colonial e Civil que a jogam numa vivência coletiva bruta, pública e arrasadora:

Porque sou mulher e me educaram para ser mulher, isto é para entender fingindo que não entendia [...] a fraqueza dos homens e o avesso do mundo, as costuras dos sentimentos, os desgostos cerzidos, as bainhas das almas, me educaram para desculpar as mentiras e o desassossego deles, não aceitar, não ser cega, desculpar conforme desculpei o meu pai e as suas infidelidades ruidosas e ao meu marido a sua indecisão patética, me ensinaram a inteligência de ser frívola com os meus filhos até a viuvez me obrigar a tomar conta deles e da fazenda na mesma impiedade com que tomava conta das criadas, a embarcá-los - Angola acabou para vocês ouviram bem Angola acabou para vocês

no navio de Lisboa e a ficar entre defixntos que me interrogavam do caramanchão e do pátio, limpando as feridas das balas que os mataram com a ponta do lenço. Porque sou mulher.”^

É sempre na perspectiva do colonizador, com olhar europeu que a personagem procede suas reflexões a respeito da guerra que vivência e que toma sua casa, sua familia e sua vida. Assim, explicita esse posicionamento quando, por exemplo, ao viver a invasão de sua propriedade por guerrilheiros, teve de ceder a própria cama e “o resto da casa para a tropa fandanga do Governo ou do que os africanos adoram chamar Governo para pensar que o têm na ilusão de não obedecerem aos russos e aos cubanos”. Da mesma forma, relata que os africanos entendem “estarem livres dos portugueses e mandarem na gente, nos humilharem e saquearem no cais à partida dos barcos de Lisboa”.

Partida essa nem sempre possível dadas as dificuldades de transporte, as represálias, as humilhações e os saques que sofriam durante a espera,

[...] aguardando no aeroporto e no cais semanas e semanas, estendidos em cobertores, mantas, trouxas, por um avião ou um barco impossíveis, traficando entre nós, de lápis e papel na mão em negociações ridículas, moradias, propriedades, automóveis que não

ANTUNES, p. 102.

As referências aos russos e cubanos deve-se ao apoio extemo recebido pelos gmpos guerrilheiros. “O govemo do MPLA contava com o apoio da União Soviética e de Cuba - que enviou tropas ao país - , enquanto que a UNIX A de Jonas Savimbi contava com a ajuda dos Estados Unidos, através da vizinha África do Sul, e da China. Com o fim da Guerra Fria, a África do Sul, Cuba e Angola negociaram a retirada das forças cubanas em meados de 1991. {Folha de São Paulo, 21 nov. 1994. Cad. 2 p. 8).

ANTUNES, p. 81.

Os dados históricos dão conta de que os imigrantes fogem em massa quando o MPLA declara o país independente, em 11 de novembro de 1975, e o Exército português abandona Angola.

havia já, oferecendo a colheita inteira ou os terrenos que possuímos no Cuito"® por um lugar no porão, enquanto nas suas costas os milícias lhes roubavam sem vergonha os cobertores, as mantas, as trouxas

Os que conseguiam embarcar submetiam-se a condições desumanas na travessia, sem contar com a desolação do exílio, das perdas materiais, afetivas ou mesmo de vidas, além de vislumbrarem o degredo na pátria portuguesa que não os desejava.

Aos que ficaram em solo africano restou sucumbir às atrocidades e ao enfrentamento dos grupos guerrilheiros que se alternavam nos saques às propriedades e na ameaça às vidas. Assim é que visualizamos no romance “a tropa do Governo deixando à pressa” os ambientes, os mutilados surgirem “num vagar de lagartas mostrando as cicatrizes, as crostas, as raízes dos membros, a deslocarem-se aos arrancos à medida que o petróleo se apagava nos torresmos dos cães”. Ato contínuo, sabemos da “chegada em tropel dos mercenários*^*^ sul-africanos belgas franceses espanhóis alemães da Unita”, aqueles que trabalhavam para a Unita assim como “trabalhariam para o Governo se o Governo lhes pagasse”. Nas estradas, “os blindados sul-africanos, as patrulhas do exército, os grupos de mendigos que assaltavam as pessoas [...] e os bandos dispersos da FNLA*^'com as suas armas roubadas nos quartéis dos brancos”.

As imagens das cidades, registradas na imprensa, nos auxiliam a compreender o contraste entre a devastação das propriedades e o valor que os portugueses desejavam que elas tivessem, ao tentar negociá-las “por um lugar no porão”, no momento em que fugiam; “O aeroporto de Huambo - a Sarajevo africana - é imi cemitério de helicópteros e veículos militares carbonizados. Em todos os bairros e ruas da antiga capital do planalto sucedem-se edifícios em ruínas, fachadas e telhados remendados, crateras de bombas.

Soyo é uma cidade-fantasma, repleta de estmturas retorcidas pelo fogo e instalações saqueadas. À primeira vista, Uíge parece intacta, entre colinas vermelhas e verdes e plantações de café e banana, mas a ilusão se dissipa diante de fachadas crivadas de balas. Cuíto está em estado ainda pior.” (GUAEIDIOLA, Nicole. Cidades do país sofrem feridas da guerra. Folha de São Paulo. 10 set. 1995. Cad. 1. p. 23).

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ANTUNES, p. 247.

“Mercenários - Angolanos e sul-africanos, que lutaram com a Unita contra o MPLA em 70 e 80, e perderam o emprego após acordos de paz e as mudanças políticas na África do Sul em 90; dqjois das eleições, em 92, passaram a vender seus serviços ao MPLA. [...] O governo do apartheid forneceu armas, treinamento e soldados para a Unita do final da década de 70 até 1991; a ‘nova’ África do Sul mantém distância do conflito e apóia, como a ONU, o govemo eleito.” (ROSSETI, Fernando. Entenda a guerra civil em Angola. Folha de São Paulo. 28 ag. 1994. Cad. 3. p. 4).

Considerando que esse fragmento é parte do capítulo datado de 4 de dezembro de 1984, é possível relacionar a referência aos “bandos dispersos da FNLA” à extinção do referido grupo ocorrida nas décadas de 80 e 90, bem como os “blindados sul-africanos” ao apoio que a África do Sul prestou à UNITA.

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Isilda vivência a ausência de tudo; a África colonizada é agora um vazio. Apenas a acompanha Josélia, a escrava, que a acomoda “alongando um oleado de jipe no cuidado de quem faz uma cama, a levantar uma lâmina de zinco como quem fecha uma janela”, pronta a defender a “Senhora” que nada pôde fazer por ela quando os cachorros do mato abriram-lhe “caminho no interior da pele, das costelas, arrancando nacos de pulmão de músculos de fígado”^^'*, no momento em que fugiam no sentido de Marimba.

A complexidade do continente africano, especialmente a problemática de Angola, país que viveu cinco séculos de colonização^^^ e que vive vinte e cinco anos de guerra civil, suas especificidades históricas e culturais estão expressas, com perplexidade, na fala de Eduafdo:

[...] não entendemos Angola mesmo tendo nascido em Angola, não a terra, a variedade de cheiros, a alternância de cacimbo e de chuva, de submissão e fúria, de preguiça e violência, Angola, este presente sem passado e sem futuro em que o passado e o Juturo se incluem desprovidos de qualquer relação com as horas, os dias, os anos, a medida aleatória dos calendários, quando o único calendário é a chegada e a partida dos gamos selvagens e a permanência das águias crucificadas nas nuvens [...].

Ib., p. 179. Ib., p. 228.

Os portugueses chegaram em Angola em 1482, data em que transformaram aquele território em colônia e, posteriormente, em fornecedor de escravos para o Brasil. Em 1930, quando o governo do ditador Oliveira Salazar proíbe manifestações culturais africanas, surgem os primeiros grupos negros que reivindicam autonomia. Nos anos 50 surgem os grupos que reivindicam a independência: MPLA, FNLA e UNIX A. {Folha

de São Paulo. 1 dez. 1995. Cad. 2. p. 10).

Angola “vive em guerra civil desde que conquistou sua independência de Portugal, em 75. Os dois grupos guerrilheiros que combatiam o colonialismo, o MPLA, liderado por Agostinho Neto (depois, por José Eduardo dos Santos), e a Unita, sob o comando de Jonas Savimbi, combatem há 24 anos ao custo de 500 mil vidas.” (LINS DA SILVA, Carlos Eduardo. Entenda a guerra civil. Folha de São Paulo. 14 fev. 1999. Cad. 1. p. 13).

Angola tem uma área de 1.246.700 km^ (aproximadamente o estado do Pará), uma população de 11,5 milhões de habitantes (aproximadamente a população da Bahia), a língua oficial é o português, religião, cristianismo (55%) e animismo (45%), e sua posição no IDH* é 160®.

* O índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU mede o desenvolvimento do país com base na expectativa de vida, no nível educacional e na renda per capita. O Canadá lidera a lista, e o Brasil está na 79“ posição. {Folha de São Paulo. 9 fev. 2000. Cad. 3. p. 5).

Respeitados o lirismo e o drama romanescos assim como os mitos construídos em tomo do continente africano, a interlocução histórica nos possibilita saber alguns contrastes curiosos^^^ e a mobilização de grupos e de movimentos'^^ no sentido de promover a liberdade e a dignidade daquele povo. Esses dados nos fazem dialogar com as tantas vozes do romance, e compreender, por exemplo, a fala de Isilda, na qual aponta as pacaças no lodo,

[...] oferecendo-se numa inocência trêmula aos crocodilos do rio como a minha família e os restantes fazendeiros do Cassanje se ofereciam, sem um queixume aos angolanos, tome, matem-nos se lhes apetecer, tomem, estamos aqui há vinte ou cinqüenta ou cem ou duzentos anos mas tomem, o meu girassol, o meu algodão, o meu milho, a minha casa, o meu trabalho, o trabalho dos meus pais, o trabalho dos pais dos meus pais antes dos meus país, o lugar dos meus deftintos, tomem, os que mandam em Lisboa decidiram que a minha vida e, mais que a minha vida, a razão dela vos pertencem porque os americanos e os russos dizem que vos pertencem e eles obedecem como vocês nos obedeciam a nós com idêntica passividade e idêntica submissão portanto tomem, tomem o que me custou os olhos da cara e os olhos da cara da minha família, o meu gado, o meu café, o meu tabaco, as minhas máquinas, o meu dinheiro no banco, tomem, degolem-nos um a um ou enxotem-nos para os barcos de Lisboa, roubem-nos o que não temos no cais

“Um dos países mais ricos em recursos naturais da África (que já foi o quarto maior produtor do mundo de café e diamantes e tem grande potencial petrolífero), Angola tem visto a situação social de seus 10 milhões de habitantes deteriorar-se a cada ano. Em 1998, 500 mil pessoas ficaram sem lar. Pelo menos 16% do Orçamento (de estimados US$10 bilhões) são destinados à guerra civil. A dívida externa do país é de US$ 6 bilhões. O salário médio do angolano é de US$ 6 mensais.” (LINS DA SILVA, Carlos Eduardo. Angola se depara com nova guerra civil. Folha de São Paulo. 24 jan. 1999. Cad. 1. p. 20).

“Diamantes e petróleo respondem por cerca de 90% das exportações de Angola. A cidade de Huambo, no centro do país, está em cima de uma das principais minas de diamante e tem vários poços de petróleo.” (ROSSETTI, Fernando. Guerra angolana é por diamantes. Folha de São Paulo. 28 ag. 1994. Cad. 3. p. 4).

Entendemos ser pertinente e rica a análise de Boaventura de Sousa Santos a respeito dos Novos Movimentos Sociais (NMSs) e sua implicação na emancipação política dos países africanos: “Na África de língua oficial portuguesa os NMSs são os movimentos de libertação que conduziram os seus países à independência. São movimentos dos anos sessenta, passaram por várias fases e não admira que estejam hoje a envelhecer. Deixando de lado as muitas diferenças entre eles, pode dizer-se que numa primeira fase, até á independência, foram movimentos políticos de guerrilha, com apoio popular de tipo plebiscitário informal ou de ratificação e que nas zonas liberadas implantaram por vezes formas de democracia participativa que, nas condições dificeís em que ocorreram, se podem considerar avançadas, como terá sido particularmente o caso do PÁIGC na Guiné-Bíssau. Numa segimda fase, entre a independência e o final dos anos oitenta, esses movimentos começaram por institucionalizar-se em partidos de movimento e gradualmente, e com diferenças entre eles, evoluíram para partidos de vanguarda de tipo leninista. A memória democrática cedeu então ao autoritarismo. Hoje estão a passar por uma nova fase de institucionalização, dolorosa, radical e promissora: a conversão em partidos no emergente sistema de democracia representativa.” (SANTOS, p. 266).

É O reconhecimento da história e da ancestraUdade contemplada no olhar do explorador que se considera proprietário (“meu girassol”, “meu algodão”), mas que aponta também outros interesses internacionais (os americanos e os russos dizem e Lisboa obedece). Os bailundos, os mussequeiros, os contratados, os cipaios, enfim, as minorias da sociedade angolana estão enredadas no conflito, alijadas das decisões e, quando muito, aderem aos grupos de guerrilheiros ou são por eles exterminadas, por não terem identidade. De maneira que, se

[...] os americanos ou os russos ou os franceses ou os ingleses convencessem os pretos em nome da liberdade que não teriam nunca, armando-os e ensinando-os a utilizarem as armas contra nós [...] a substituírem a condição que lhes impúnhamos pela condição que lhes garantiam não impor depois de nos expulsarem de Angola e se instalarem aqui com as suas máquinas de extrair minério e as suas plataformas de petróleo

aceitariam.

Anônimos, mártires da guerra, apontados como justificativa para cuhivar as intermináveis disputas pelo poder, em nome da democracia e da liberdade, morrem os angolanos^^^ como morreu Fernando, um dos serviçais da casa da Baixa do Cassanje, “de joelhos no terraço golpeado pelas botas da tropa, as coronhadas na cara, as fivelas de cinturão nos rins, o primeiro tiro e um estremeção, o segundo tiro e um bando de morcegos gritando o seu terror nos campos incapazes de sementes”.

Ib., p. 244.

o jornalista norte-americano Jim Hoagland, do Washington Post, passou três dias na selva com uma patrulha portuguesa e relata o episódio de destruição de uma aldeia (suposto ponto de alimentação de guerrillieiros) com prisão de duas mulheres. Outras pessoas, quatro velhas e um homem, também foram aprisionadas numa segunda aldeia; todas não abriiam a boca durante os três dias de caminhada Relata:

“Só a 6 quilômetros do ponto de encontro com os caminhões que nos deviam reconduzir a Muie, uma passagem de madeira aüavessava o rio.

- Pode estar minada - diz Monteiro. Ou talvez eles estejam lá, emboscados...

Os sete civis, em fila indiana, foram colocados á frente da coluna. Uma mulher, a quinta, desviou ligeiramente os pés e colocou um sobre a mina.

As vasilhas que ela carregava na cabeça rolaram com estrondo pela encosta. Depois, seu corpo, projetado para cima, caiu em pedaços, no rio. [...]

Nas estatísticas, acaba de acrescentar um número: uma afiicana morta. Nome: desconhecido. Idade: desconhecida. Os portugueses contá-la-iam entre as vítimas dos guerrilheiros: a mina era deles.

Os guerrilheiros - se jamais ouvissem falar dela - inscrevê-la-iam à conta dos portugueses, que a haviam levado para a ponte.” (HOAGLAND, Jim. Angola: vinte mil negros combatem as guerrilhas. O Estado de São

Paulo. 18 abr. 1971).

As moradas em tempo de guerra: cartografia da degradação

[...] o país fermentou e vazou-se pelo chão em desalmada guena,