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Habeas corpus em virtude de prisão ilegal

6. Modos de impugnação das medidas de coação

6.2. Habeas Corpus

6.2.2. Habeas corpus em virtude de prisão ilegal

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Nos termos do disposto no art.222.º, n.º1 do CPP170, “a qualquer pessoa que se

encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus”.

Em consonância com o art.31.º, n.º2 da Constituição, o n.º2 deste artigo estabelece que “a petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus

direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade competente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.

Sendo a prisão efetiva e atual o pressuposto de facto desta providência e o seu fundamento jurídico a ilegalidade da prisão ou de internamento ilegal, no âmbito das medidas de segurança (arts.91.º e ss, do CP), esta providência extraordinária com a natureza de ação autónoma com fim cautelar171, há-de fundar-se, como decorre do art.222.º, n.º2, do CPP, em ilegalidade da prisão proveniente de uma das três hipóteses de causas da ilegalidade da prisão nele previstas.

Quanto ao primeiro pressuposto, consagrado na alínea a) do n.º2 do art.222.º, do CPP, importa referir que a prisão, quer efetiva, quer preventiva, só pode ser efetuada ou ordenada pelo juiz.

Como refere Germano Marques da Silva “a prisão ordenada pelo juiz, deve ser

efetuada pelos órgãos de polícia criminal, precedendo mandado”172.

No caso de a prisão ser ordenada por entidade diferente do juiz, ou efetuada por entidade incompetente ou sem precedência de mandado judicial estamos perante uma situação de ilegalidade, podendo ser impugnada pela via da providência do habeas

corpus, sem prejuízo do exercício, por parte do lesado, do direito de resistência,

consagrado no art.21.º da Constituição.

Em relação ao segundo pressuposto, “ser motivada por facto pelo qual a lei a não

permite”, podemos dar como exemplos, a prisão preventiva ordenada por um juiz por

170 “A Lei n.º48/2007, de 29 de Agosto não introduziu qualquer alteração no texto deste artigo. Porém,

tendo estabelecido no n.º2 do art.219.º a não existência da relação de litispendência ou de caso julgado entre o recurso previsto no nº1 desse artigo e a providência habeas corpus, independentemente dos respetivos fundamentos, veio de algum modo alterar o sistema de alternidade entre o recurso a esta providência, que anteriormente era seguido pela generalidade da doutrina e da jurisprudência do STA.”

(GONÇALVES, Maia – Código de Processo Penal Anotado).

171 SILVA, Germano Marques da – Curso de Processo Penal, Volume II. 5.ª Edição. Coimbra: Coimbra

Editora, 2011. 291p.

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um facto apenas punível com pena de multa ou que não é criminalmente punível ou ainda, por um crime punível com pena de prisão até três anos ou com pena superior, mas cometido a título negligente. Estes são exemplos em que a prisão é ilegal, uma vez que foi motivada por facto pelo qual a lei a não permite.

Quanto à última alínea do art.222.º, do CPP173, importa esclarecer que os prazos fixados pela lei são os prazos máximos da prisão preventiva, previstos nos arts.215.º e 216.º do CPP; os prazos fixados por decisão judicial são os relativos à duração da pena de prisão aplicada através de sentença condenatória.

Tal significa que a manutenção da prisão para além dos prazos referidos é ilegal174, assim como a situação de manutenção da prisão, cuja execução, por força da extinção da responsabilidade criminal, devia ter cessado e não cessou.

Para além da ilegalidade da prisão, também temos como fundamento jurídico para aplicação da providência do habeas corpus, o internamento ilegal no âmbito das medidas de segurança (arts.91.ºss do Código Penal). Esta aplicação analógica justiça-se na medida em que ambas se tratam de situações de privação da liberdade.

Dispõe o art.222.º, n.º2, do CPP, que tem legitimidade para requerer a providência do habeas corpus, em virtude de prisão ilegal, o preso ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos175.

Quanto ao procedimento desta providência, o n.º1 do art.223.º do CPP, consagra que “a petição é enviada imediatamente ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,

com informação sobre as condições em que foi efetuada ou se mantém a prisão”.

173 “Não integra qualquer dos fundamentos de habeas corpus, nomeadamente o da alínea c) do n.º2 do

art.222.º do CPP, a não realização atempada ou a não realização do exame de subsistência dos pressupostos motivadores da prisão preventiva imposto pelo art.213.º do CPP (Ac. STJ de 30 de Março de 2000, proc. Nº149/2000-5ª, SASTJ, n.º39, 74)”.

174 “I - Não é de deferir o pedido de habeas corpus fundado na circunstância de o requerente ter estado

preso para além do prazo, quando o tribunal veio a declarar, mesmo depois disso, o processo de especial complexidade, e os limites da prisão preventiva, nesse caso, não estão excedidos. II – Isto porque a prisão a apreciar na providência do habeas corpus deve revestir o requisito da atualidade e, nesse caso, ele não se verifica. (Ac. STJ de 23 de Novembro de 1995; CJ. ACS. do STJ, III, tomo 3, 241)”.

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“Como resulta da Constituição, no seu art.15.º, n.º2, apenas os estrangeiros e apátridas não podem

solicitar a providência de habeas corpus relativamente a outrem.

Ressalvado este caso, como refere Faria Costa em Habeas Corpus: ou a análise de um longo e ininterrupto “diálogo” entre o poder e a liberdade, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, volume 75, Coimbra, 1999, pág.550, todo o cidadão, em qualquer circunstância, pode solicitar a providência de habeas corpus, na medida em que pensar ou admitir o contrário não se coaduna com o sentido matricial do próprio instituto como, do mesmo passo, é intolerável limitação resultante de um pensamento jurídico sinuoso e infundamentado.” (Acórdão do STJ n.º122/13.8TELSB-P.S1).

Manuel Maia Gonçalves entende que os cidadãos estrangeiros, apesar de terem os seus direitos políticos limitados, também estão abrangidos.

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Esta petição, formulada em duplicado (pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos), apesar de ser dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, deve no entanto, ser apresentada à autoridade à ordem da qual o preso se mantém e deve indicar o fundamento(s) da ilegalidade da prisão (art.222.º, n.º2, do CPP).

“Se da informação constar que a prisão se mantém, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça convoca a secção criminal, que delibera nos oito dias subsequentes, notificando o Ministério Público e o defensor e nomeando este, se não tiver já constituído” (art.223.º, n.º2 do CPP).