• Nenhum resultado encontrado

4. Medidas de coação

5.6. Revogação e substituição

A aplicação de medidas de coação não tem um caráter definitivo, desde logo, sob pena de violação do princípio constitucional de presunção de inocência do arguido, previsto no art.32.º, n.º2 da CRP.

Como refere Fernando Gonçalves e João Alves, “sendo as medidas de coação meios

processuais limitadores da liberdade pessoal, que visam assegurar finalidades de natureza meramente cautelar num concreto processo penal em curso, compreende-se que estas só devam manter-se enquanto necessárias ao prosseguimento de tais finalidades”123

.

Por esta razão sempre que haja uma alteração das circunstâncias é necessário que haja uma revogação ou substituição por outra medida de coação.

Para que uma medida de coação seja revogada é necessário que determinados requisitos legais estejam verificados. O art.212.º, n.º1, alíneas a) e b) do CPP diz-nos que para que uma medida de coação seja “imediatamente” revogada é preciso que tenha sido aplicada fora das hipóteses previstas na lei ou ter deixado de subsistir as

circunstâncias que justificaram a sua aplicação124.

As medidas de coação estão sujeitas à condição rebus sic stantibus, o que significa que devem manter a sua validade e eficácia enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que assentam125. Assim quando há uma alteração dos pressupostos em que assentou a aplicação da medida de coação, deve ser proferida uma outra decisão

123 GONÇALVES, Fernando e ALVES, Manuel João – As Medidas de Coação no Processo Penal

Português. Coimbra: Almedina, 2011.

124 Trata-se de um afloramento do princípio rebus sic stantibus, que preside à aplicação das medidas de

coação prevista, em termos gerais, na forma do princípio da necessidade consagrado no art.193.º, n.º1 do CPP.

125 Neste sentido, BELEZA, Tereza Pizarro – Apontamentos de Direito Processual Penal, Vol. II. Lisboa:

AAFDL,1993, refere que “ a manutenção das medidas pressupõe a manutenção de uma situação de facto

66

mais adequada, proporcional e necessária para a satisfação das exigências cautelares correspondentes126.

Nos termos do art.212.º, n.º1 a revogação tem que ser feita através de despacho do juiz, mas tal já seria assim, independentemente de previsão legal, uma vez que é obrigatório despacho do juiz para decretar a sua aplicação e tem que haver uma simetria entre o ato de aplicação e o ato de aplicação.

Quanto à substituição, o art.212.º, n.º3 do CPP entende que “quando se verificar

uma atenuação das exigências cautelares que determinam a aplicação de uma medida de coação, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução”. Trata-se de uma manifestação do princípio da adequação, no

sentido que a medida de coação deve ser adequada às exigências cautelares de natureza processual que existam no caso concreto.

Nos termos do art.6.º das Regras de Tóquio127, o n.º1 diz-nos que “a prisão

preventiva deverá ser uma medida de último recurso nos procedimentos penais, tendo devidamente em conta o inquérito sobre a presumível infracção e a protecção da sociedade e da vítima”. Segundo o n.º2, “as medidas substitutivas da prisão preventiva deverão ser utilizadas logo que possível. A prisão preventiva não deverá durar mais do que o necessário para atingir os objectivos enunciados na regra 6.1. e deverá ser administrada com humanidade e respeitando a dignidade inerente à pessoa humana”.

Coloca-se a questão de saber se pode haver uma substituição por uma medida de coação mais grave, maxime a prisão preventiva. A lei não esclarece quanto a isso, mas não parece haver nenhum impedimento para que uma medida de coação seja substituída por outra mais grave, incluindo a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, desde que sejam admissíveis no caso concreto e houver circunstâncias justificáveis.

Segundo o art.212.º, n.º2 do CPP, “as medidas revogadas podem de novo ser

aplicadas, sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer, se sobreviverem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação”. No entendimento de Fernando

Gonçalves e Manuel João Alves, “se uma medida revogada pode de novo voltar a ser

aplicada, não se compreenderia que não pudesse revogar-se uma medida e aplicar outra diferente, ainda que mais graves, se as circunstâncias o justificarem”.

126 CARVALHO, Paula Marques – As Medidas de Coação e de Garantia Patrimonial, Uma análise

prática à luz do regime introduzido pela Lei nº48/2007, de 29 de agosto. 2.ª Edição. Coimbra: Almedina.

65p.

67

Para o caso da prisão preventiva devemos atender ainda ao art.213.º do CPP, onde se determina o reexame obrigatório, de três em três meses, dos pressupostos desta medida, decidindo o juiz se a medida se deve manter ou se deve haver substituição ou revogação da mesma.

Assim, se no caso concreto, o juiz verificar a existência de uma situação subsumível no art.212.º, n.º1, al. b) do CPP deverá revogar a medida de coação; mas independentemente do reexame trimestral, se o juiz detetar tal situação, de qualquer forma, deverá proceder à mesma revogação.

Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça fixou a seguinte jurisprudência através do Acórdão n.º3/96128: “A prisão preventiva deve ser revogada ou substituída por outra

medida de coação logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, nos termos do artigo 212.º do Código de Processo Penal, independentemente do exame trimestral dos seus pressupostos imposto pelo artigo 213.º do mesmo Código”.

Relativamente à decisão de revogação ou substituição da medida de coação, o n.º4 do art.212.º do CPP consagra que “têm lugar oficiosamente ou a requerimento do

Ministério Público ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e devendo ser ouvida a vítima, sempre que necessário, mesmo que não se tenha constituído assistente”129. Deste modo, o juiz não está dependente de um impulso processual para decidir em conformidade com o que resulta dos autos, não obstante o Ministério Público e o arguido terem legitimidade para darem esse impulso. Resulta também desta norma que é obrigatório o juiz ouvir o Ministério Público e o arguido antes de decidir da revogação ou substituição da medida, salvaguardando-se os casos de impossibilidade devidamente fundamentada.