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A habitação no Brasil e as pré-condições da retomada de negócios nos anos 2000

Capítulo 2. Industrialização da Construção e demanda habitacional no Brasil

2.2. A habitação no Brasil e as pré-condições da retomada de negócios nos anos 2000

Como já explorado, a moradia, quando associada à propriedade, é um bem de alto custo em relação à renda dos demandantes – o que limita, e muito, o acesso a ela.

Desde que entendida como necessária para a reprodução da força de trabalho, e mais recentemente, como um direito do cidadão, a habitação tem sido alvo de políticas que focam a moradia de interesse social (para as famílias de baixa renda), e para a classe média, que mediante condições adequadas de financiamento pode adquirir a ―casa própria‖ sem,

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Tal como apresentado por Farah (1996), neste período as construtoras teriam procurado racionalizar os custos com base na redução de área útil dos imóveis e busca de materiais baratos.

92 ou com pouco auxílio governamental (leia-se ―subsídios‖). Assim, no caso da classe média, a política habitacional e o financiamento à habitação são temas muito próximos.

Os governos têm relação com o segmento produtor de edificações, ainda, por outros canais. O nível de atividade econômica, regulado em alguma proporção pelas políticas macroeconômicas influencia e é influenciado pelas condições de negócios no setor de Edificações, dado o alto efeito multiplicador associado ao segmento. Por ser relativamente bem organizado, e por o seu produto configurar um investimento aos demais segmentos produtivos, o setor produtor de edificações detém um poder político não desprezível, que reforça as suas relações com o Estado. As condições de formação de preços imobiliários por sua vez, longe de refletirem a simples escassez do fator terra, se dão conforme a regulação estatal em torno do acesso e do uso do solo, ao conjunto de investimentos em infraestrutura social e urbana e às estratégias de valorização imobiliárias. O capital imobiliário, em geral associado ao poder público, ―promove‖ certas áreas, criando uma diferenciação artificial no mercado de terras urbanas, gerando ―valor fictício‖, incorporado ao preço dos terrenos e imóveis.

Assim, os ciclos de negócios da habitação têm seu desempenho atrelado não apenas ao rimo ―natural‖ dos negócios privados, mas às políticas macroeconômicas; às políticas habitacionais (no sentido estrito de determinar as condições de acesso à moradia das classes médias e pobres); às políticas industriais, que podem alterar os custos de edificar; às políticas fundiárias e de planejamento urbano mais geral, em que se prevê a expansão da infraestrutura social e urbana, que influenciam na formação de preços da terra e da propriedade.

Conforme já explorado, no período da globalização, os Estados procuraram retirar- se cada vez mais da tarefa de solucionar diretamente a questão habitacional para ―organizar‖ e garantir que parcelas cada vez maiores da população tivessem acesso à moradia por meio do financiamento habitacional, ―de mercado‖, em um contexto em que as políticas em torno da habitação de interesse social ficariam subordinadas ao equilíbrio fiscal do ―Estado Mínimo‖.

O déficit habitacional brasileiro em 2007, segundo a Fundação João Pinheiro (2009), era de cerca de 6,3 milhões de moradias. Ele teria crescido mais de 35% desde 1991 e 82% dele se remeteria ao déficit habitacional urbano. Deste, 95,9% se referiria às famílias

93 de 0 a 5 salários mínimos, sendo 89,4% entre as famílias de 0 a 3 salários mínimos e 6,5% entre as famílias de 3 a 5 salários mínimos. Uma parcela deste estoque, entretanto, se referiria a habitações inadequadas45 – ou seja, que poderiam, com alguma adaptação, especialmente em termos de infraestrutura, ser recuperadas.

A despeito da discussão metodológica em torno da apuração desse déficit e seu resultado ―exato‖, a solução para contornar o problema habitacional passa apenas em

parte pelo setor formal de edificações – parcela que será tão maior quanto o desejo do Estado de que assim o seja, materializado em políticas, e do sistema bancário- financeiro de financiar produtores e sobretudo consumidores, com perfis cada vez mais arriscados (caminhando em direção ao mercado de baixa renda). O paroxismo desse

avanço do sistema financeiro foi o recente desenvolvimento do mercado sub-prime norte americano, em que

Em vez de se orientarem pela capacidade dos mutuários de honrarem seus compromissos e assim negarem certas solicitações de crédito, os credores e os investidores utilizaram incentivos artificiais para ―qualificar‖ mutuários e viabilizar a tomada de empréstimos. (IPEA, 2010, p.339)

Na equação governamental devem ser tratados, então:

i. a adequação do sistema de financiamento (à produção e à comercialização de edificações) e do volume de subsídios à baixa renda (no caso brasileiro, sobretudo às famílias de 0 a 3 salários mínimos);

ii. os incentivos à produtividade do setor de edificações;

iii. as políticas fundiária e de infraestrutura urbana, já que o acesso aos terrenos urbanizados pode constituir um primeiro empecilho para que as obras sejam iniciadas.

A formação daquele déficit no Brasil decorreu do trato inadequado desse conjunto de políticas – ao menos na intensidade exigida pelo intenso movimento demográfico que significou a urbanização brasileira, desde os anos 1940. Idealmente, se havia um projeto de industrialização da economia local, o planejamento urbano deveria estar contido naquele.

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Biancareli e Lodi (2009) destacam a importância da definição de ―déficit habitacional‖, que deveria ser diferenciada de ―necessidade habitacional‖, um conceito mais amplo, englobando além do déficit habitacional, as moradias inadequadas com falhas de infra-estrutura básica e adensamento habitacional elevado, além das moradias alugadas que comprometem uma parte muito grande da renda familiar.

94 Para os urbanistas e sociólogos a autoconstrução, antes de ser o calcanhares-de-

aquiles da Construção, foi funcional ao desenvolvimento capitalista das economias periféricas. No caso Brasileiro o sociólogo Francisco de Oliveira (Oliveira, 2006, p.)

afirma:

Eu diria que a industrialização brasileira foi sustentada por duas fortes vertentes. A primeira foi a vertente estatal, pela qual o Estado transferia renda de certos setores e subsidiava a implantação industrial. E a segunda eram os recursos da própria classe trabalhadora, que autoconstruía sua habitação e com isso rebaixava o custo de reprodução.

Isso não é um argumento só teórico. É um argumento que se encontra e se ancora na prática com a qual se fazem os inquéritos e as pesquisas sobre o custo de vida. Nas pesquisas sobre custo de vida, hoje bastante amplas (...), o item habitação quase desaparece. Isso vai se refletir diretamente na avaliação do custo de sobrevivência. É assim que a lei define: salário mínimo é a cesta de bens necessária para a reprodução de uma família clássica, de tipo nuclear. Quando os governos, para orientar a política econômica, calculam o salário mínimo, o custo da habitação desaparece e influencia na fixação do valor. É isso que tem o efeito de rebaixar o salário.

O principal arcabouço institucional em torno da habitação no Brasil, foi idealizado e implementado em meados dos anos 1960, e focalizou, de forma limitada, a questão do sistema de financiamento e dos subsídios à baixa renda. A modernização da produção de edificações, como já explorado, foi deixada em segunda dimensão, dada a primazia ao problema do emprego, e, a questão fundiária, em geral à cargo das municipalidades, também não teve o trato adequado.

A guinada política do golpe militar de 1964 interrompeu um intenso debate em torno das reformas urbanas do pré-golpe. Pode-se dizer que a ascensão dos militares ao poder, significou, no campo da habitação, assumir o paradigma de propriedade imobiliária privada das residências. Adotou-se um modelo de ―Estado de bem-estar social‖ restrito a uma parcela da população ─ as classes médias, ampliando as diferenças sociais internas (MARICATO, 2008).

Afora o gasto fiscal propriamente dito, o principal instrumento de política habitacional estabelecido foi o creditício, a partir do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), instituído dentro da reforma do Sistema Financeiro Brasileiro de 1964. Como assinala Bonduky (2008), a instituição de uma política habitacional naquele momento tinha função não apenas de resolver o problema social e urbanístico real, mas também de legitimar o regime militar, que havia então tomado o poder. Como ilustração da

95 importância da questão, Bonduky (2008) lembra da afirmação de uma dirigente do Banco Nacional de Habitação (BNH), então instituído: ―‗a casa própria faz do trabalhador um conservador que defende o direito de propriedade‘‖ (p.73).

Na sua origem o SFH previa fontes de financiamento e regras para a cessão de crédito, numa estrutura conhecida por crédito direcionado – mantida até os dias atuais, ainda que sob severas críticas do setor bancário privado46. Eram dois os instrumentos de captação de recursos previstos no Sistema: a caderneta de poupança, no âmbito do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), e o FGTS, um fundo de poupança compulsória que direcionaria recursos para o financiamento à habitação, e numa segunda etapa, ao saneamento e à infra-estrutura urbana.

O BNH seria o órgão responsável por toda a política habitacional, controlador e ―emprestador de última instância‖ do SBPE, gestor do FGTS (SANTOS, 1999). Santos (1999) apresenta a divisão de tarefas dentro do SFH: o subsistema SBPE, com recursos captados à partir das cadernetas de poupança e dos demais títulos imobiliários, dirigia-se ao financiamento de ―investimentos habitacionais propostos por empreendedores ou construtoras‖, dirigidos às classes de renda média e alta, que ao adquirirem os imóveis assumiam a dívida, tornando-se mutuários do Sistema (o empreendedor, portanto, após a venda do imóvel, repassava sua dívida com as instituições financeiras para os mutuários); o subsistema BNH-FGTS destinava os recursos para a construção de conjunto populares (casas de interesse social) que eram desenvolvidos por empresas de Edificações supervisionadas pelas COHABs (Companhias de Habitação). Santos (1999) ressalta que a atuação do BNH, não se limitava à esfera financeira já que também tinha os objetivos de ―atenuar os desníveis regionais‖, o ―ímpeto migratório para as metrópole‖, eliminar as favelas e aumentar “o investimento nas indústrias de construção civil, de materiais de

construção e bens de consumo duráveis” (p.11-12, grifo nosso). Fix (2011), apresenta

essa formulação como um resultado, também, das reivindicações do próprio segmento de Edificações brasileiro.

O desempenho do SFH foi satisfatório apenas até o fim da década de 1970, quando entrou em crise. A alta inflação e o baixo crescimento econômico dos anos 1980 e início dos 1990 dificultaram a captação de recursos no âmbito do SFH e seu repasse porque:

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os bancos não aprovam a modalidade de crédito direcionado porque, segundo seu ponto de vista, ela ―enrigece‖ as operações bancárias e causa ―distorção alocativa‖ no sistema de crédito. Ver Costa e Nakane (2005).

96 i. tanto a fonte de captação voluntária (caderneta de poupança) como a compulsória (FGTS) tinham um forte componente cíclico, sendo instrumentos de captação ineficazes em conjunturas recessivas – como o que se colocou no período;

ii. para a parcela ―econômica‖ do mercado habitacional ─ aquela que teve acesso à ―casa própria‖ com o esquemas de financiamento do SFH ─ a correção monetária, que viabilizou o sistema nos anos 1960 e 1970, levou, com o recrudescimento inflacionário, a um forte descasamento entre o reajuste das prestações (indexadas à variação do salário mínimo) e dos saldos devedores (corrigidos por taxas de mercado), gerando enormes saldos residuais ao final o período contratado (CARNEIRO E VALPASSOS, 2003), gerando problemas aos mutuários e afugentando tanto Bancos como novos demandantes de créditos habitacionais (com base no SFH)47.

O crescimento da atividade de edificar, mesmo naquele período, não foi linear no tempo, nem mesmo homogênea em termos dos esforços em direção à edificação de cunho popular ou à voltada classe média (FARAH, 1996, p. 179-79). Entre 1964 e 1967 deram-se as mudanças institucionais e boa parte da atividade foi direcionada à baixa-renda, capitaneada pelo Estado. Entre 1967 e 1973, período do ―milagre brasileiro‖, houve forte crescimento da produção, com importante participação da produção imobiliária privada, voltada à classe média. Após o 1º choque do petróleo e os primeiros sinais de esgotamento do modelo de crescimento adotado, o investimento público em ―conjuntos habitacionais‖ ganhou novo ímpeto, o que se manteve até 1982. Com os dados da Tabela 3, Farah (1996) ilustra os movimentos descritos com base nos financiamentos do SFH. De 1964 a 1984 foram financiadas cerca de 4,2 milhões de moradias, com apenas 53% delas sendo de interesse social. Considerando que o valor médio de uma habitação para a classe média é bastante superior ao despendido em uma residência para a baixa renda, não é difícil inferir que o volume de recursos direcionados no âmbito do SFH foi muito maior para a classe média que para a baixa renda.

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O setor público criou instrumentos (FCVS) para sanar o estoque de saldos avolumados que se mostraram insuficientes para gerar um clima de confiança seja do demandante, seja do ofertante de recursos.

97 O deslocamento em direção à habitação de interesse social em meados dos anos 1970 vinha de encontro não apenas às crescentes críticas ao uso dos recursos do SFH mas também ao próprio encolhimento do mercado de residências para a classe média, já que parte substancial dele havia sido abastecido, e a própria retração econômica teria impactos sobre a sua dinâmica (FARAH, 1996). Na sequência, começaram então as experiências de construção dos grandes conjuntos habitacionais, com estruturas pré-fabricadas, ao molde da experiência europeia do imediato pós-guerra – que previa, segundo o desejo governamental, a manutenção de emprego não mais pelo uso intensivo de mão de obra (tal como na construção habitacional tradicional), até então preservada, mas pela grande escala das obras.

Tabela 3. Evolução dos financiamentos habitacionais concedidos – Brasil 1964/84

Anos

Programas Área de interesse

social SBPE Recon*

Outros Programas Total em Mil unidades % do Total em Mil unidades % do Total em Mil unidades % do Total em Mil unidades % do Total em Mil unidades % do Total 1964 a 1967 108 76,6 31 22,0 1 0,7 1 0,7 141 100,0 1968 91 64,5 47 33,3 3 2,1 - - 141 100,0 1969 106 67,1 42 26,6 10 6,3 - - 158 100,0 1970 73 47,1 72 46,5 10 6,5 - - 155 100,0 1971 60 49,2 51 41,8 11 9,0 - - 122 100,0 1972 39 31,7 67 54,5 15 12,2 2 1,6 123 100,0 1973 49 33,1 77 52,0 22 14,9 - - 148 100,0 1974 17 17,5 60 61,9 19 19,6 1 1,0 97 100,0 1975 61 41,8 65 44,5 13 8,9 7 4,8 146 100,0 1976 130 46,9 109 39,4 20 7,2 18 6,5 277 100,0 1977 185 69,3 58 21,7 17 6,4 7 2,6 267 100,0 1978 257 76,3 58 17,2 19 5,6 3 0,9 337 100,0 1979 246 64,6 109 28,6 22 5,8 4 1,0 381 100,0 1980 273 48,7 268 47,8 20 3,6 - - 561 100,0 1981 206 45,9 230 51,2 13 2,9 - - 449 100,0 1982 286 51,6 249 44,9 19 3,4 - - 554 100,0 1983 51 28,2 121 66,9 9 5,0 - - 181 100,0 1984 119 55,9 93 43,7 1 0,5 - - 213 100,0 Total 2.357 53,0 1.807 40,6 244 5,5 43 1,0 4451 100,0

Fonte: Farah (1996), com base BNH (apud Fundação João Pinheiro) e Albuquerque, 1986 (Estudos Econômicos, v.16, nº1, p77-121, Jan/abr 1986).

*Refinanciamento de materiais de construção.

Stam et al (2008) descrevem como o conceito dos grandes conjuntos habitacionais teria se deturpado no Brasil (e no mundo), transformando-se em sinônimo de construções precárias, em áreas sem infraestrutura urbano-social:

― Acontece que essas idéias originais foram se perdendo ao longo do tempo, em sua aplicação pelo mundo afora. A proposta de produção em

98 grande número não significava que todas as unidades devessem ser iguais, mas foi esse o modelo largamente adotado. Os equipamentos coletivos, como escolas e postos de saúde, foram deixados de lado ou implementados em número insuficiente para a demanda. […]

A partir dos anos da ditadura, ‗conjunto habitacional‘ passou a ser sinônimo de gente empilhada – com freqüência, bem longe do centro consolidado das cidades. Para o pesquisador, Cidade Tiradentes é exemplo da ênfase equivocada do Sistema Financeiro de Habitação, que

concebia moradia não como desenvolvimento urbano, mas como mera produção de unidades habitacionais.

Muitos outros conjuntos habitacionais construídos nas últimas décadas têm relação oposta à esperada com a cidade: em lugar de representarem a integração de novas moradias e espaços, são construídos de forma que facilita a segregação de quem mora ali. ‗Em muitos casos não se pensou na localização dos empregos, na identidade dos espaços, em um transporte de massa eficiente‘, relembra Bonduki. (STAM et al, 2008, grifo nosso)

Uma das causas apontadas para essa crescente descaracterização do programa de habitação popular no Brasil, seria a própria incapacidade de financiar as obras no ritmo e qualidade necessária:

[…], as limitações de financiamento são responsáveis em grande medida pela deterioração da qualidade dos projetos de conjuntos habitacionais, na avaliação de Bonduki. Para viabilizar um custo compatível com a capacidade de financiamento de imóveis para baixa renda, que não eram priorizados nas décadas passadas, os custos foram reduzidos a ponto de comprometer a qualidade mínima dessa forma de habitação. (STAM et al, 2008).

Ou seja, a degradação da qualidade construtiva foi consentida a fim de estender

o ciclo da construção. Como visto, a modernização então observada é reconhecida por

empresários da construção como ―irresponsável‖, já que os novos materiais e métodos

trazidos do exterior foram aplicados sem critérios, gerando economias na edificação dos prédios, mas patologias nos imóveis.

Uma causa pouco perceptível, ou pouco explorada, para essa majoração de custos foi o “não tratamento” da questão fundiária. A dinâmica imobiliária dificultou a compra de terrenos pelas COHABs, que mesmo recorrendo à compra de terrenos em áreas rurais, sem infraestrutura, com grande declividade e toda sorte de dificuldades que barateasse o acesso à terra (Fix, 2011, p.102), chegou ao limite de custo viável ao sistema. Especificamente para o interregno de 1969 a 1974, mas para uma problemática que se recoloca a cada ciclo de crescimento da produção, a autora afirma:

99 O aumento do crédito e da escala de produção, no caso da habitação, pode gerar a elevação do custo unitário, diferentemente de outros setores. O encarecimento dos terrenos dificultou a aquisição de terras com condições mínimas de aproveitamento. A estrutura de custos inviabilizava a produção, segundo o então presidente da Cohab. Os financiamentos do SFH passaram a privilegiar as obras urbanas e a produção de edifícios de apartamentos para população de renda média alta. (Fix, 2011, p.101)

O crescente desemprego e a crise financeira do Estado levaram a cortes nos programas voltados para a habitação de interesse social, que dependiam mais fortemente de subvenção estatal, assim como o próprio SBPE também encolheu frente à crise econômica. Havia problemas então tanto de oferta (ciclo imobiliário) como de demanda de novas habitações (contração econômica, aperto monetário).

Como contraparte, movimentos populares foram se formando em torno da questão da moradia. Em 1981 houve a invasão das terras na Fazenda Itupu, no Estado de São Paulo, que é considerado o marco inicial da luta pela moradia no Brasil – seja na área urbana, seja na rural (GOHN, 2008). Em 1984, foi organizado o ―Movimento dos Mutuários do Banco Nacional de Habitação‖, que reunia não os sem-moradia, mas as ―vítimas‖ dos descompassos do SFH (GOHN, 2008). Os movimentos sociais autóctones, junto às críticas mais gerais que se avolumavam em âmbito internacional ao antigo modelo de construção habitacional popular, de grandes conjuntos habitacionais, vão conformando novas propostas de política habitacional no país. Ainda que em um momento político intenso, Bonduki (2008) assinala a paralisia do SFH, em meio ao vácuo de novas políticas para o segmento:

Na redemocratização, ao invés de uma transformação, ocorreu um esvaziamento e pode-se dizer que deixou propriamente de existir uma política nacional de habitação. Entre a extinção do BNH (1986) e a criação do Ministério das Cidades (2003), o setor do governo federal responsável pela gestão da política habitacional esteve subordinado a sete ministérios ou estruturas administrativas diferentes, caracterizando descontinuidade e ausência de estratégia para enfrentar o problema. (p.75)

A incorporação do BNH à Caixa Econômica Federal, em 1986, refletiu a grande crise (inclusive institucional) por que passava a política habitacional brasileira. A Caixa Econômica Federal (CEF), um banco sem qualquer tradição na gestão de programas habitacionais, passou a gerir os recursos do SFH. Na segunda metade dos anos 1980 foram

100 desenvolvidos programas alternativos ao SFH48, direcionados à baixa renda, que teriam promovido ―o desmanche da área social do SFH‖, que teve desempenho muito limitado no período (SANTOS, 1999). As COHAB, que erigiam habitações de baixa renda com recursos do FGTS, mediante o SFH, tiveram seus financiamentos restringidos pelo governo central, passando de ―agentes promotores (i.e, tomadores de empréstimos do FGTS e executores de obras) a meros órgãos assessores, diminuindo assim a capacidade de atuação dos estados e municípios na questão habitacional‖ (SANTOS, 1999, p.20).

A paralisia do SFH teve seu auge após denúncias de utilização fraudulenta de recursos do FGTS no governo Collor, na entrada dos anos 1990. O agravamento da situação habitacional, por sua vez, exigiu o esforço de Estados e Municípios em soluções locais – que encontraram amparo na Constituição de 1988, que havia tornado a habitação uma atribuição dos três níveis federativos:

[…] no momento em que deixou de existir uma estratégia nacional para enfrentar a questão da habitação, vazio que foi ocupado de forma fragmentária, mas criativa, por Municípios e Estados. (BONDUKI, 2008, p.77)

Essa saída foi insuficiente tanto para solucionar o problema da demanda habitacional, como fragmentou, em alguma proporção, os esforços financeiros, as concepções tecnológicas e mesmo ideológicas em torno da habitação social. Com um olhar

a posteriori, Bonduki (2008) verifica que o grande déficit habitacional aberto no Brasil não

decorreu especialmente da crise do SFH, mas também da visão estreita de planejamento urbano e habitacional até então construída:

Não seria razoável exigir que o Sistema Financeiro da Habitação pudesse financiar a construção de unidades prontas na dimensão necessária. Mas uma análise crítica mostra que um dos grandes equívocos foi voltar

todos os recursos para a produção da casa própria, construída pelo sistema formal da construção civil, sem ter estruturado qualquer ação