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Capítulo 1. A Edificação no período da globalização

1.2. O segmento de Edificação e suas transformações

1.2.2. Internacionalização da Construção

1.2.2.3. O capital promotor da internacionalização

Resta avaliar as motivações que os grandes gestores de recursos especializados em edificações (incluindo a gestão de empreendimentos imobiliários) têm para

internacionalizar seu capital, potencializando, como já aludido, booms imobiliários ―pelo

globo‖. Conforme Chesnais (1998), acredita-se alguns agentes são capazes de direcionar os movimentos globais de investimentos.

Para identificar as motivações à internacionalização no segmento, utilizou-se documentos disponibilizados pela Wharton School21, escola de MBA ligada à Universidade

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68 da Pensilvânia (EUA), sob o tema ―Real Estate‖ para destacar as vantagens locacionais que os estrategistas do segmento têm apresentado como relevantes para eleger as regiões do

mundo como aptas, ou não, a receber recursos. São transcrições de palestras, entrevistas de

algumas personalidades do ―mercado imobiliário global‖ e artigos de professores, que auxiliam no entendimento das motivações daquele capital – cujos títulos seguem no Anexo 1. Outros artigos, de origem semelhante – de ―formadores de opinião‖ – poderiam ser utilizados, mas o conteúdo fundamental identificado é o mesmo.

É importante ressaltar que parte relevante desses gestores aplica recursos na esfera produtiva, independentemente da rubrica que suas operações levarão nos Balanços de Pagamentos – ou seja, estabelecem operações que configuram IDEs ou Investimentos em Carteira, conforme a participação acionária nas empresas locais, ou outros tipos arranjos com Incorporadoras/Construtoras locais.

Nos documentos analisados observou-se que desde antes da crise de 2008 empresas imobiliárias espanholas já estavam aportando na América Latina por três razões principais: pelo esgotamento da expansão do mercado residencial espanhol; pelo volume de recursos líquidos acumulados pelas empresas com aqueles negócios, na Espanha; pela estabilidade econômica e potencial demográfico dos países da região latino-americana. Ou seja, o esgotamento do boom imobiliário espanhol deixou alguns produtores e negociantes com liquidez suficiente para buscar novos mercados – tal como ocorreu no início e final dos anos 1990, com a crise asiática, que acabou por acelerar o processo de internacionalização da construção descrito em UNCTAD (2000).

A América Latina foi ―escolhida‖ como mercado a ser explorado pelas condições

de demanda amplamente favoráveis e pela estabilidade econômica.

A existência de um volume mínimo de negócios, ligado à economia e à

demografia (demanda), marca a decisão de explorar um determinado mercado – sendo que

a participação da dita economia em áreas de livre comércio (ou outros acordos do gênero) amplia o mercado e dá maior segurança aos investidores22. Semelhanças culturais23 e econômicas abririam espaço à possibilidade de replicação de projetos, o que traria grande

vantagem de custos aos investidores internacionais.

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Essa vantagem foi citada mais de uma vez em relação ao México, que ao participar do NAFTA dava uma perspectiva de mercado mais amplo, de segurança jurídica, de controle de custos mais favorável.

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69 A estabilidade econômica a que os investidores se referem fundamenta-se em elementos que vão além do desempenho econômico de curto prazo que normalmente está no discurso jornalístico. Os investidores procuram, antes de tudo, espaços com

estabilidade política e que apresentem “segurança jurídica” aos contratos. O relato de

experiências traumatizantes com a nacionalização de propriedades na Venezuela, a corrupção na Rússia e na Índia são usados para demonstrar como a ―estabilidade‖ almejada tem, antes de tudo, profunda relação com o amparo legal aos contratos firmados.

A ―estabilidade‖ também remete ao comportamento dos preços – que se desdobra em três elementos: i. à estabilidade do senso comum: níveis controlados de inflação, que permitem um gerenciamento mais fácil das atividades empresariais; ii. à “livre” formação

de preços no mercado imobiliário – que garante a possibilidade da valorização imobiliária

em moeda local; e iii. à ampla liberdade de conversão dos valores auferidos em moeda

local em moedas “fortes”. O horizonte dessa ―estabilidade‖ macroeconômica e dos

marcos regulatórios deve ser de ao menos 3 a 4 anos – período mínimo que se prevê para realizar o potencial de um mercado.

Neste sentido, pressupondo a existência de terrenos a baixos preços e acessíveis

ao capital estrangeiro, a condição ideal de exploração de um mercado é chegar no período

em que se inicia a aceleração do volume de negócios, já que se conseguirá aproveitar tanto dos fortes ganhos imobiliários em moeda local, como, no caso de Regime de câmbio flexível, da potencial valorização cambial que a seguirá, com a chegada de mais investidores. Assim, os primeiros capitais a aportarem serão os que assumirão os maiores riscos, mas também as maiores recompensas, se de fato houver o boom, na sequência.

Também é uma pré-condição à recepção de capitais a existência de um mercado de

trabalho compatível com o crescimento dos negócios – que vai da disponibilidade desde

executivos qualificados (seja na área de Edificação, Imobiliária ou mesmo na área financeira) à mão de obra desqualificada a ―bons preços‖24 para a edificação, e de um

sistema financeiro local compatível com as operações internacionalizadas, já que se

pretende ter, além da viabilização da demanda e da oferta de Edificações, o benefício de explorar os ativos financeiros derivados dos imóveis, o que pressuporia um mercado de

capitais local com certo grau de desenvolvimento.

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70 A existência de um mercado de capitais local organizado à semelhança dos observados em economias desenvolvidas cumpriria, assim, duas funções: determinar as condições de liquidez dos ativos adquiridos e estender as possibilidades de exploração dos ativos financeiros derivados dos imóveis. Essa última observação corrobora a idéia de

que a internacionalização produtiva, neste segmento, caminha junto com a financeira podendo ser determinada, inclusive, pelos mesmos agentes.

Cita-se como vantagem locacional, ainda, a disponibilidade de ―recursos naturais ilimitados‖, o que se lê como uma indústria local de insumos que suporte o crescimento da Construção, dada a ainda baixa movimentação desses bens em âmbito internacional.

Os governos locais influenciariam nas decisões de investimentos não só pela garantia de ―estabilidade‖ macroeconômica, pela permissão de compra de terrenos e atuação do capital estrangeiro, mas também pelas vantagens fiscais cedidas ao setor de

edificações e imobiliário (obviamente extensível ao capital estrangeiro), pela cessão de subsídios à habitação de interesse social25, que amplia a faixa da população apta a adquirir uma residência e pela execução de investimentos em infraestrutura26, que viabiliza e valoriza os imóveis – conforme Monteiro Filha (2010).

As barreiras ao investimento, como de certa forma já colocadas, seriam o risco

político27, a burocracia28 e a corrupção29 nos mercados em desenvolvimento.

A síntese de um encontro realizado em dezembro de 2008, nominado ―Real Estate

in Emerging Markets: Opportunities and Risks‖, foi:

Dar atenção aos países onde é forte o crescimento da classe média – por exemplo, China ou Brasil. Concentrar-se principalmente no setor de moradia e varejo, e priorizar operações de longo prazo. Não tentar coisa

alguma sem a participação de um parceiro local.

Esse era o consenso entre os incorporadores, investidores, especialistas em finanças e executivos em palestras proferidas em recente Fórum sobre Bens Imóveis em Mercados Emergentes da Wharton. Com a economia em queda e a demanda minguando nos EUA e na Europa Ocidental, não é de espantar que os investidores em bens imóveis se sintam, mais do que nunca antes, atraídos pelos mercados emergentes (Grifo nosso).

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caso do México e do Brasil. 26

Vantagem fortemente ressaltada na China, em que o governo chega a gastar volumes iguais aos dos empreendimentos imobiliários, feitos por empresas que muitas vezes são jointventures entre o capital público chinês e o capital privado internacional, na infraestrutura urbana para viabilizá-los.

27

Quando cita-se as nacionalizações venezuelanas. 28

Com destaque à Índia. 29

71 De especial interesse a esse estudo, é praticamente consensual entre os investidores que a forma ideal de penetração em ―novos‖ mercados seria a de estabelecimento de

parcerias com produtores locais. Isso facilitaria a entrada, sobretudo por os parceiros

locais ―terem contato com as autoridades locais e que conhecerem as regras do jogo‖, e mesmo a saída, quando é aberta a possibilidade da venda de participação. Essa venda pode gerar bons lucros no auge cíclico ou menores perdas na reversão de mercado, quando a opção é abandonar os ativos fixos adquiridos no mercado local. Essa preferência também pode revelar, por outro lado, um poder de mudanças no padrão técnico e organizacional

limitado, já que o móvel desse capital é antes a valorização patrimonial que as rendas operacionais auferidas em prazos mais longos – o que pode significar que se levará ao limite as possibilidades técnicas locais já existentes.

É digno de nota, ainda, no mesmo material, que além de observar os mercados emergentes como mercados aptos à valorização do capital que gerenciam, os estrategistas dos fundos e demais empresas do segmento imobiliário também viam naqueles países, em meio à crise, uma fonte de recursos líquidos para a sua operação. Os Fundos Soberanos de Cingapura, da Rússia e dos Emirados Árabes, por exemplo, eram cortejados como possíveis financiadores de operações imobiliárias. Um incorporador francês que havia estabelecido uma joint-venture na China, há alguns anos, mostrou sua ambição de participar do projeto de internacionalização da Construção do Governo Chinês, citando a importância dos recursos do fundo soberano daquele país.