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Haiti, medo e silêncio: sumiu a metáfora do Haiti, desapareceu o medo do negro?

desse Estado.

Ramos coloca que “Os usos e costumes dos quilombos dos Palmares copiavam as organizações africanas de origem banto, mas as condições introduzidas com os hábitos aprendidos no Novo Mundo.” 466 Infelizmente não expõe quais hábitos seriam esses, nem que tradições africanas existiriam em Palmares, pois “infelizmente não se conseguiu fazer um estudo detalhado da organização dos Palmares. Apenas conseguimos algumas informações, através dos relatos dos cronistas e dos expedicionários da época.” Isso nos faz supor que ele chegou a essas conclusões através das concepções teóricas, sem resultados de uma pesquisa.

Concluímos que ele realiza uma distinção do “Estado africano”, utilizando a ideia de “Estado Negro”, “que os escravos brasileiros organizaram no século XVII, onde se evidenciaram as capacidades de liderança, de administração, de tática militar, de espírito associativo, de organização econômica, de constituição legislativa do Negro brasileiro”.467 Ou seja, não era um “estado africano”, ou um “estado estrangeiro”, era um “estado do Negro brasileiro”, no qual predominava as tradições africanas. É um espaço brasileiro, ou de uma parcela do povo brasileiro que ele compreende.

Haiti, medo e silêncio: sumiu a metáfora do Haiti, desapareceu o medo do

negro?

Existia uma metáfora no texto de Raimundo Nina Rodrigues que tinha um teor marcante para o leitor atento, o “mestre” aproxima o Quilombo dos Palmares ao Haiti, evidentemente isso ocorreu num momento em que a luta daquela população negra não era

       465 RAMOS, Arthur. Op. cit. 1971. p. 34-35.

466 RAMOS, Arthur. Op.cit. 1956. p. 68; RAMOS, Arthur. Op.cit. 1951. P.62. 467 Ibid. p. 75.

bem vista na elite brasileira, seja ela detentora do capital econômico, político ou cultural. Falamos do escritor Thomas Lindley que em “Narrativa de uma viagem ao Brasil”, de 1805, falou sobre a possibilidade de uma repetição da revolução de São Domingos em território brasileiro.

Até 1888 o medo estava presente na sociedade, ou pelo menos no grupo escravista, era uma característica recorrente nos debates ou textos sobre o negro e a escravidão no Brasil. Como apontou a historiadora Celia Maria M. de Azevedo468, o alvorecer do século XIX trouxe a revolução haitiana que influiria no enraizado modo de vida escravista. Coube ao Império do Brasil uma herança, decisiva para que começasse a pensar a necessidade de se extinguir a escravidão. Houve um “grande medo”, instigado pela sangrenta revolução haitiana, originada na luta de aproximadamente treze anos ocorridas na colônia francesa das Índias Ocidentais de São Domingos.

A ilha de São Domingos tinha uma sociedade escravista e colonial, muito parecida com a sociedade colonial da América portuguesa, pelo menos superficialmente. Tinha no topo de sua sociedade uma pequena elite branca proprietária de terras e escravos, composta de funcionários e autoridades administrativas. Como grupo intermediário na escala de poder e riqueza, os brancos pobres, que nas fazendas eram feitores, administradores ou capatazes; e nas cidades escriturários, artesãos, alfaiates, soldados rasos; muitos eram também fugitivos, devedores, criminosos. Desprezados e hostilizados pelos brancos existiam os mestiços livres que conseguiram se estabelecer praticando algum oficio, mas sem direitos políticos. Na base dessa sociedade havia um imenso grupo explorado de escravos africanos e seus descendentes.

Vivendo em constantes tensões sociais, revoltas e resistências entre os escravos eram cotidianas: envenenamentos, suicídios, pilhagens, fugas etc. Dos quilombos surgiu a primeira revolta organizada contra os brancos, em 1789, que foi conduzida pelo líder quilombola François Mackandal, cujas forças rebeldes aterrorizaram os fazendeiros brancos durante seis anos. Durante a Revolução Francesa, o governo estendeu a igualdade de direitos a todos os cidadãos livres das colônias, esses, até este momento, não detinham os mesmos direitos dos cidadãos da metrópole. Essa notícia se espalhou por São Domingos e as rebeliões promovidas por negros e mestiços ficaram mais intensas, e em 1791, iniciou-se uma rebelião sem

      

468 AZEVEDO, Célia M. M. Onda Negra e Medo Branco: o negro no imaginário das elites século XIX.3 ed.

precedentes. Muitas plantações e engenhos foram destruídos, houve milhares de mortes. Sem uma liderança definida a situação da ilha era de desordem.

A luta se organizou somente em 1794, sob o comando de Toussaint L’Ouverture e de seus companheiros. Entre 1791 e 1804, os negros (cativos e libertos) e mestiços da ilha enfrentaram a elite branca local, os soldados da monarquia francesa, uma invasão espanhola, uma expedição britânica e uma expedição enviada por Napoleão Bonaparte. Esta última, derrotada em 1803, permitiu a fundação do Estado do Haiti. A emancipação do Haiti não representou apenas um movimento político, foi a principal revolução de escravos da contemporaneidade, uma revolução negra no continente americano. Um exemplo que assustaria as elites escravistas de outras colônias europeias na América, como o Brasil.

Segundo Azevedo os “grandes” homens que viviam no Brasil, foram tomados pelas expectativas dos negros subverter a ordem e acabar de vez com a tranquilidade dos ricos proprietários.

Frente a estas expectativas disseminadas de inversão da ordem política e social, de vingança generalizada contra os brancos, os ouvidos educados não só ouviram como começaram a falar sobretudo a escrever, registrando todo um imaginário em que se sobressai a percepção de um país marcado por uma profunda heterogenia sócio-racial, dividido entre uma minoria branca, rica e proprietária e uma maioria não-branca, pobre e não-proprietária.469

O medo duma reprodução da Revolução Haitiana no Brasil atravessou a tradição historiográfica sobre o tema, por todo o século XIX. Tomados pelo medo em perder a ordem, medo do caos, no qual a origem estaria no negro e mulato, ou na liberdade dos escravos. Possivelmente, esse sentimento fez os diversos autores pensarem o espaço Quilombo dos Palmares, como um risco a colonização, a civilização e a ordem social.

A revolução haitiana aparece como uma quebra do status quo, por isso houve um medo de que o acontecido em São Domingos fosse repetido no Brasil, medo do fim da ordem escravocrata, da estrutura colonial e das hierarquias sociais vigentes. Segundo o geógrafo Yi- Fu Tuan os homens necessitam de ordem, por isso “de certa forma, toda construção humana – mental ou material – é um componente na paisagem do medo, porque existe para controlar o caos.”470 Ao nosso ver Palmares e o Haiti podem ser interpretadas como paisagens do medo, pois representavam a desordem da estrutura escravocrata e senhorial brasileira. Para Tuan tais

      

469 AZEVEDO, Célia M. M. op. cit. 2004. p. 29 470 Ibid. p. 12.

paisagens delimitam os espaços do Eu e do Outro, estabelecem ou mantém hierarquias sociais, baseados na representação do perigo e do caos.471

Celia Maria M. de Azevedo se deparou com a obra do paulista Antônio Vellozo de Oliveira, “Memória sobre os melhoramentos da província de S. Paulo” publicada em 1810. Preocupado em relação a continuidade da escravidão eram “os casos tristes” e recentes ocorridos na Jamaica, Suriname, São Domingos e que mereciam uma “particular reflexão”.472 Outro autor que manifestou esse medo foi João Severiano Maciel da Costa, marquês de Queluz, que governou a Guiana Francesa de 1809 a 1819, e em 1821 publicou “Memória sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos no Brasil”.473 Na sua

opinião o negro seria inimigo, não só por sua condição de escravo como também por sua natureza bárbara, africana. Devido o Brasil ter uma “enorme massa de negros escravos e libertos que fazem ordinariamente causa em comum entre si”, apenas “felizes circunstâncias” tinham impedido até aquele momento insurreições do tipo de São Domingos.

O historiador Renato Amado Peixoto encontrou nas Atas de reunião de 1846 da Seção de Justiça e Negócios Estrangeiros do Conselho de Estado do Império do Brasil, referências ao temor que as elites brasileiras tinham de ocorrer no país a mesma coisa que aconteceu no Haiti. Uma das correntes de pensamento dentro dessa instituição, cujo expoente era Caetano Maria Lopes Gama, acreditava que: “A continuação do Tráfico, além de estimular a mistura de raças, poderia ser a ruína da Monarquia e das elites, ‘o Cavalo de Troia’ que traria para o Brasil ‘os defensores das instituições do Haiti’”474 – A permanência da escravidão suscitava o temor de acontecer uma revolução haitiana no Brasil.

Em 1883 Silvio Romero publica o texto Joaquim Nabuco e a Emancipação dos Escravos, nele defendia a continuidade da escravidão, pois o negro era inferior e, portanto, vencido na escala etnográfica. Por conta do negro ser incapaz, não-civilizado, sem noção de liberdade a escravidão deveria continuar até ser superada economicamente pela implantação da mão-de-obra livre do imigrante europeu. De acordo com Azevedo a grande preocupação de Romero era de que “o Brasil não é, não deve ser, o Haiti”.475

      

471 TUAN, Yi-Fu. Paisagens do medo. São Paulo: Editora UNESP, 2005. 472 Idem.

473 Ibid. p. 30

474 PEIXOTO, Renato A. Cartografias imaginárias: estudos sobre a construção da história do espaço nacional

brasileiro e a relação História & Espaço. Natal: EDUFRN; Campina Grande: EDUFCG, 2011. p. 62

É necessário fazer uma observação sobre a possibilidade da influência de Silvio Romero com relação ao medo do Haiti em Rodrigues: Rodrigues era contemporâneo e leitor de Romero, foi a ele que direcionou a maior parte dos seus escritos sobre os negros, principalmente desenvolvendo críticas sobre a pouca cientificidade e as conclusões de Romero. Dificilmente ele não conheceria esse texto. Fica a dúvida se foi por meio de Silvio Romero que o medo do Haiti chegou ao médico maranhense. Contudo o nosso argumento é mais abrangente, estamos mostrando que era um medo corrente nas elites brasileiras, principalmente escravistas. É também provável a influência do pai de Nina Rodrigues na origem desse medo, sendo ele senhor de engenho e proprietário de escravos.

Mais frutífero é entender os motivos que levaram Nina Rodrigues a dar continuidade ao medo. O medo de um novo Haiti parece fora de tempo, já que a escravidão tinha acabado e o regime republicano iniciava um processo de abertura política. A conjuntura social das décadas de 1890 e 1900 podem nos iluminar nesse ponto, pois devemos lembrar que foi durante esse período que ocorreram diversos conflitos sociais. Não temos o objetivo de citar todos os conflitos, lembraremos apenas Canudos, por ter ocorrido em terras baianas e ser o maior conflito desse período. E principalmente por Nina Rodrigues ter analisado e explicado esse acontecimento na inferioridade dos mestiços. Para ele Canudos é um exemplo da impossibilidade dos mestiços se civilizarem, foi uma “epidemia de loucura”.476 É importante lembrar que ele desenvolveu um estudo de frenologia com o crânio de Antônio Conselheiro, e outros “bandidos” o seu objetivo era explicar que a raiz do crime era antes de tudo racial.

Quando o assunto é o negro e o mestiço das grandes cidades a sua concepção não é diferente da que chegou sobre Canudos. Em diversos textos, ele fala da inferioridade dos negros e mestiços de Salvador, da dificuldade em fazê-los entender as políticas higienistas e da resistência ao progresso e a civilização.477 O fato de ele ser um morador de Salvador, com certeza exerceu uma influência sobre a formação do seu modo de pensar e sobre e a manutenção desse medo.478 Segundo Roberto S. Souza479, a Bahia, principalmente sua capital Salvador, chegava à primeira década do século XX na “contramão da história”. As suas

      

476 RODRIGUES, Nina. Canudos e política. In: MENEZES, Djacir (Org.) O Brasil no pensamento brasileiro:

introdução, seleção, organização e notas bibliográficas de Djacir Meneses. Brasília: Ed. Senado Federal, 1998. p. 235 – 244.

477 Idem.

478 O “percurso” deve deixar no texto um sulco. Ver: DERRIDA, Jacques., op. cit., p. 75

479 SOUZA, Robério Santos. Experiências de trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: trabalho,

solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. f. 159.

características de uma cidade tradicional contrariavam os novos tempos do discurso da ordem republicana brasileira. Na visão dos letrados e visitantes contemporâneos, a imagem da Bahia, era a de um lugar que reinava aquilo que eles gostariam de deixar no passado, e consequentemente os impediam de se inserir na era do progresso e da civilidade.

Para as elites progressistas, tudo estava pelo o avesso: o nítido atraso econômico de sua capital em relação às outras capitais e a incipiente industrialização; o projeto frustrado de branqueamento racial das elites; a memória da escravidão que se fazia presente nas ruas, no universo do trabalho, nos costumes e na cultura da grande maioria da população, composta por negros, mulatos e mestiços, nas cidades e nos campos; tudo isso constituía obstáculos à ideia de civilização daqueles tempos.480

De diferentes formas, as pretensões das elites progressistas foram frustradas pela realidade que se apresentava. O que se via, na capital baiana, Salvador, nos primeiros anos do regime republicano, era uma cidade negra, comercial e com constantes crises econômicas. Na conjuntura nacional, a coisa não era diferente, para os intelectuais e elites políticas, em um momento que se “redescobria a nação”, indígenas, africanos e mestiços passaram a ser entendidos como obstáculos para que o país atingisse o esplendor da civilização, como uma barreira para a formação de uma verdadeira identidade nacional.481 Para alguém, como Nina Rodrigues, que partilhava das ideias das teorias do “racismo científico” e do “evolucionismo cultural”, o Brasil, a Bahia e Salvador não pareciam ter afastado totalmente o perigo de uma revolta dos negros e mestiços, que continuavam sendo a maioria pobre e não-proprietária. É dentro desse cenário de produção que foi possível Rodrigues mostrar toda a sua simpatia pela dissolução de Palmares, afirmando que este era um problema para o desenvolvimento do futuro brasileiro:

A todos os respeitos menos discutível é o serviço relevante prestado pelas armas portuguesas e coloniais, destruindo de uma vez a maior das ameaças à civilização do futuro povo brasileiro, nesse novo Haiti, refratário ao progresso e inacessível à civilização, que Palmares vitorioso teria plantado no coração do Brasil. E esse sucesso não foi produto de uma ação fácil e sem perigo. Custou ao contrário à tenacidade e previdência do governo colonial grandes sacrifícios de homens e de dinheiro.482

       480 Ibid. p. 83.

481 QUEIROZ, Maria Isaura. Identidade cultural, identidade nacional no brasil. In: Tempo Social 1. São Paulo:

Edusp, 1989. p.32

482 RODRIGUES, Nina. op. cit. 1905. p. 652.; RODRIGUES, Nina. op. cit. 1912. p. 238; RODRIGUES, Nina.

O medo constante em ver acontecer no Brasil o que ocorreu no Haiti, era um exemplo da sua preocupação com a “garantia da ordem social” que perpassa as suas obras e é lembrado por ele às autoridades que o leem. Utilizando o exemplo do Quilombo dos Palmares como impossibilidade de organização do negro, mesmo os mais avançados, de alcançar a civilização ariana e de se adequar totalmente a organização do branco.483 Esse medo em perder a ordem, medo do caos no qual a origem entende estar no negro e mulato, possivelmente, o faz pensar o espaço de Palmares como um risco à civilização, o medo da paisagem da revolução haitiana sobrepõe a sua escrita sobre Palmares, o Quilombo é uma paisagem do medo.484 É a partir do medo que se forma uma tensão na elocução metafórica unindo o Haiti com a sua história de independência e revolta negra no final do século XVIII ao Quilombo ocorrido no século XVII.

Existe uma ausência dessa metáfora ou topos nos escritos de Arthur Ramos sobre o Quilombo dos Palmares. Evidentemente não é esperado por nenhum pesquisador que todas as ideias, conceitos ou topos elaborados por um intelectual venham a ser seguidos por aqueles que se colocam como herdeiros. Então por que essa ausência me inquietou? Foi porque ela me gerou um questionamento importante para compreender Arthur Ramos e, quem sabe, o seu momento histórico: Ainda existia um medo das populações negras em Arthur Ramos e na elite da década de 1930 e 1940?

Não significa que Arthur Ramos não fale sobre o Haiti, ainda que de maneira resumida sempre que ele está escrevendo sobre o grupo linguístico africano fon ele demonstra que os escravos que foram utilizados no Haiti tinham essa origem.485 A questão é que ele não estabelece proximidades com Palmares, nem faz uma análise ou uma crítica a guerra da independência travada por aqueles negros. Possivelmente a sua leitura ou escritura sobre esse assunto esta permeada pela leitura dos livros de Mellville Herskorvits, Richardo Patte e Louis Price-Mars, como demonstra a sua correspondência com estes intelectuais durante os anos de 1935 e 1937, sempre procurando saber algo mais sobre o assunto ou conseguir por cortesia um livro para completar a sua bibliografia.486 Essas cartas demonstram que havia uma leitura especializada sobre o tema, por sinal devido aos seus objetivos de divulgação internacional de

      

483 RODRIGUES, Nina. op. cit. [s.d]. p. 118, 133.

484 TUAN, Yi-Fu. Paisagens do medo. São Paulo: Editora UNESP, 2005. 485 RAMOS, Arthur. op. cit.1971. p. 95-116

486 Essas cartas estão no Acervo da Biblioteca Nacional: RAMOS, Arthur. Rio de Janeiro, 28/2/1935. 4 p. Rasc.

Ms.I-35,15,172; RAMOS, Arthur. Carta a Louis Prince Mars. Rio de Janeiro, 6/7/1936. 2 p. Rasc. Ms. I- 35,17,250; PATTEE, Richard. Carta a Arthur Ramos. Porto Rico, 15/12/1935. 2 p. Orig. Dat.I-35,36,2.034.

seu nome e suas obras, através dessa rede de relações intelectuais, dificilmente ele poderia escrever algo que o comprometesse com outros colegas. Por exemplo, Louis Price-Mars era um intelectual negro e caribenho que pesquisava a religião no Haiti.

Sobre o medo das populações negras em Arthur Ramos, temos um indício de que esse silenciamento é provocado por uma ideia de nação construída pela democracia social e étnica.487 Esse indício foi encontrado num artigo escrito para a primeira edição da revista “Senzala”, de janeiro de 1946, meio de comunicação da “imprensa negra”, no qual esse intelectual pode dialogar com os grupos de intelectuais afro-brasileiros e do incipiente “movimento negro”.

O texto é intitulado “Zumbi” e foi escrito para a mocidade de homens e mulheres de cor falando da realidade social e econômica precária enfrentados por esse grupo social que tem “Zumbi como padroeiro”, afirmando que essa realidade é agravada por uma indisposição latente de muitos contra o elemento de cor, inconsciente ou envenenados por “arianistas aborígenes” que esquecem a origem comum do brasileiro nas três raças. Ele faz uma sugestão para essa mocidade através da imagem de Zumbi:

Porém, não te entristeças, Zumbi. O teu idealismo, o teu feito heroico, a tua combatividade não foram em vão. Nesta hora tumultuosa por que passa a humanidade, o teu exemplo épico e magnifico ressurge da noite dos séculos como uma aurora luminosa indicando às gerações moças do Brasil de cor um novo caminho para a solução do problema. E os moços compreender-te-ão. Se naqueles tempos a atitude era a hostilidade, de adversidade, hoje, eles em breve desfraldarão uma nova bandeira que não é a da separação, mas a da integração, da colaboração sincera, despretensiosa e construtiva, de afirmação consciente do próprio valor, do desassombro e da dignidade. E com o coração voltado para o ideal da perfectibilidade da nacionalidade brasileira eles hão de afirmar-se e lutar para a maior grandeza da nossa estremecida Pátria.488

O diálogo com essa imprensa era utilizado para manter a sua influência intelectual sobre esses grupos. A parte interessante é que ele lembra a “mocidade de cor” que o tempo de Zumbi já não existe mais, a violência, o isolamento e a combatividade não merecem mais espaço, o caminho para as mudanças dessa condição desfavorável na sociedade é a integração à nação. Esse é um caminho pacífico que nos moldes de uma ideologia da democracia étnica e

      

487 GUIMARÂES, Alfredo. Classes, raças e democracia. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 2012. p. 148-152. 488 RAMOS, Arthur. Zumbi. In: Senzala: revista mensal para o negro. Ano 1. n. 1. Janeiro. São Paulo, 1946. p.

social que ele e outros pensadores ajudaram a divulgar, o branco não oprime o negro quem fez esse papel foi a condição histórica dele na escravidão, portanto o negro não deve reagir.

Sabemos que a metáfora não é um ornamento de discurso, e que por outro lado oferece uma nova informação, diz algo de novo acerca da realidade. Isso significa que ela é volátil. Todavia, Paul Ricœur489 demonstrou que as metáforas estão relacionadas a símbolos ou sistemas simbólicos. O nível simbólico tem uma lenta evolução, os sistemas simbólicos são reservatórios de sentidos, isso ocorre porque eles estão diretamente ligados ao cosmos. As metáforas de raiz são dominantes capazes de organizar e gerar uma rede que serve de junção entre o nível simbólico e o nível metafórico.

Tratando do Quilombo dos Palmares observamos que o nível metafórico, está carregado de sentidos anteriores que vem a tona no momento da escritura, que é um percurso