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O debate sobre a nação, a identidade brasileira e os problemas nacionais, foram fundamentais na primeira metade do século XX. Praticamente todos os intelectuais que conquistaram notoriedade, estavam inseridos nesse ambiente. A antropóloga Luitgarde Barros coloca Arthur Ramos como um dos jovens da década de 1920 empenhados na transformação do mundo. Não sei se o mundo nesse momento já seria uma preocupação dele, mas o Brasil provavelmente era.43 Segundo Barros, em um livro inédito - “José Américo, sociólogo” - escrito enquanto Ramos era aluno da Faculdade de Medicina da Baía, ele debateu o livro “A Paraíba e seus problemas”, lançado em 1923. Nas suas colocações, condenava o Estado brasileiro pelo problema da miséria da nação. Num primeiro momento, nos parece correto pensar sobre a formação da nacionalidade no período pesquisado. Quais eram as características do pensamento sobre a nação no qual Arthur Ramos estava imerso?

Quando foi anunciada a abolição da escravidão, o final do cativeiro foi festejado nas cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, o Paço Imperial foi tomado pela multidão, comemorando a assinatura da Lei Áurea, com direito a desfiles de grupos abolicionistas e populares pela cidade. O jornalista José do Patrocínio, líder abolicionista negro, foi homenageado em vários cantos da cidade, proclamando diversos discursos naquela noite, sempre que possível exaltando o nome da Princesa Isabel. Tais festejos, transformaram-se em grandes manifestações populares em várias cidades brasileiras, era um reflexo da amplitude social do movimento antiescravista no Brasil. Era, portanto, um anúncio para as elites brasileiras e para o Estado – aqui centrado na figura do Imperador e da família Real, mas futuramente na República e nos representantes políticos - de que um grupo social, antes desprezado, ou pouco levado em consideração na sociedade e pelo poder público44, agora cantava sua liberdade plena e de direito e, gritava por sua cidadania e por igualdade.

      

43 BARROS, Luitgarde. Fazendo ciência, construindo o social: uma vida em tempos de utopias. In:_______

(Org.). Arthur Ramos. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes, 2011. P.314-340. (Memória do Saber) p.

323.

44 Devemos considerar que os escravos, principalmente em centros urbanos, procuravam a justiça em ocasiões

O 13 maio de 1888 era mais do que o fim do cativeiro para os ex-escravos e o restante da população negra. A abolição deveria possibilitar aos negros direitos de cidadania iguais aos da população branca, o acesso à terra, ao trabalho, à educação e a outras condições de vida que dariam paridade com o restante da população. 45 Os libertos queriam que seus filhos tivessem oportunidades de ascensão social, tinham expectativas de um presente e futuro melhores. As lutas continuaram, sejam pelos direitos, pela participação política, pela representação política, os conflitos eram constantes e complexos, entre negros e brancos, negros monarquistas (Guarda Negra) e republicanos, ex-senhores e ex-escravos.46 Após um ano e meio da Lei Áurea, além da liberdade conquistada com muita luta por esses negros47, e outros abolicionistas que aderiram a sua causa, a vida desses homens e mulheres não havia mudado, a cidadania plena tão esperada e o direito a igualdade não foram contemplados, a luta por esses direitos continuaram nas fazendas e nas cidades.

Foi então que, em 15 de novembro de 1889, o golpe de Estado foi dado e a República proclamada, a esperança daquele povo continuava. O novo regime, a tal República, como nos mostrou Maria Tereza C. de Mello48, era discutida nas ruas, nos meetings e nos jornais. Era o progresso e a modernidade brasileira chegando; o governo para o povo; finalmente, a cidadania plena seria conquistada; pelo menos, esse era o discurso dos republicanos alimentando as esperanças da população de cor. Porém, essa população logo descobriria que a República também negaria a cidadania, sendo excluídos e marginalizados por esse governo. Para José Murilo de Carvalho49, o povo, formado em sua maioria por negros e mestiços, não desfrutaram da cidadania plena na República; até teriam uma certa cidadania civil, porém era

      

isso ver: CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas na escravidão na Corte.

São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

45 Sobre as diversas histórias de libertos e a luta pela cidadania, dando-lhes uma condição de “quase-cidadão”,

ver: CUNHA, Olívia Maria Gomes da; GOMES, Flávio dos S. (Org.). Quase-cidadão: histórias e antropologias

da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2007. Ver também: FRAGA FILHO, Walter.

Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia. Campinas: Ed.

UNICAMP, 2006.

46 ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O Jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São

Paulo: Copanhia das Letras, 2009.

47 Atualmente temos uma bibliografia consolidada que demonstra o protagonismo da população negra e mestiça

nas lutas pela sua liberdade, através de suas fugas, suicídios, quilombos, associações e a participação no movimento abolicionista como são os casos mais conhecidos de Luís Gama, José do Patrocínio e o Quilombo das Camélias. Diversos autores obras podem e devem ser citados pela importância nessa abordagem, destacam- se os trabalhos de: Hebe Mattos, Marta Abreu, João José Reis, Sidney Chalhoub, Célia Maria Marinho de Azevedo, Wlamyra Albuquerque, Flávio dos Santos Gomes, etc.

48 MELLO, Maria Tereza Chaves de. A república consentida. Rio de Janeiro: FGV, 2007.

49 Estamos totalmente cientes das oposições e críticas nos argumentos de Maria Mello à tese de Carvalho sobre o

advento da República, porém sobre o tema abordado no parágrafo não existe impedimentos, pois não apresentam argumentos contrapostos sobre a realidade do negro e mestiço na República. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

totalmente negada a cidadania política, marcado pelo alto índice de analfabetismo e a proibição do voto às mulheres que impossibilitava a participação política nos pleitos. Por conseguinte, este cientista político destaca as constantes perseguições do regime republicano a essa população, como as destruições de cortiços e o “bota-abaixo” do Rio de Janeiro. Apesar da constante privação da cidadania e perseguições às práticas culturais e sociais dos negros e mulatos, partimos da premissa de que enquanto sujeitos históricos, essa população construiu, com suas práticas discursivas e não-discursivas, fissuras50 na concepção de nação hegemônica e homogênea. É dessa maneira que interpretamos a constante procura por justiça, os protestos, as revoltas, ou até mesmo a insistência em suas práticas culturais como o samba e a capoeira.

Podemos observar que no final do século XIX, diversos intelectuais brasileiros estiveram preocupados em explicar o negro e seu possível papel na sociedade e na nação. Alguns pensadores, como o jurista sergipano Silvio Romero, procuravam compreender o Brasil, desde a década de 1870, com um vocabulário e arcabouço teórico composto pelas “novas ideias” advindas da Europa e dos Estados Unidos da América. Esses conceitos estavam em todos os tipos de obras e textos no final do século XIX e início do XX, nos jornais, revistas científicas, romances, ensaios etc.51

No Brasil é a época do surgimento dos “homens de sciencia”: intelectuais que acreditavam que seus escritos eram fundamentalmente científicos, utilizavam métodos e teorias cientificas para construírem as suas explicações sobre temas como a literatura, o povo brasileiro, o negro e o mestiço. Romero e o médico maranhense Nina Rodrigues podem ser compreendidos como exemplos desses homens, pelo menos esse era o termo que atribuíam- lhes na época. 52, mas não significa que os “homens de letras” deixaram de ser expoentes de cultura. Machado Assis, como outros escritores, também se utilizou do pensamento científico em suas obras, como em “O Alienista” de 1882. Como Mariza Corrêa observou, no momento em que o negro se tornou “livre” coincidiu com a emergência de uma elite profissional que incorporara os princípios liberais à sua retórica, assim como “com o surgimento de um discurso científico, etnológico, que tentava instituir para ele uma nova forma de inferioridade,

      

50 BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: EDUFMG, 1998. 198-238.

51 SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil-1870-1930.

10 reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 23-42.

52 Esta distinção foi cunhada por Sylvio Romero, entendendo-se como “homem de sciencia” vinculado a ideias

das ciências modernas provenientes da Europa e América do Norte, em oposição a Machado de Assis que seria um “homem de letra”, um artista. Ver: SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e

retomando os ensinamentos de nossa história escravista recente”.53 Era grande o número de eruditos envolvidos com esse discurso e suas ideias eram diferentes e conflituosas, apesar disso, um termo era comum no pensamento desse período, a raça.54

A historiadora Wlamyra Albuquerque55 demonstrou que não foi uma coincidência a ideia de raça ter repercussão no Brasil justamente nos últimos anos da escravidão e na Primeira República. Os projetos emancipacionistas não excluíam a construção de novas formas de dominação fundamentadas na noção de raça, eram tentativas cada vez mais incisivas de adaptar a sociedade pós-abolição às hierarquias raciais montadas durante a escravidão. Pensando por essa premissa, o Brasil republicano e pós-abolicionista não significou para as elites – política, intelectual ou econômica - pensar uma sociedade de oportunidades iguais. Na verdade, a preocupação estava em garantir que brancos e negros continuariam sendo não só diferentes, mas desiguais.56 A ideia de racialização estava por trás da tentativa da manutenção de privilégios, da manutenção da condição de “senhor”, demarcando-se fronteiras e recompondo territórios que se desfizeram com a emancipação.

As teorias raciais constituíram como problema a consequência da miscigenação, partindo evidentemente de um problema mais profundo: o negro enquanto raça. Para alguns, fundamentados nas concepções do suíço Louis Agassiz – radicado nos Estados Unidos da América - e/ou do francês Arthur de Gobineau, a “mistura racial” criava um tipo biológico e social degenerado e incapaz mentalmente, o mulato57. Podemos destacar como locus desse tipo de produção intelectual a Faculdade de Medicina da Bahia (FMB), uma das mais importantes instituições científicas do século XIX, na qual formou-se um grupo de especialistas que adotou as teorias raciais para os estudos de medicina legal.58 Eram estudados diversos males como a “doença mental”, a epilepsia e o alcoolismo, compreendidos como

       53 CORRÊA, Mariza. op. cit. p. 49.

54 Ver sobre as diferenças e conflitos nas visões sobre a questão raça e nacionalidade: DANTAS, Caroline

Vianna. O Brasil café com leite: debates intelectuais sobre mestiçagem e preconceito de cor na primeira

república. Tempo. Niterói, v.13, n.26, p. 56-79, 2009.

Captado em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042009000100004.

55 Muito interessante para o debate sobre a racialização da população brasileira o segundo e o terceiro capítulo do

livro. ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O Jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São

Paulo: Companhia das Letras, 2009.

56 Sobre as condições de diferença e desigualdade fundamentado na cor da pele no Brasil, ver: BARROS, José

d’Assunção. A construção social da cor: diferença e desigualdade na formação social brasileira. 2. ed.

Petrópolis: Vozes, 2012.

57 O termo “mulato”, provêm da palavra mula, o animal estéril que nasce do cruzamento do jumento com a égua. 58 Sobre o papel dessa instituição no racismo científico, ver: SCHWARCZ, Lília M. op. cit. 2011. p. 202-217

consequências da mistura de raças, da mestiçagem. Neste sentido, a miscigenação era algo a ser evitado, numa população que se pretendia saudável.

Contudo, no Brasil, a leitura dessas teorias raciais foi muito original. A via interpretativa mais comum sobre a miscigenação entendia que ela era o fator que garantiria a civilização no Brasil. Acreditava-se que por meio da miscigenação, a médio e longo prazo, em vez de termos uma população infértil e degenerada, teríamos um povo predominantemente branco e apto à civilização. Os estudos do sociólogo norte-americano Edward Telles59 e do historiador André Mota60 afirmam que, desde o final do século XIX, houve investimentos na imigração de trabalhadores europeus e, em contrapartida, barreiras para a vinda de negros e asiáticos. Aos imigrantes brancos caberia o papel de remediar os danos dos séculos de escravidão, de melhorar a “raça brasileira”, embranquecer a população e civilizar os costumes. Esta ideologia, fundamentada no “racismo científico”, era encontrada em grandes locus de saber, como a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e foi amplamente divulgada nos “ensaios histórico-sociológicos” do jurista e historiador Oliveira Vianna nas décadas de 1920 e 1930. Quando parecia que as concepções de raça já não se sustentavam na intelectualidade brasileira, nos anos 30, o discurso de Vianna ainda tinha leitores.

O “racialismo científico” influenciou diversas políticas públicas no Brasil. Desde políticas mais brandas, no que diz respeito a questão racial, como o trabalho do doutor Osvaldo Cruz e muitos que dedicavam-se ao “sanitarismo” e “higienismo”, procurando “sanar” as doenças do povo brasileiro, sem necessariamente enfatizar a imigração. Acreditamos que, neste caso, cabe a reflexão de Flávio dos Santos Gomes e Petrônio Domingues sobre as estratégias do poder público brasileiro de raramente assumir uma perspectiva abertamente racialista, mas “os efeitos de suas ações não deixaram de apresentar efeitos bastantes perversos do ponto de vista das disparidades raciais”. 61 Por outro lado, existiam propostas para políticas públicas vinculadas às correntes mais radicais, claramente racialistas, um exemplo é o pensamento do médico brasileiro Renato Kehl, divulgador das ideias do britânico Francis Galton, criador da concepção de eugenia. O Dr. Kehl, junto com outros médicos, fundou a “Sociedade Eugênica de São Paulo”, formada por céticos frente a

      

59 TELLES, Edward. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume Dumará;

Fundação Ford, 2003. 41-68.

60 MOTA, André. Quem é bom já nasce feito: sanitarismo e eugenia no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

(Passado Presente)

61 GOMES, Flávio S.; DOMINGUES, Petrônio. Da Nitidez e invisibilidade: legados do pós-emancipação no

seleção natural e que defendiam políticas ou ações de esterilização dos degenerados, mestiços e negros.62 As diversas vertentes que se estenderam até a década de 1940, em modelos diferentes de explicação, com várias teorias e métodos de compreensão do social, fazem parte do que Andreas Hofbauer chamou de “força homogeneizadora da Nação”.63

Sabemos que desde a independência do Brasil, em 1822, pensar a Nação passou a ter fundamental importância. Para este fim, passou a existir – em 1838 – o IHGB, cuja concepção dedicou-se a uma ideologia de nação vinculada ao Estado imperial e seu poder de unidade – territorial, populacional, política e administrativa - bem como, a colonização e a herança portuguesa de civilização. A questão dos escravos e dos indígenas pareceu, inicialmente, importante nesta concepção de nação, pelo menos no famoso texto de Von Martius. Porém, para estes dois grupos, como também para as amplas “massas”, não serviu à integração da população, pois eles continuariam fortemente marginalizadas no decorrer do século XIX. Ao indígena coube uma visão romântica, ligada a uma visão do bon sauvage, idílica e distante da realidade dos autóctones.

Na virada do século XIX, a concepção de nação ligada a unidade do Estado já não era mais funcional, principalmente devido a República, estabelecia-se uma nova visão do povo sustentando o Estado. Neste período, o discurso de unidade nacional preocupa-se muito com a composição do povo. Com isso, a participação dos negros nesse novo regime significou um problema para as elites políticas e intelectuais, a construção da homogeneidade e unidade nacional, sem possibilitar uma igualdade, ou seja, mantendo a hierarquia social. Nesse caso, as preocupações com os indígenas parecem que eram menores, uma vez que os Museus construíam uma visão desses povos como “selvagens”, como espelhos do passado, possivelmente pela existência do afastamento geográfico e cultural, no qual podemos incluir o papel do etnólogo que constrói uma noção de distância temporal, espacial e intelectual do objeto.64

A nova nação brasileira, ao inscrever-se como civilizada, nesse caso, e de acordo com as concepções da raciologia, era problemática pelo elemento negro que “maculava” a

       62 MOTA, André. op. cit.

63 HOFBAUER, Andreas. Uma história do branqueamento ou o negro em questão. São Paulo: Editora

UNESP, 2006. p. 237-261.

64 Sobre isso falaremos no capítulo “Desconstruindo a República dos Palmares” com o exemplo do negro, mas

para compreender a construção dessa visão da etnografia sobre o indígena na nação brasileira, recomendo o trabalho: TURIN, Rodrigo. Tessituras do tempo: discurso etnográfico e historicidade no Brasil oitocentista. Rio

formação. Para tal, surge como solução, a noção de uma nação mestiça, pois pela miscigenação a nação brasileira poderia embranquecer-se e civilizar-se. O povo passaria a ser um, o mestiço. Para Carolina Vianna Dantas65, os intelectuais brasileiros, das primeiras décadas do século XX, assumiram a missão de buscar uma identidade para “o brasileiro” em meio a uma população marcada pela heterogeneidade e tiveram a dificuldade de pensar: a diversidade étnica e seus intercâmbios múltiplos; uma grande variedade de imigrantes estrangeiros vindos em massa para o país (ao longo dos séculos XIX e XX); as diferenças de classe, raça, de regiões, de costumes, de aparências e de falares.

A pesquisa de Dantas66 sobre a revista Klaxon (1904-1909) e o Almanaque Garnier (1903-1914) é muito reveladora. Em sua análise, demonstrou que mesmo antes do “Modernismo” da década de 1920, diversos intelectuais (o cronista Gil, Olavo Bilac, Affonso Arinos, Pereira da Costa, Alexina de Magalhães, etc.) esforçaram-se para selecionar e divulgar um acervo cultural comum e original à nação como: cordões, sambas e capoeira. Dantas acredita ter sido um movimento indispensável para a inserção do país naquela modernidade. Promoveu mudanças na visão sobre a cultura e identidade nacional, os intelectuais participantes desses periódicos reconheciam a ação positiva dos negros e mestiços na construção das originalidades culturais brasileiras, ainda que não escapassem de determinados preconceitos, especialmente no que dizia respeito à influência africana.

A complexidade e heterogeneidade brasileira, conjuntamente com a realidade da sua origem na escravidão e os limites epistemológicos, lançaram um desafio para aqueles que queriam pensar a Nação. Para Renato Ortiz67, a resposta ao desafio foi o “mito das três raças”, lançado desde o final do século XIX, passível de ser encontrado nos escritos de Sílvio Romero, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues. No entanto, ao utilizar uma linguagem antropológica, afirma que esse mito das três raças ainda não conseguia se ritualizar, pois as condições materiais para sua existência seriam meramente simbólicas. Esse antropólogo estava afirmando que a condição imposta por uma visão racista, que retirava do mestiço as qualidades de racionalidade, possibilitou que no começo do século ele fosse visto como problema ao desenvolvimento real do capitalismo no Brasil. E teria sido apenas o

      

65 DANTAS, Carolina Vianna. O Brasil café com leite: história, mestiçagem e identidade nacional em

periódicos (Rio de Janeiro, 1903-1914). 264f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, 2007. p.15

66 DANTAS, Carolina Vianna. A nação entre sambas, cordões e capoeiras nas primeiras décadas do século XX.

ArtCultura. Uberlândia, v. 13, n. 22, p. 85-102, jan.-jun. 2011

modernismo, como movimento cultural, que trouxe consigo uma consciência histórica, até então, esparsa na sociedade, na qual as teorias raciológicas tornaram-se obsoletas, sendo necessário superá-las, porque a realidade social do mundo moderno impunha outro tipo de interpretação do Brasil.

Mário de Andrade (1893-1945) e Gilberto Freyre (1900-1987) parecem bons exemplos de fundadores de um novo olhar sobre a nação, nos moldes da mestiçagem, da relação popular/erudito e da cultura. Concordamos com as colaborações de Ortiz, pois, de fato, as imposições epistemológicas prejudicavam pensar a nação brasileira, seja pelo mito da mestiçagem ou não, pois a concepção de inferioridade racial, tanto dos povos originários negros e indígenas, quanto do produto da miscigenação, o mestiço, apontavam sempre para o atraso ou para impossibilidade de alcançar a civilização.68

As concepções de nação do Modernismo não romperam com o governo de 1930, pelo contrário, foram fortalecidas por uma política de Estado voltada para cultura, tornou-se um “negócio oficial”, implicando um orçamento próprio.69 Combinado com uma indústria editorial ascendente, desde que Monteiro Lobato fundou a “Casa Editora Revista do Brasil”, em 1918, mas principalmente na década de 1930 quando ocorre o “boom” do mercado de livros.70 Tais características estão ligadas a Arthur Ramos. Devemos compreendê-lo como intelectual dos anos 1930. Não estamos querendo resumi-lo ou defini-lo pelo contexto, afinal