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A seguir, apresentaremos Arthur Ramos e embora a narrativa siga um padrão temporal linear, é apenas por uma função didática utilizada para situar o personagem. Não queremos fazer uma biografia de Ramos, uma vez que não compreendemos a vida como uma série única de acontecimentos sucessivos e constantes. Segundo as reflexões do sociólogo Pierre Bourdieu, os acontecimentos biográficos são deslocamentos no espaço social, não é possível compreender a trajetória, sem ter construído os estados sucessivos do campo em que se desenrolou tais deslocamentos; ainda segundo ele, existe uma ilusão biográfica que consiste em: “Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como a narrativa

      

uma lei de extradição, uma lei de expulsão de estrangeiros, uma lei para controle de imigrantes por nacionalidade, segundo cotas estabelecidas. Além de outras medidas. Não ignoramos o fato de que a participação dos imigrantes em movimentos operários, greves e boicotes, era visto pelo governo como fator de desagregação social e desordem política. GOMES. Ângela do C. População e sociedade. Sobre as mudanças das políticas de imigração e o fim da eugenia, ver: _____. (Coord.) op. cit. p. 41-90. p. 52.

72 BARROS, Luitgarde. op. cit. 2000. p. 28. 73 Ibid. p. 28.

coerente de uma sequência significativa e coordenada de eventos, talvez seja ceder a uma ilusão retórica (...).”75

Arthur Ramos de Araújo Pereira nasceu na cidade de Pilar, situada na zona açucareira de Alagoas, no dia 7 de julho de 1903. A cidade era um grande porto lacustre a beira da lagoa Manguaba, importante entreposto comercial de Alagoas, na qual eram escoados os produtos locais.76 O filho do Dr. Manoel Ramos de Araújo Pereira e da Dona Ana Ramos de Araújo Pereira teve sua formação educacional inicial em Pilar, depois foi para Maceió para terminar os seus estudos no liceu. Em 1921, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia (FMB), localizada em Salvador, formando-se doutor em Ciências Médicas e Cirúrgicas com a tese “Primitivismo e Loucura”, em 1926.

O olhar médico de sua formação não pode ser esquecido como experiência, principalmente, porque Ramos se aproxima da psicologia durante esse período e adota as influências de Sigmund Freud, Paul Eugen Bleuler e Lucién Lévy-Bruhl, que se tornam característica marcante do seu pensamento e chega a receber criticas de Gilberto Freyre , no início de sua jornada pelo seu “psicanalitismo”.77 Veremos no capítulo "A República de Palmares" como Arthur Ramos operacionaliza os conceitos de “mente primitiva”, “inconsciente coletivo” e “mentalidade pré-lógica”. De fato, sua abordagem utilizando a psicologia social diminuiu com o tempo em seus trabalhos, mas nunca desapareceu totalmente.

Depois de formado, foi trabalhar no Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues (IMLNR). A instituição foi criada como Instituto Médico-Legal da FMB, em 1905, por meio de um acordo entre a faculdade e o governo do estado, através da Secretaria de Polícia e Segurança Pública, e oficializado por um acordo assinado em 1907 pelo Prof. Oscar Freire (1882-1923). O Instituto recebeu o nome Nina Rodrigues em homenagem ao professor catedrático de Medicina-Legal, que militou pela integração entre a medicina e a polícia, falecido em 1906. Este locus congregou alguns personagens que construíram suas identidades intelectuais baseadas no interesse comum pelas temáticas de pesquisa e numa herança intelectual de Raimundo Nina Rodrigues. Estamos falando da “Escola Nina Rodrigues”78, um grupo de intelectuais e eruditos da década de 20, principalmente médicos, que procuraram desenvolver

      

75 BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Ed. Papirus, 1996. p. 76

76 BARROS, Luitgarde. Arthur Ramos e as dinâmicas sociais de seu tempo. Maceió: EDUFAL, 2000. p. 22. 77 CORRÊA, Mariza. op. cit. p. 228.

pesquisas nas temáticas que o “mestre” Nina Rodrigues já havia trabalhado: a medicina-legal, a psicologia, a antropologia – o problema do Negro. Em suas obras, Arthur Ramos está a todo o momento mencionando seu vínculo com a Escola e, ao mesmo tempo, reivindicando um lugar como herdeiro intelectual do “mestre”. Que tipo de lugar de produção é a Escola? Quem participava desse locus? E quais eram os seus objetivos? Por que é importante para Arthur Ramos construir uma herança vinculada a imagem de Nina Rodrigues?

Apesar da existência do IMLNR, a Escola não era uma instituição, não foi através da pratica institucional que foi construída a identidade de seus intelectuais. Podemos colocá-la como “lugar de fala”, vinculado a memória de Rodrigues, a partir do seu legado na medicina legal e na antropologia. Para exemplificar que não é a instituição que define, vejamos dois membros da Escola: Flamínio Fávero (1985-1982), discípulo de Oscar Freire, formado em 1919 na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo; enquanto Leonídio Ribeiro (1893- 1976), discípulo de Afrânio Peixoto, formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1916. Basicamente os membros da Escola eram médicos e juristas que se dedicaram a prática da Medicina Legal no Brasil, durante a Primeira República. O outro eixo, era formado por aqueles que além da medicina legal, tinham interesse na atividade antropológica.

Para Côrrea a vinculação a Nina Rodrigues não era baseada nos princípios teóricos e metodológicos, tendo em vista que o “mestre” estava morto desde 1906, os conhecimentos pareciam chegar até a terceira geração desse grupo um pouco diluídos pelas figuras intermediárias de Afrânio Peixoto (1876-1947) e de Oscar Freire, ambos ex-alunos da FMB. O Dr. Peixoto formou-se em 1897, morou desde 1902 no Rio de Janeiro, onde foi inspetor de Saúde Pública e diretor do Hospital Nacional de Alienados (1904), além de ministrar aulas de Medicina Legal na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a partir de 1907. Enquanto o Dr. Freire formou-se em 1900, fundou o IMLNR e foi professor de Higiene e Medicina Legal da FMB no ano de 1907; tornou-se o primeiro diretor do Instituto em 1911; mudou-se para São Paulo em 1918, para assumir a cátedra de Medicina Legal na Faculdade de Medicina de São Paulo.

Vejamos como Arthur Ramos aborda no livro “O Negro na civilização brasileira” o início da pesquisa do “mestre” Nina Rodrigues e, também, a sua filiação a essa corrente de pensamento:

Foram os aspectos sociológicos da Medicina que sempre lhe retiveram a atenção. E aí, ao lado de muitos trabalhos sobre Medicina Social, teve as suas vistas voltadas para o estudo dos grupos negros da população, na Bahia. Os seus estudos foram conduzidos inicialmente para as religiões e o folclore dos candomblés na Bahia, escrevendo em 1896, o seu primeiro trabalho sobre o assunto, depois reunido em livro, O animismo fetichista dos Negros

baianos.(...)79

Continuando os seus estudos, Nina Rodrigues alarga os primeiros objetivos, confinados apenas as religiões e seitas dos Negros. Passa a estudar o folclore, as tradições artísticas, a história... reunindo as suas observações num plano vasto, que teria o titulo geral de O problema da raça negra na

América Portuguesa. (...)80

De acordo com Arthur Ramos, o médico maranhense teria se aproximado da temática do negro, por causa da Medicina Social. A sensação que é passada pelo seu texto é uma natural aproximação entre a Medicina Social e os estudos sobre o Negro no Brasil. Essa naturalidade poderia também justificar uma aproximação de Arthur Ramos com o tema, já que o seu percurso profissional é muito semelhante ao do mestre, desde a Especialização em Medicina Social e Psiquiatria na FMB até os trabalhos com a população negra e mestiça.

Antes, porém, é necessário falarmos de Raimundo Nina Rodrigues, para depois retornar à Ramos, nos momentos de intersecção desses personagens. Nina Rodrigues, como ficou conhecido nacionalmente, era filho de um senhor de terras, o Coronel Francisco Solano Rodrigues, dono do Engenho São Roque, no interior da província do Maranhão. Sua mãe, Luiza Rosa Nina Rodrigues, era descendente de uma família sefardita que veio para o Brasil fugindo das perseguições aos judeus na Península Ibérica. Como era costume no século XIX, os filhos integrantes da elite rural terminavam os estudos básicos no liceu na capital da província, nesse caso São Luís. Rodrigues foi para a Faculdade de Medicina da Bahia, em Salvador, no ano de 1882, pediu transferência para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde concluiu o quarto ano, porém, em 1886, retornou à FMB e voltou ao Rio de Janeiro em 1887, para defender a sua tese. Após formado, voltou para seu estado natal, clinicou em São Luís por todo o ano de 1888, quando já contribuía com a revista Gazeta Médica da Bahia. Rodrigues fez concurso para adjunto da cadeira de Clínica Médica na Faculdade de Medicina da Bahia, cujo titular era o conselheiro José Luiz de Almeida Couto,

       79RAMOS, Arthur. op. cit.. 1971. p. 206. 80 Ibid. p. 207.

republicano histórico, abolicionista, político de projeção nacional, seu mentor e futuro sogro.81

A antropóloga Mariza Corrêa observou que a prática médica foi um dos motivos que levou Rodrigues para a Antropologia, mas também enfatizou a influência do contexto maranhense na obra do autor. De acordo com ela, na segunda metade do século XIX em São Luís do Maranhão, a modernização e as questões raciais pareciam estar tencionando a sociedade com uma produção intelectual e literária sobre a vida da população negra e mestiça. Nina Rodrigues, aparentemente, quebrou algumas regras ao se interessar pela pesquisa empírica da questão racial82, já que a tradição intelectual, que possivelmente havia no Maranhão, sobre a temática estava concentrada na literatura e no jornalismo, composta por intelectuais como Raimundo José de Souza Gasoso, João Francisco Lisboa, Aluísio Azevedo, Gonçalves Dias, Celso de Magalhães, etc.

Seria, por conseguinte, a partir dos problemas inicialmente levantados por essas leituras, que Nina Rodrigues iniciou uma tradição de pensamento científico sobre a questão do negro no Brasil. Não pode passar despercebido a estadia dele em cidades populosas, marcadas por uma grande população negra e mestiça, como São Luís, Rio de Janeiro e Salvador, sendo esta última a que ele morou por mais tempo, vinte e dois anos. Segundo Robério S. Souza83, a Bahia, principalmente a capital Salvador, chegava à primeira década do século XX na “contramão da história”. Com suas características de cidade tradicional, contrariava os novos tempos do discurso da ordem republicana brasileira. A visão dos letrados e visitantes sobre a Bahia no final do XIX, era o de um lugar em que ainda se vivia como no passado, consequentemente, isso estava impedindo-a de ser inserida na era do progresso e da civilidade. Para as elites progressistas, tudo estava pelo avesso: o nítido atraso econômico de sua capital em relação às outras capitais e a incipiente industrialização; o projeto frustrado de branqueamento racial das elites; a memória da escravidão que se fazia presente nas ruas, no universo do trabalho, nos costumes e na cultura da grande maioria da população, composta

      

81 CORRÊA, Mariza. Raimundo Nina Rodrigues e a “garantia da ordem social”. REVISTA USP, São Paulo,

n.68, p. 130-139, dezembro/fevereiro 2005-2006.

82 CORRÊA, MARIZA. op. cit. 2001. p. 67.

83 SOUZA, Robério Santos. Experiências de trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: trabalho,

solidariedade e conflitos (1892-1909). 2007. f. 159. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. p. 83-85.

por negros, mulatos e mestiços, nas cidades e nos campos; tudo isso constituía obstáculos à ideia de civilização daqueles tempos.84

De diferentes formas, as pretensões das elites progressistas foram frustradas pela realidade que se apresentava. Salvador, nos primeiros anos do regime republicano, era uma cidade negra, comercial e com constantes crises econômicas. Como vimos no tópico deste capítulo, “O negro no pensamento sobre a Nação brasileira”, para os intelectuais e elites políticas nacionais, a coisa não era diferente; neste momento de “redescoberta da nação” eram entendidos como obstáculos os indígenas, os africanos e os mestiços. Estes grupos, principalmente os dois últimos, eram compreendidos como barreiras para alcançar o esplendor da civilização, problemas para a formação de uma verdadeira identidade nacional, desestabilizadores da ordem social desde o século XIX.85 No período pós-abolição, a visão das elites políticas e intelectuais sobre a presença e a partição destes grupos na sociedade não era positiva, fundamentada nas diversas correntes de pensamento que eram debatidas no Brasil: o positivismo, o racismo científico e o evolucionismo.

A preocupação com a ordem social tornou-se fundamental na República, especialmente em cidades grandes como Salvador, coube aos médicos e aos juristas formularem teorias e políticas de controle dos grupos “desviantes”: loucos, criminosos, criança-problema, pobres, doentes, negros, mestiços, etc., por isso que Nina Rodrigues se tornar professor da FMB foi fundamental, pois o interesse pelo desenvolvimento das pesquisas sobre negros e mestiços iniciou-se quando ele se tornou professor de Medicina Pública, a partir de 1891, posteriormente corroborado com a assunção da cátedra de Medicina Legal. Será importantíssimo para a aproximação com o tema a assistência médico-legal dada a doentes mentais, cuja composição étnica era majoritariamente de negros e mestiços. Utilizava-se da antropologia física e criminal, além das concepções teóricas do racialíssimo científico para explicar essa população, suas características culturais, físicas, sociais e mentais.

Em diversos textos de Nina Rodrigues sobre os “desviantes”, a ordem social, o progresso e a civilização estão sempre ameaçadas pelas condições raciais do Brasil. Os primeiros textos dele sobre o tema racial brasileiro foram publicados a partir de 1890. Neles

       84 Ibid. p. 83).

85 QUEIROZ, Maria Isaura. Identidade cultural, identidade nacional no brasil. In: TEMPO Social 1. São Paulo:

observamos a utilização da condição de raça como determinante para caracterizar e explicar esses grupos como inferiores, portanto impossibilitados de civilizar-se, ou pelo menos retardados quanto a civilização, foi destas conclusões que desenvolveu a concepção de existir “o problema do negro no Brasil”86.87 Outra característica de seus textos foi o diálogo com a antropologia criminal do italiano Cesare Lombroso (1835-1909) e do francês Alexandre Lacassagne (1843-1924), médicos e líderes das escolas de criminologia dos seus países, eram adeptos das teses poligenistas, utilizavam a Antropologia Física especialmente a frenologia para criar categorias e explicações para existência de diversas raças hierarquicamente desenvolvidas, Rodrigues fundamentado nas teorias dos dois renomados criminologistas defendia que as leis penais deveriam levar em consideração o estágio evolutivo do indivíduo e as limitações raciais.88 Em alguns de seus escritos sobre os mestiços foi utilizado a análise da psicologia coletiva, inspirada no trabalho do criminologista italiano Scipio Sighele (1968- 1913) membro da escola de Lombroso, consistindo no estudo clínico do líder e da multidão que o segue entendendo as condições de contágio das emoções e os diversos tipos de multidão, por meio desta teoria Rodrigues explicou Canudos como loucura epidêmica.89 A observação e análise da cultura, da sociedade e da mentalidade desses grupos foi frequente nos trabalhos do Dr. Nina Rodrigues, sendo talvez o primeiro intelectual brasileiro a desenvolver um trabalho de observação das práticas culturais dos negros, com visitas regulares a terreiros, porém quando explicou os fatos encontrados ainda estava preso à teorias do racismo científico e da psicologia social evolucionista, colocando práticas como o “cair no santo” como surto coletivo ou produto de mentalidade primitiva e inferior.90

Nina Rodrigues faleceu em Paris (França), durante uma viagem para participar de congressos em Viena e Lisboa, no mês de julho de 1906, ele escreveu artigos para revistas nacionais e internacionais, inclusive em revistas editadas por Lacassagne e por Lombroso, tendo reconhecimento na área da Medicina Legal. Trataremos da teoria e da metodologia de

      

86 Arthur Ramos resinificará na década de 1930 esta frase, dando-a uma conotação que poderíamos interpretar

como o negro como problemática intelectual para explicar a nação.

87 RODRIGUES, Raimundo Nina. Os mestiços brasileiros. Gazeta Médica da Bahia. Salvador, mar, Tomo XI,

N. 9, p.401-407, 1890; _____. Estudos de craniometria: o crâneo do salteador Lucas de Feira e o de um índio assassino. Gazeta Médica da Bahia. Salvador, mar, Ano XXIV, n. 9, p. 385-388, 1892

88 RODRIGUES, Raimundo Nina. Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brazil. 3. ed. Rio de

Janeiro: Companhia Editora Nacional/Brasiliana, 1938 [1894]

89 RODRIGUES, Raimundo Nina. A loucura epidêmica de Canudos. Antônio Conselheiro e os jagunços.

Revista Brazileira. Rio de Janeiro, out./dez., Ano 3, Tomo 12, p. 129-144, 1897; _____. As Coletividades Anormais. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2006 [1939]. (Biblioteca de Divulgação Científica)

90 A Troya Negra: erros e lacunas da História de Palmares. Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico

Pernambucano. Recife, v.11, n.63, p. 645-672, set., 1904; ______. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro:

Nina Rodrigues, no capítulo “O ‘mestre’ Nina Rodrigues e a sua ‘Troya negra’, como modelo de escrita”.

Voltando agora ao “discípulo” de Nina Rodrigues, o Dr. Arthur Ramos, vejamos como ele narra a sua entrada na Escola do “mestre”:

Com a morte de Nina Rodrigues, em 1906, os estudos científicos sobre o Negro ficaram interrompidos por um largo espaço de tempo. Dentro deste período de silêncio, a única voz que se levantou na Bahia, cheia de entusiasmo e emoção, em defesa do Negro brasileiro, foi a de Manuel Querino, ele próprio de origens africanas. (...)

Em 1926, começamos [Arthur Ramos] a reunir, na Bahia, material de estudo sobre o Negro. Filiado à escola de Nina Rodrigues, como médico legista do Instituto que tem o nome do mestre baiano, encetamos pesquisas nos

candomblés baianos, que deram origem aos seguintes trabalhos: Os

horizontes míticos do Negro na Bahia (1932; A possessão fetichista na

Bahia (1932); Os instrumentos musicais dos candomblés na Bahia (1932); O

mito de Yemanjá (1932); O Negro na evolução social brasileira (Conferência na Universidade do Rio de Janeiro, 1933); As religiões negras

no Brasil (Curso realizado em setembro de 1934). Ampliando os primitivos objetivos, estamos trabalhando na obra geral O problema do Negro no

Brasil, da qual já há três volumes publicados, O Negro Brasileiro, O Folclore Negro do Brasil e As culturas Negras do Novo Mundo. Desejando

sistematizar os estudos sobre o Negro, é criada a Biblioteca de Divulgação

Científica, no Rio, que entre outros objetivos do seu programa de edições,

tem reunido o maior número de trabalhos sobre o Negro no Brasil. 91 [grifo

nosso]

Observe que ele data a entrada para o IMLNR, como a entrada dele na corrente de pensamento da Escola. O termo “mestre” encontrado na citação foi repetido por Ramos em muitos escritos; ele construiu essa herança, embora cunhasse críticas e correções aos escritos do “mestre”, principalmente no que diz respeito à perspectiva teórica do racismo científico marcante nas obras de Rodrigues. Foi justamente por seu trabalho no Instituto de Medicina Legal e no Hospital São João de Deus – a partir de 1928 -, que teve contato com a população negra e mestiça, iniciando suas pesquisas sobre o curandeirismo, cultos e rituais religiosos do candomblé e estudos de antropologia física. Característica marcante do trabalho como médico legista ou de psicólogo nestes tipos de instituições, durante a primeira metade do século XX, era a preocupação com a manutenção da ordem social e a relação direta com o público negro e mestiço. 92 Outro acontecimento que podemos destacar foi a recepção organizada pela FMB para Afrânio Peixoto em 1926, após uma ausência de mais de 20 anos na instituição, o ex-

      

91 RAMOS, Arthur. op. cit. 1956. p. 203; RAMOS, Arthur. op. cit. 1951. p. 199. 92 CÔRREA, Mariza. op. cit. 2001. p. 170.

aluno de Nina Rodrigues foi homenageado, e o discurso de Arthur Ramos como representante dos estudantes impressionou-o.93

Arthur Ramos é membro da terceira geração da Escola, a sua formação como médico e a vinculação ao Instituto ocorreram 20 anos após a morte do “mestre”. Possivelmente as informações sobre Rodrigues se deu pela leitura dos textos, pela formação na FMB, pelo trabalho no IMLNR, e principalmente pelo intermédio de Afrânio Peixoto, seu amigo. No entanto, segundo Mariza Côrrea, Arthur Ramos foi o intelectual que mais utilizou a presença na Escola e o nome de Rodrigues, como legitimidade de sua prática científica. No livro à qual está dissertação é dedicada a analisar, ele fala sobre a primazia das pesquisas de Rodrigues, mas disfere críticas:

Sobre o Negro e o mestiço brasileiros ainda escreveu Nina Rodrigues vários trabalhos, sobre questões de antropologia criminal e psicologia coletiva. Infelizmente, preso as teorias científicas do seu tempo, Nina Rodrigues defendeu algumas teses hoje inadmissíveis, como a das desigualdades raciais, da degenerescência da mestiçagem, com as consequências, na ordem política e social, destes pontos de vista. Ele atribuiu a contingências de raça o que hoje atribuímos a contingências de culturas. Mas não se pode negar a honestidade, a dedicação, o espirito cientifico, que nortearam os seus