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CAPÍTULO I UM TRIUNFO MARCANTE: AS VÁRIAS FACES DA

1.7 HERMENÊUTICA DA DISTÂNCIA: AS VOZES DOS EXILADOS CUBANOS

Nos primeiros meses após o triunfo revolucionário, os cubanos que partiam da ilha eram os aliados de Batista. Muitos destes que fugiram do país tiveram como destino principal a cidade de Miami, nos Estados Unidos. A partir da adoção do comunismo pela Revolução Cubana, houve também um número significativo de cubanos que tentaram sair do país. Apesar disso, “como os voos comerciais entre Cuba e Estados Unidos tinham sido interrompidos após a crise dos mísseis, a fuga para o exílio tornara- se cada vez mais difícil”195

. A propósito desse segundo grupo de exilados, Richard Gott afirma que:

Um segundo e maior grupo formou-se com aqueles que não ficaram contentes com a mudança radical da Revolução. Muitas pessoas da classe média liberal de Cuba sentiam-se partícipes da guerra de Castro, mesmo que apenas perifericamente, mas não aprovaram a guinada para o socialismo, isso sem falar de comunismo. Os católicos, e as pessoas suficientemente influentes para ter seus filhos em escolas particulares, foram opositores prematuros da guinada da Revolução para esquerda. Essas pessoas geralmente supunham que a influência de Castro sobre o governo seria breve, e muitas fugiram para Miami absolutamente certas de que logo estariam de volta. As estimativas indicam que 80 mil pessoas saíram em 1961 e 70 mil em 1962.196

O tema dos exilados cubanos ocupou diversas páginas d’O Repórter. Em 16 de janeiro de 1961, o jornal uberlandense reproduzia a matéria “Regime de Fidel Castro”, produzida originalmente pelo órgão de noticias Miami (SE), na qual eram feitos comentários acerca das declarações do Emilio Menéndez, ex-presidente do Tribunal de Justiça de Cuba – e um dos vários refugiados do regime cubano em Miami –, que dissera que Fidel Castro fez mais para acabar com os direitos humanos e com os direitos de propriedade do que a União Soviética em 43 anos. De acordo com Menéndez, em Cuba, “os direitos humanos estão protegidos unicamente nos Códigos. Os seres humanos não têm direitos. Os direitos de propriedade não significam absolutamente nada”197

.

A reprodução das declarações de Emilio Menéndez conferia mais um elemento para que o jornal criticasse o regime: o desrespeito aos direitos humanos em Cuba, em uma muito provável alusão às execuções sumárias nos paredões de fuzilamento. Era

195GOTT, Richard, op. cit. p, 241. 196 Ibidem, p. 242.

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importante ainda para demonstrar o expressivo descontentamento de muitos cubanos com o regime, a ponto de recorrerem a uma solução drástica: o exílio. Dessa maneira, a titulação desse tópico faz alusão as reflexões de Enzo Traverso, que afirma que a distância: “modifica as perspectivas, acentua ou neutraliza tanto a empatia quanto o olhar critico”198, portanto, nas inúmeras recorrências do jornal O Repórter sobre o assunto, propomos refletir sobre a forma como estes relatos e experiências sobre o exílio veículadas por esse periodico acerca dos exilados cubanos foram representadas.

Em sua edição do dia 13 de setembro de 1962, O Repórter veiculava uma reportagem intitulada “Ex-rebelde militar foge de Cuba num barco pequeno”, na qual eram comentadas as declarações de um refugiado cubano em Miami, Orlando Vega Herrera, que dissera que muitos dos combatentes que lutaram com Fidel Castro, e que agora são contra o comunismo, estavam sendo perseguidos, presos e até mesmo fuzilados. Herrera declarou também que “existem em Cuba diversas forças que manifestam sua rebeldia ante a ditadura de Fidel Castro” e que, em sua terra natal, Las Villas, existiam forças guerrilheiras combatendo o governo revolucionário na serra de Escambray. Segundo o jornal, o “ex-combatente” ainda teria afirmado que as forças mais combativas contra Fidel Castro eram os camponeses, os quais conseguiam sabotar as plantações com queimadas. A matéria encerrava-se com seguinte frase do refugiado: “ainda tenho esperanças na queda de Fidel Castro, que vendeu sua pátria ao comunismo”199

.

Em outra matéria reproduzida nas páginas d’O Repórter, de autoria de Juan González, e intitulada “Justiça em Cuba e Revolução”200, criticava-se a degradação e destruição do sistema judiciário em Cuba, tema que havia sido objeto de análise de uma publicação chilena intitulada Estudios sobre el comunismo, de autoria de José Morell Romero, um antigo magistrado da suprema corte de Cuba, que estava no exílio. Em seu estudo, Romero argumenta que o judiciário estabelecido em Cuba, por meio da Constituição de 1940, dava efetivas garantias para os direitos individuais e para integridade das cortes da justiça. E que, durante o governo de Batista, o povo cubano gozava da proteção de uma justiça independente e imparcial. No entanto, segundo o

198TRAVERSO, Enzo. L’histoire comme champ de bataille. Paris: La Découverte, 2012, p. 212

199EX-REBELDE militar foge de Cuba num barco pequeno. O Repórter, Uberlândia, n. 3997, 13 set.

1962, p. 1.

200GONZALEZ, Juan. Justiça em Cuba e Revolução. O Repórter, Uberlândia, n. 4.031, 24 nov. 1962, p.

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autor, a situação atual era muito diferente e o melhor exemplo disso “é que Fidel Castro é o único poder existente em Cuba”. Acrescentava que o restava do antigo sistema judiciário de Cuba era um arremedo das antigas cortes de justiça, trabalhando em completa instabilidade sob um regime sanguinário. O autor destacava o processo de transformação do judiciário em Cuba, referindo-se aos tribunais revolucionários que condenaram os partidários de Fulgencio Batista. Esses tribunais foram anunciados como temporários, mas retornaram para o julgamento de outros indivíduos que eram taxados como contrarrevolucionários. Em virtude desses tribunais, considerava que “atualmente em Cuba não há dignidade dos direitos dos homens e que o corpo de juízes está paulatinamente reduzido, com alguns, no cárcere e outros exilados, e os que ainda persistem são meros fantoches do governo”. Por tudo isso, José Morell Romero afirmava que:

O cidadão cubano dos dias atuais reconhece sua precária condição. Não há direitos a serem reclamados nem recursos contra a opressão imposta pelo regime. Aqueles que ainda se rebelam contra Fidel Castro, sabem que o destino lhes reserva um grande risco. ‘A alternativa da vitória é o paredón’.201

Para O Repórter, dar voz aos exilados, divulgando as suas declarações, era uma forma de evidenciar a verdadeira face de uma revolução comunista que oprimia seus opositores, os quais, por sua vez, tentavam resistir às arbitrariedades do regime de Fidel Castro. O jornal uberlandense criticava fortemente as práticas do governo cubano que contrariavam os princípios democráticos, liberais e católicos defendidos pelo periódico. Convém ressaltar, no entanto, que não foi localizado nenhum registro que apontasse, por exemplo, que O Repórter tenha feito uma defesa de princípios ou políticas autoritárias de direita. Neste sentido, havia uma coerência discursiva, uma vez não são encontradas contradições desse tipo nas páginas do referido periódico.

1.8 Quem vai atirar a primeira pedra? O jornal Folha de Ituiutaba e a defesa de