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2.2 HEURÍSTICAS

2.2.1 Heurística da Ancoragem e Ajuste

O cerne da concepção da heurística da Ancoragem e ajuste repousa em estimativas feitas a partir de um valor, que é ajustado para produzir uma resposta final (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974). Esse valor inicial é denominado âncora, e pode ser sugerido a partir de eventos anteriores, pela forma de apresentação do problema ou aleatoriamente, e serve como base de ajuste até a decisão final (BAZERMAN, 2004).

Os autores do estudo seminal, Tversky e Kahneman (1974) ressaltam que diferentes âncoras produzem diferentes estimativas, que são viesadas para aproximarem-se do valor inicial. Esch et al. (2009 apud ZWICKER, 2017) destacam que os efeitos da ancoragem estão presentes toda vez que os indivíduos julgam um estímulo com base em outro.

Os efeitos da ancoragem podem ser encontrados em diferentes estudos de julgamento, como questões de conhecimento geral, avaliações de loterias e jogos, estimativas de risco e incerteza, avaliação de preço de imóveis, percepções de eficácia, avaliações do desempenho futuro, efeitos de múltiplas âncoras no julgamento individual e em grupo, avaliações de probabilidade com auditores profissionais, negociações, e também aplicações no mercado de consumo (MUSSWEILER; STRACK, 2000).

Considerando o exposto, qualquer número a ser considerado pelo indivíduo como possível solução para um problema de estimativa produzirá efeito de ancoragem (KAHNEMAN, 2012). O autor também destaca os efeitos do formato de apresentação das informações na ancoragem, salientando que a estimativa é muito mais elevada se a pergunta for “Gandhi tinha mais do que 114 anos quando morreu”, do que se a ancoragem se referisse à

morte com 35 anos ou quando se considera uma casa valiosa pois o corretor de imóveis ofereceu um preço elevado.

Diferente de muitos fenômenos da psicologia, os efeitos da ancoragem não são demonstrados apenas em laboratório, e podem, de fato, ser medidos e igualmente fortes no mundo real (KAHNEMAN, 2012). Nesse sentido, destaca Bazerman (2004) situações cotidianas onde a heurística da ancoragem se faz presente, quando, por exemplo, empresas solicitam que candidatos revelem suas pretensões salariais, que servirão para ancorar o ajuste da oferta. Cabe salientar a robustez e onipresença da ancoragem e ajuste, sendo que os seus efeitos afetam tanto leigos quanto especialistas (TRONCO, 2012; LUPPE, 2006).

Ainda que considerada uma forma de redução da carga cognitiva, os ajustes necessários à ancoragem constituem-se uma operação trabalhosa. Segundo Kahneman (2012), os indivíduos apresentam uma tendência de ficar mais próximos da âncora quando estão com recursos mentais esgotados, como por exemplo, quando consomem álcool ou quando o problema exige que a memória esteja carregada com dígitos. Kahenman (2012) descreve os vieses decorrentes da ancoragem como os mais confiáveis e pujantes da psicologia experimental. Assim, na Figura 8 são apresentados três vieses que se originam da heurística da ancoragem e ajuste: (1) ajuste insuficiente da âncora; (2) vieses de eventos conjuntivos e disjuntivos; (3) excesso de confiança.

Figura 8 - Vieses da heurística da ancoragem e ajuste

Fonte: adaptado de Bazerman (2004).

Em relação ao ajuste insuficiente da âncora, demonstrando que valores iniciais diferentes produzem decisões diferentes para o mesmo problema, Tversky e Kahneman (1974)

descrevem um experimento onde os participantes deveriam estimar a porcentagem de países africanos nas Nações Unidas. Primeiramente, foi girada uma roda da fortuna que determinou um número de 0 a 100, e os indivíduos deveriam indicar se o número sorteado era maior ou menor que o percentual que eles estimavam dos países, para, em seguida, estimar o valor da quantidade movendo para cima ou para baixo do número dado. Grupos diferentes receberam números diferentes, que se mostraram arbitrários nas estimativas. Grupos que receberam o número 10, estimaram, em média, a porcentagem de 25%, enquanto grupos de receberam o número 65 como ponto de partida, em média, estimaram 45% para o número de países africanos na ONU.

Outro exemplo desse mesmo efeito foi encontrado pelos autores quando grupos diferentes tiveram que estimar o produto de 8x7x6x5x4x3x2x1 (Grupo 1) e 1x2x3x4x5x6x7x8 (Grupo 2) em 5 segundos, onde também demonstrou-se a realização de ajustes insuficientes, levando a uma subestimativa. O grupo 1, que recebeu a sequência descendente, estimou o produto em 2.250, já o grupo 2, do produto ascendente, em 512. O valor correto é 40.320.

Nos dois experimentos descritos foram verificados vieses de ajuste insuficiente da âncora, sendo que no primeiro a âncora não tinha relação com o problema, e no segundo os participantes realizaram as estimativas a partir de um cálculo incompleto do produto dos primeiros números, considerada a limitação de tempo.

O viés na avaliação de eventos conjuntivos e disjuntivos se relaciona com a tendência dos indivíduos em superestimar a probabilidade de eventos conjuntivos e subestimar a probabilidade de eventos disjuntivos (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974). Eventos conjuntivos são aqueles que devem ocorrer em conjunção com outro, já evento disjuntivos são independentes um do outro. Na sua pesquisa, Tversky e Kahneman (1974) apresentam estudo realizado por Bar-Hillel (1973), um experimento onde os participantes deveriam apostar em um de dois eventos apresentados. As possibilidades de eventos para cada grupo eram três e a probabilidade de ocorrência do que previa o evento são apresentadas no Quadro 2.

Segundo Tversky e Kahneman (1974), a grande maioria apostou no evento menos provável, seja comparando um evento conjuntivo com um simples, ou um evento simples com um disjuntivo. Assim, evento múltiplos (conjuntivos) levam a superestimação da verdadeira probabilidade, enquanto que ao nos depararmos com eventos isolados (disjuntivos) subestimamos a probabilidade real (BAZERMAN, 2004).

Quadro 2 - Exemplo de eventos simples, conjuntivos e disjuntivos

Evento Descrição Probabilidade de ocorrência

Simples Tirar uma bolinha vermelha de um saco contendo 50% de

bolinhas vermelhas e 50% de bolinhas brancas. 0,50 Conjuntivo Tirar uma bolinha vermelha sete vezes seguidas, com

reposição (a bolinha vermelha volta para o saco antes de ser tirada a bolinha seguinte), de um saco contendo 90% de bolinhas vermelhas e 10% de bolinhas brancas.

0,48

Disjuntivo

Tirar no mínimo uma bolinha vermelha em sete tentativas, com reposição, de um saco contendo 10% de bolinhas vermelhas e 90% de bolinhas brancas

0,52

Fonte: Tversky; Kahneman (1974); Bazerman (2004).

O terceiro viés decorrente da heurística da ancoragem e ajuste é o excesso de confiança, ou o que Tversky e Kahneman (1974) denominam no estudo original de ancoragem na avaliação das distribuições de probabilidade subjetiva. Um exemplo desse viés, para Bazerman (2004), é o excesso de confiança em áreas fora do nosso conhecimento técnico, pois, segundo o autor, os indivíduos não reduzem seu nível de confiança na assertividade de respostas na medida que seu conhecimento sobre a questão diminui, enquanto demonstram falta de confiança quando as perguntas são familiares. Os indivíduos confiam na sua capacidade de estimativas, porém não reconhecem a sua incerteza. Para Tversky e Kahenman (1974), ao solicitar que os indivíduos estabeleçam um faixa de confiança na sua decisão, a estimativa inicial serve como ponto de partida (ou âncora), que causa um viés nas estimativas dos intervalos para cima ou para baixo. A ancoragem, além de amplamente estudada em estimativas (JACOWITZ; KAHNEMAN, 1995; TVERSKY; KAHNEMAN, 1974), também ganhou espaço em pesquisas com diferentes focos de abordagens. Tronco (2012), retoma diferentes estudos que investigam os efeitos da heurística da ancoragem e ajuste, como em decisões financeiras (BORSATO, 2009; MOSCA, 2009; GILOVICH; GRIFFIN; KAHNEMAN, 2002; SHILLER, 2000), decisões de consumo (LUPPE, 2006) e mercado imobiliário (NORTHCRAFT; NEALE, 1987; DOROW, 2009; TRONCO, 2012).

Com um objeto semelhante ao da presente pesquisa, Liu e Karahanna (2017), tentaram anular os efeitos de ancoragem e ajuste, propondo um experimento onde os indivíduos recebiam incentivos monetários diferentes, estimulando assim o processamento mais profundo da informação, o que, segundo hipotetizaram as autoras, poderia diminuir os efeitos da ancoragem. O experimento proposto considerava a relação entre OPRs e memória de longo prazo no

julgamento de câmeras digitais. Como resultado, indivíduos submetidos a classificações globais (normalmente apresentadas graficamente na forma de estrelas em sites de social commerce) mais altas, julgaram os produtos com notas mais altas, ainda que a diferença da nota não influenciasse na avaliação dos atributos com base em OPRs pelos participantes. Esse resultado corrobora com os achados de Tversky e Kahneman (1974), que não obtiveram resultados satisfatórios ao tentar premiar a precisão visando a redução do efeito de ancoragem. Nesse sentido, Bazerman (2004) afirma que incentivos monetários a participantes de experimentos não reduzem o efeito de ancoragem.