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A hibridização humana: “ser” ou “não ser”, eis aí a questão

informática?

4 DOBRAS E TECNOLOGIA: UM EXERCÍCIO DE FICÇÃO

4.2 A hibridização humana: “ser” ou “não ser”, eis aí a questão

Nós, ciborgues16 humanos, não somos mera fantasia. Os dispositivos criados para

melhorar as nossas capacidades são exemplos disso. Desde os anos 1920, já havia fabricação de insulina para os diabéticos, um homem de 43 anos recebeu o primeiro marcapasso, em 1958, e, hoje, já há máquinas que substituem órgãos humanos. Enfim, essa evolução não cessa. Nesse sentido, o que torna o ciborgue de hoje diferente dos seus ancestrais é a informação. Dessa forma, entendemos que ciborgues são máquinas que transmitem informação e, além disso, são autocontroláveis. Kunzru (2009, p. 121) nos diz que esses estudiosos atribuíram o seguinte significado à palavra: “[cyborg] (abreviatura de “cybernetic organism”) para descrever o conceito de um “homem ampliado”, um homem melhor adaptado aos rigores da viagem espacial”. Clynes e Kline (1960), citados por Kunzru (2009, p. 121), pensavam na possibilidade de haver um astronauta que tivesse um coração controlado por injeções e anfetaminas e os “pulmões seriam trocados por uma ‘célula energética inversa’, alimentada por energia nuclear”.

Todavia, o ciborgue que veio a se constituir após os anos 1990 é um ser mais elaborado que o dos anos 1950. Isso porque,

[...] juntas pélvicas artificiais, implantes de tímpanos para os surdos, implantes de retina para os cegos e todo o tipo de cirurgia cosmética fazem parte, hoje, do repertório médico. Sistemas de recuperação de informação on-line são utilizados como próteses para memórias humanas limitadas. No mundo fechado da sofisticada indústria da guerra, combinações ciborguianas de humanos e máquinas são utilizadas para pilotar aeronaves militares – os tempos de resposta e os aparelhos sensórios de simples e ‘puros’ humanos são inadequados para as demandas do combate aéreo supersônico. Esses arrepiantes ciborgues militares podem ser os anunciadores de um mundo novo mais estranho do que qualquer outro dos que vivemos até agora (KUNZRU, 2009, p. 126).

Nessa linha de pensamento, sabemos que a tecnologia tem avançado por diversas áreas, entre elas, na Medicina, na Robótica e nas pesquisas sobre Inteligência Artificial. Todos esses avanços que, antes, poderiam ser pensados como uma ficção científica, hoje, se aproximam rapidamente da realidade. Sendo assim, de acordo com Kunzru (2009, p. 19),

16 Além dos autores que utilizamos na dissertação para discorrer sobre ciborgues e ficção científica – antecipação

do futuro, há outros que também podem ser lidos e estudados, como: Júlio Verne, Aldoux Huxley, George Orwell, H. G. Wells.

“quando a tecnologia atua sobre o corpo, nosso horror mescla-se, sempre, com uma intensa fascinação. Mas de que forma, exatamente, age a tecnologia? E em que profundidade ela penetrou sob a membrana de nossa pele?”. A resposta para essa pergunta emblemática estaria em uma cidade pequena, em um ser que se considera um ciborgue:

As respostas podem estar no Condado de Sonoma, Califórnia. Não é o lugar mais futurista do mundo; bem pelo contrário. Os pequenos conjuntos de casas de madeira esparsamente distribuídas ao longo do rio (Russian River) parecem pertencer a alguma América atemporal, feita de antigos Chevrolets e nostálgicas sorveterias. Fora da pequena cidade de Healdsburg (população: 9.978), imensas plantações de videiras espalham-se ao longo da estrada, com placas que, orgulhosamente, proclamam as datas da fundação das respectivas vinícolas. As próprias vinhas, transplantadas da Europa, carregam uma herança genética muito mais antiga. É, entretanto, nesse letárgico lugar que estão sendo definidas novas visões sobre o futuro tecnológico. Retirado da autoestrada principal, vê-se um belíssimo vale de sequoias. Aqui, em uma pequena casa de madeira, vive alguém que diz saber o que está realmente acontecendo com corpos e máquinas. Ela deve saber – ela é uma ciborgue.

Encontre Donna Haraway e você terá uma sensação de falta de conexão. Ela certamente não se parece com uma ciborgue. Fala mansa, na casa dos 50, com uma risada contagiante e rodeada por cães e gatos, ela se parece mais com uma tia querida do que com uma ciborgue – esse produto de um bilhão de dólares do complexo industrial-militar dos Estados Unidos. Ela diz que, sob a superfície, tem os mesmos órgãos internos que todo mundo – embora esse não seja exatamente o tipo de coisa que se possa pedir a ela que prove em uma entrevista. Donna Haraway declara-se, entretanto, como sendo, ela própria, uma ciborgue – um tipo de corpo que representa a quintessência da tecnologia (KUNZRU, 2009, p. 20).

Outros estudiosos também concordaram com Donna Haraway, de acordo com Kunzru (2009), sobre a questão de o ser humano ser um ciborgue e argumentaram que vivemos em rede, porém de forma isolada. Então, tanto o ciborgue quanto o ser humano, ou esses dois de forma hibridizada, realizam suas práticas por meio das redes. Kunzru (2009) afirma que Haraway prefere ser um ciborgue a ser uma deusa. Ela diz isso para contrapor a ideia de que a mulher precisa se desprender do mundo moderno e se conectar à Mãe Terra para alcançar a liberdade. Por isso, ela insiste ser um ciborgue, um resultado da ciência e da tecnologia. Kunzru (2009) diz que, quando Haraway se coloca na posição de ciborgue, não quer dizer que é um ser diferenciado, pelo contrário, a mensagem que ela nos passa é a de que máquina e ser humano estabelecem uma relação tão intrínseca que não há como saber quem é máquina e quem é humano. Somos, então, um corpo hibridizado (SIBILIA, 2002).

Dessa maneira, se somos seres hibridizados, quer dizer que alcançamos um novo patamar de subjetividades. Pertencemos a um outro mundo, com novos elementos, estamos em

processo, somos o processo, um ser renovado, uma nova carne. E esse lugar em que os ciborgues vivem não é algo do futuro, a era do ciborgue se faz agora, estamos vivendo-a constantemente, todos os dias, basta termos os artefatos tecnológicos ao nosso alcance. À vista disso, ser um ciborgue não significa quanto de tecnologia carregamos em nosso corpo. Tem a ver com a incorporação dos aparelhos tecnológicos nas nossas práticas diárias, ou seja, tem a ver com Donna Haraway ir até a academia, “observar uma prateleira de alimentos energéticos para bodybuilding, olhar as máquinas para malhação e dar-se conta de que ela está em um lugar que não existiria sem a ideia do corpo como uma máquina de alta performance. Tem a ver com calçados atléticos” (KUNZRU, 2009, p. 23). Pensemos nos calçados, nas roupas, nos alimentos fabricados para dar potencialidades às nossas atividades. Por exemplo, um atleta tem um calçado específico para corrida, outro tem uma roupa que facilita nadar e assim por diante.

O mundo do ciborgue é um mundo repleto de redes, de conexões, de entrelaçamentos. Logo, somos humanos e máquinas, carne, porém também metal, somos seres complexos e hibridizados. A tecnologia que está no cinema, no teatro, na medicina, na academia, isto é, nos diversos aparelhos digitais que compõem esses lugares, nos permite viver práticas e novas subjetivações que não ficam apenas à nossa volta, estão incorporadas a nós, seres ciborgues. A tecnologia não está somente no ambiente externo, ela se faz e age também dentro de nós. Os remédios fabricados para eliminar as doenças, os alimentos, as plásticas realizadas para mudanças no corpo, entre outros exemplos. Estamos nos construindo e reconstruindo a todo momento por intermédio dessas redes tecnológicas externas e internas. E, para sobreviver, precisamos acompanhar as mudanças tecnoculturais. Portanto, Kunzru (2009, p. 32) cita o que Haraway diz sobre a construção da tecnocultura humana: “A tecnologia não é neutra. Estamos dentro daquilo que fazemos e aquilo que fazemos está dentro de nós. Vivemos em um mundo de conexões – e é importante saber quem é que é feito e desfeito”.

Percebemos essas conexões e novas subjetivações quando questionamos, em nossa pesquisa de campo (nos questionários), como os sujeitos consideram suas habilidades na internet, de 1 a 10. A maioria das respostas foi 8 (24,6%) e 10 (29,3%). Levando em consideração nossas discussões acerca do ser hibridizado, não pensamos que seria diferente. Se utilizamos os aparelhos tecnológicos e a internet constantemente, nossas habilidades tendem a aumentar com o tempo e com a necessidade. Vejamos o gráfico:

Gráfico 23: Como considera suas habilidades quando usam a internet

Fonte: Elaborado pela autora

Notamos esses números também com relação à preparação das aulas pelos professores. Perguntamos com qual frequência, entre 1 e 10, eles usavam a internet para preparar suas aulas. A maioria dos professores respondeu 10 (72%), como vemos no gráfico abaixo:

Gráfico 24: Como considera suas habilidades quando usam a internet

Fonte: Elaborado pela autora

0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Como considera suas habilidades quando usa a