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Capítulo 1 – Revisão de literatura

5. Hidrólise enzimática da biomassa lignocelulósica

Vários microrganismos produzem enzimas envolvidas na degradação da fração de celulose e hemicelulose da biomassa vegetal. As celulases e hemicelulases representam um grupo de enzimas responsáveis pela hidrólise destes polissacarídeos e podem ser produzidas por diversos microrganismos, em sua maioria por bactérias e fungos, desempenhando um papel importante na biosfera e participando do ciclo do carbono através da reciclagem da celulose e da hemicelulose.

5.1. Celulases

A hidrólise enzimática da celulose em açúcares solúveis é um processo que envolve múltiplas enzimas denominadas de celulases, as quais são altamente específicas. Os três maiores grupos de celulases que estão envolvidas no processo de

21 hidrólise são: (1) endoglicanases (EG, endo-1,4-D-glicanohidrolase, ou EC 3.2.1.4) que atacam regiões de baixa cristalinidade nas fibras de celulose criando cadeias terminais redutoras e não-redutoras livres; (2) exoglicanases ou celobiohidrolases (CBH, 1,4-β-D-glicano-celobiohidrolase, ou EC 3.2.1.91) que degradam a cadeia terminal livre formando unidades de celobiose; (3) β-glicosidase (celobiase ou EC 3.2.1.21) que hidrolisa a celobiose para produzir glicose. Em adição aos três maiores grupos de enzimas celulases, existe também um número de enzimas auxiliares que atacam as hemiceluloses, como as glicouronidase, acetilesterase, xilanase, β- xilosidase, galactomanase, acetilesterase e manase (SUN & CHENG, 2002).

Os diferentes organismos celulolíticos têm evoluído para produzir um arranjo de celulases que, por meio de diferentes modos de ação e especificidade de substrato, permitem explorar substratos bastante heterogêneos. Por exemplo, o fungo

Trichoderma reesei produz quatro endoglicanases e duas celobiohidrolases (CBHI e

CBHII). As CBHI e CBHII de Trichoderma reesei são imunologicamente distintas, analisadas por anticorpos policlonais. As unidades de celobiose repetitivas da celulose ocorrem em duas formas estequiométricas diferentes, levando a hipótese que existem duas formas esterioespecíficas de endoglicanases. Esta multiplicidade de formas de celulases fúngicas poderia ser provocada por uma glicosilação diferencial ou proteólise parcial. Além disso, a partir da clonagem gênica, sabe-se que existe um número limitado de genes de celulase. Logo, a multiplicidade desta enzima deve ser, em grande parte, por modificações pós-traducionais (DUFF & MURRAY, 1996).

O exato mecanismo da hidrólise da celulose não é conhecido, embora diversos possíveis modelos tenham sido propostos. Entretanto, sabe-se que as celulases atuam de maneira coorporativa e/ou sinergística, ou seja, uma ação em conjunto para que o rendimento das celulases quando atuam simultaneamente seja melhor do que a soma dos rendimentos individuais. São conhecidas pelo menos três formas de sinergia, são elas (SILVA, 2010):

 Sinergia endo-exo: as endoglucanases atuam nas regiões amorfas, liberando terminais redutores e não redutores, nos quais atuarão as CBHs do tipo I e do tipo II, respectivamente.

 Sinergia exo-exo: as CBHs I e CBHs II atuam simultaneamente nos terminais redutores e não redutores liberados pelas endoglucanases.

 Sinergia exo-BG e endo-BG: as exoglucanases e endoglucanases liberam celobiose e oligossacarídeos, respectivamente, que são substratos da β-glucosidase.

22 A Figura 8 esquematiza a ação dessas enzimas sobre celulose.

Figura 8 - Enzimas envolvidas na hidrólise da celulose (SUN & CHENG, 2002).

A maior parte das enzimas envolvidas na hidrólise de carboidratos são proteínas modulares, constituídas por um módulo catalítico e por um módulo de ligação a carboidratos (Carbohydrate-binding modules - CBMs). A função destes módulos é promover uma melhor interação entre o substrato e o módulo catalítico da enzima, assegurando a orientação correta entre ambos (CANILHA et al., 2010). Segundo GRAY e colaboradores (2006), as CBMs são divididas em famílias que possuem seqüências de aminoácidos e estruturas similares. Assim, sutis diferenças na estrutura das CBMs podem levar a modificações na especificidade do ligante. Durante a sua ligação a superfície cristalina da celulose, as CBMs expõem os seus domínios catalíticos para o substrato específico e aumentam a eficiência catalítica. Em adição, tem sido proposto que as CBMs podem ser capazes de romper a estrutura dos polissacarídeos e, assim, aumentar a taxa de hidrólise. Entretanto, quando o substrato é um material lignificado (CANILHA et al., 2010), a lignina pode promover intensa adsorção inespecífica das enzimas utilizadas para a hidrólise da celulose e/ou da hemicelulose. A fração de celulases e hemicelulases tornadas improdutivas devido a esta adsorção podem chegar a 70 % do total adicionado. Isto inclusive impede a reciclagem das enzimas, uma estratégia que tem um grande impacto na viabilidade econômica do processo. Para superar esta limitação, outras proteínas (albumina, por exemplo), surfactantes não iônicos (Tween 20, por

23 exemplo) ou polímeros (polietilenoglicol, por exemplo) têm sido adicionados à mistura reacional com a finalidade de minimizar adsorções indesejáveis.

Muitos fatores podem afetar a hidrólise enzimática da celulose, como por exemplo, a concentração de substrato, a atividade da celulase e as condições da reação (temperatura, pH, bem como outros parâmetros). A Figura 9 apresenta uma visão simplificada dos principais mecanismos que limitam a hidrólise enzimática da celulose. Logo, a compreensão destes mecanismos tem permitido o desenvolvimento progressivo de estratégias para superar as limitações. Assim, para melhorar o rendimento e a taxa de hidrólise, é necessário à otimização do processo, reforçando a atividade das celulases (SUN & CHENG, 2002).

Figura 9 - Visão simplificada dos principais mecanismos que limitam a hidrólise enzimática da celulose. 1) Inibição da β-glicosidase e da celobiohidrolase pelos produtos (glucose e celobiose, respectivamente); 2) Adsorção improdutiva da celobiohidrolase à celulose; 3) Obstrução do acesso das celulases à celulose pela hemicelulose; 4) Obstrução do acesso das celulases à celulose pela lignina; 5) Adsorção inespecífica das enzimas à lignina; 6) Perda da atividade enzimática (CANILHA et al., 2010).

24 5.2. Hemicelulases

A característica heteropolissacarídica das hemiceluloses torna complexo o mecanismo de ataque enzimático. Das enzimas conhecidas, as endoxilanases (EC 3.2.1.8) são as mais estudadas. Para degradação da xilana serão necessárias basicamente seis enzimas diferentes. As endo-1,4-β-D-xilanases (EC 3.2.1.8) hidrolisam aleatoriamente o esqueleto de xilana, enquanto as β-D-xilosidases (EC 3.2.1.37) produzem os monômeros de xilose a partir da hidrólise das extremidades não redutoras de xilo-oligossacarídeos e da xilobiose (COLLINS et al, 2005).

A remoção das cadeias laterais deste polímero requer a enzima específica para o tipo de grupo a ser hidrolisado. As enzimas necessárias para esta hidrólise são α-L- arabinofuranosidases (EC 3.2.1.55), α-D-glicuronidases (EC 3.2.1.139), acetilxilana esterases (EC 3.1.1.72), ácido ferúlico esterases (EC 3.1.1.73), ρ-ácido cumárico esterases (EC 3.1.1.-) e α-galactosidases (EC 3.2.1.22) (JEFFRIES, 1994). A Figura 10 ilustra o polímero e as enzimas que atuam para sua degradação.

Figura 10 - Enzimas xilanolíticas envolvidas na degradação da xilana (COLLINS et al, 2005).

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