• Nenhum resultado encontrado

A hidrologia, segundo Chow (1964), é o ramo da ciência que estuda a ocorrência, circulação e distribuição da água na Terra, suas propriedades físicas e químicas e sua relação com o meio ambiente.

A ocorrência da água na Terra se dá num espaço denominado de hidrosfera, o qual situa-se entre 1 km abaixo da litosfera e 15 km acima da atmosfera, conforme descrevem Chow, Maidment e Mays (1988). Segundo Press et al. (2004), a hidrosfera, a litosfera e atmosfera consistem nos principais componentes do sistema Terra; a litosfera pode ser compreendida como uma camada espessa de rocha que vai da crosta e da parte superior do manto terrestre até 100 km de profundidade, enquanto que a atmosfera, como um invólucro gasoso que se estende da superfície terrestre até 100 km de altitude, relatam os autores.

A circulação da água na hidrosfera é o que denominamos de ciclo hidrológico, sendo este o princípio fundamental da hidrologia. Para Linsley, Kohler e Paulhus (1975), ciclo hidrológico é um termo descritivo aplicado à circulação geral da água dos oceanos para a atmosfera, para a superfície, e de volta aos oceanos. Suguio (2006), por sua vez, descreve o ciclo hidrológico como a representação dos mecanismos de transferência contínua da água na Terra, dos oceanos e dos próprios continentes para a atmosfera, em forma de vapor, e, em seguida, precipitando sobre os oceanos e continentes, envolvendo assim vários reservatórios naturais entre os quais as partículas de água se movem com o decorrer do tempo. Davie (2008) relata que o ciclo hidrológico é um modelo conceitual de como a água se movimenta entre a Terra e a atmosfera em seus estados líquido, sólido e gasoso. Miranda, Oliveira e Silva (2010) relatam que o ciclo hidrológico é uma sucessão de vários processos naturais pelos quais a água inicia seu caminho indo de um estágio inicial até retornar à posição primitiva, impulsionada especialmente pela radiação solar. Já Mello e Silva (2013) definem o ciclo hidrológico como a dinâmica da água no meio ambiente, compreendendo seus diferentes estados físicos – líquido, vapor e sólido – encontrados em diferentes

ambientes do globo terrestre, tais como atmosfera, oceano, solo, leitos naturais de escoamento, montanhas e outros.

Os principais processos que envolvem o ciclo hidrológico estão ilustrados na Figura 1 para uma escala global. Entretanto, o ciclo hidrológico é comumente analisado em escala de bacia hidrográfica, sendo esta definida como uma área delimitada topograficamente pelos divisores de água, constituída por uma rede de drenagem, a qual converge o escoamento para uma seção comum denominada de seção de controle ou exutório da bacia (MELLO e SILVA, 2013). A bacia hidrográfica pode apresentar dimensões bastante variáveis, de poucos hectares até milhões de km², ressalta Davie (2008). A definição da escala, segundo Mello e Silva (2013) depende dos objetivos técnicos e científicos da análise.

Figura 1 - Representação dos principais componentes do ciclo hidrológico em escala global Fonte: Beskow, Souza e Luz (2015)

O ciclo hidrológico (Figura 1), apesar de não ter início nem fim e ocorrer de forma contínua no tempo, pode ser entendido a partir da evaporação da água dos oceanos, como propõem Linsley, Kohler e Paulhus (1975).

Dada a definição de Allen et al. (1998), a evaporação pode ser compreendida como o processo pelo qual a água é convertida do estado líquido para o estado de vapor e, então, removida da superfície de evaporação. Para os hidrólogos, no entanto, Linsley, Kohler e Paulhus (1975) relatam que a evaporação consiste simplesmente na taxa de tranferência da água líquida para a atmosfera. Os oceanos formam o principal reservatório do ciclo hidrológico global, retendo mais de 97% da água existente na Terra (CHAHINE, 1992). Em superfícies líquidas como os oceanos, o processo de evaporação é influenciado por inúmeros fatores, dentre os quais Raghunath (2006) destaca a temperatura do ar e da água, a umidade relativa, a velocidade do vento, a área superficial exposta. Sobre o processo de evaporação da água superficial dos oceanos, Suguio (2006) relata que o mesmo ocorre de forma lenta e que o vapor de água transmitido para a atmosfera tem um tempo médio de residência de 10 dias, quando, então, é precipitado.

A precipitação é a principal forma de entrada de água no ciclo hidrológico em sua fase terrestre, relatam Davie (2008), Mello e Silva (2013) e outros. Conforme Mello e Silva (2013), este processo pode ser compreendido como uma forma de umidade presente na atmosfera que, em função de condições termodinâmicas, condensa, forma nuvens e precipita. A precipitação pode ocorrer na forma de garoa, chuva, neve, granizo, saraiva, geada ou orvalho (TUCCI, 2009), sendo a precipitação que atinge a superfície na forma líquida, ou seja, a chuva, a mais comum, principalmente em regiões de clima tropical e subtropical, destacam Mello e Silva (2013).

A precipitação pode incidir sobre os corpos hídricos, como rios e lagos, ou sobre a superfície. Caldeira (2016) menciona que, uma vez incidindo sobre a superfície, parte da precipitação pode ser interceptada pela vegetação ou outros obstáculos, retornando à atmosfera devido ao processo de evaporação. A interceptação, neste caso, pode ser compreendida como a capacidade que a vegetação ou outros tipos de obstáculos possuem de reter a chuva, segundo Miranda, Oliveira e Silva (2010). Raghunath (2006), por sua vez, descreve a interceptação como uma forma de perda de água, na qual parte da precipitação é

interceptada pela vegetação e por edificações e retorna para a atmosfera sem atingir a superfície terrestre de fato. Logo, inúmeros são os fatores que exercem influência sobre este processo, dentre os quais Tucci (2009) menciona as características das precipitações, as condições climáticas, a densidade da vegetação, a estrutura e arquitetura do dossel e o comportamento fisiológico das plantas durante o ano.

Beskow, Souza e Luz (2015) indicam que a precipitação incidente sobre a superfície e que atinge o solo, não ficando interceptada, pode: i) ficar armazenada em depressões do terreno; ii) escoar sobre a superfície; iii) infiltrar no solo; iv) ou escoar pelo solo como fluxo subsuperficial. O armazenamento de água em depressões do terreno pode ocorrer, segundo Linsley, Kohler e Paulhus (1975), na ordem de magnitude de partículas de solo a grandes áreas inundadas, podendo a água armazenada retornar à atmosfera por evaporação ou infiltrar no solo após cessar a precipitação.

Já a infiltração, conforme Miranda, Oliveira e Silva (2010), é o processo de penetração da precipitação que atinge o solo nas camadas próximas à superfície do terreno, a qual percola para baixo através dos poros vazios e sob ação da gravidade, até atingir uma camada que a retém e resulta no teor de umidade do solo. A infiltração tem a função de suprir a deficiência de umidade do solo e, quando ocorre em excesso, de recarregar os reservatórios subterrâneos de água (RAGHUNATH, 2006). De acordo com Tucci (2009), este processo depende da água disponível para infiltrar, do tipo de solo, do estado da sua superfície e das quantidades de água e de ar presentes no seu interior. Numa perspectiva ambiental, Mello e Silva (2013) destacam a importância da infiltração, pois, além de exercer influência direta sobre outros processos (escoamento superficial direto, por exemplo), promove o preenchimento dos poros do solo pela água, a qual pode ficar retida na matriz e ser utilizada pelas plantas ou recarregar os aquíferos.

Uma vez retida na matriz do solo, a água pode retornar à atmosfera por meio da evaporação e da transpiração (CALDEIRA, 2016). Conforme Allen et al. (1998), a transpiração é a vaporização da água líquida contida nos tecidos das plantas e a posterior transferência desse vapor para a atmosfera. Os autores relatam que a evaporação da água retida na matriz do solo e a transpiração pelas plantas ocorrem simultaneamente e é difícil distinguir os dois processos, por isso são somados,

conceituando a evapotranspiração. Evapotranspiração é, por tanto, a perda de água para atmosfera em decorrência da evaporação do solo e da transpiração das plantas (RAGHUNATH, 2006).

Segundo Viola (2008), a ocorrência de deficiência de água nas camadas superiores do solo pode implicar na ocorrência de um fluxo ascendente originário do lençol freático, denominado de ascensão capilar. Este fenômeno é geralmente observado, segundo o autor, em regiões de descarga de aquífero.

Retornando à precipitação que atinge o solo, Caldeira (2016) relata que se sua intensidade for superior à capacidade de infiltração do solo, ou ainda se este encontra-se saturado, o excesso de precipitação escoa superficialmente até atingir um corpo hídrico ou passa a ser retido em depressões do terreno, outrora mencionadas. Segundo Silva et al. (2008), a parcela da precipitação que excede a capacidade de infiltração do solo e não fica retida nas depressões do terreno é denominada de precipitação efetiva. O escoamento ocasionado pela precipitação efetiva, por sua vez, é denominado de escoamento superficial direto e está diretamente relacionado ao dimensionamento de estruturas hidráulicas e ao estudo de erosão e transporte de sedimentos (SILVA et al., 2008).

Os escoamentos superficial direto, subsuperficial e de base, constituem os três componentes do escoamento superficial, um seguimento do ciclo hidrológico que estuda o deslocamento das águas na superfície terrestre e que é extremamente importante para o manejo das bacias hidrográficas, destacam Silva et al. (2008).

O escoamento subsuperficial ocorre, segundo Raghunath (2006), quando existe uma camada de solo relativamente impermeável, a qual faz com que a água percole e escoe lateralmente na subsuperfície do solo. Por este motivo, Miranda, Oliveira e Silva (2010) relatam que é difícil quantificar tal processo de forma isolada, sendo muitas vezes analisado junto ao escoamento superficial direto (MIRANDA, OLIVEIRA e SILVA, 2010). Comparando em termos dinâmicos os escoamentos superficial direto e subsuperficial, Mello e Silva (2013) indicam que o segundo ocorre de forma mais lenta que o primeiro.

Já o escoamento de base, também conhecido como escoamento subterrâneo, é aquele produzido pela drenagem natural do aquífero, sendo bastante relevante do ponto de vista ambiental, segundo Mello e Silva (2013), porque alimenta os cursos d’água durante períodos de estiagem. Os autores

relatam ainda que o escoamento de base, frente aos demais, é bastante lento, podendo demorar vários dias para que haja mudança significativa nos valores de vazão em uma seção de controle após um evento de precipitação.

A água proveniente da precipitação direta sobre as calhas dos rios e dos escoamentos superficial direto, subsuperficial e de base se concentra em cursos d’água e pode atingir corpos hídricos maiores, como lagos, lagoas, oceanos, etc., onde evapora novamente, visto que o ciclo hidrológico continua (BESKOW, SOUZA e LUZ, 2015).

Conforme Miranda, Oliveira e Silva (2010), o ciclo hidrológico analisado na escala de bacia hidrográfica apresenta variação contínua, dentro de amplos limites, na quantidade de água disponível em cada uma das suas partes; numa análise global, as quantidades são praticamente constantes. Este fato explica, segundo os autores, a abundância e escassez das chuvas sobre a Terra.

De acordo com Chow, Maidment e Mays (1988), a hidrologia de uma região é determinada pelos seus padrões climáticos e por fatores físicos, como a topografia, a geologia e a vegetação. No entanto, os autores destacam que as atividades humanas vêm gradualmente alterando os recursos hídricos naturais e, por consequência, a dinâmica de equilíbrio do ciclo hidrológico. Dentre as atividades humanas que afetam a circulação e a qualidade da água na natureza, Chow, Maidment e Mays (1988) destacam a irrigação de culturas, a fertilização dos solos, o desmatamento, o bombeamento de água subterrânea, a construção de barragens em rios e o despejo de resíduos em rios e lagos.

Neste contexto, Mello et al. (2008) relatam que o entendimento acerca dos complexos fenômenos naturais que envolvem o ciclo hidrológico, bem como a forma com que estes se inter-relacionam desde a precipitação até a ocorrência de escoamento superficial, é de extrema importância para fundamentar estudos de simulação hidrológica.

Os modelos hidrológicos chuva-vazão, os quais representam a parte do ciclo hidrológico entre a precipitação e a vazão, devem descrever a distribuição espacial da precipitação, as perdas por interceptação, evapotranspiração e nas depressões do solo, o fluxo através do solo pela infiltração, percolação e água subterrânea e as parcelas do escoamento superficial, subsuperficial e no rio (TUCCI, 2005).