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A compreensão dos complexos fenômenos naturais que envolvem o ciclo hidrológico, bem como das suas inter-relações, desde a precipitação até a ocorrência de escoamento nos cursos d’água, é de suma importância (MELLO et al., 2008). Inúmeros são os fatores que podem influenciar no regime hidrológico de uma bacia hidrográfica, destacando-se as mudanças climáticas, as quais têm potencial para impactar os diferentes processos que ocorrem no ciclo hidrológico.

De acordo com o IPCC (2013), a resposta do ciclo hidrológico ao aquecimento global ao longo do século XXI não será uniforme, evidenciando o constrante na precipitação entre regiões úmidas e secas e entre as estações úmidas e secas, com exceções regionais. É muito provável, segundo o IPCC (2013) que regiões úmidas de altas latitudes experenciem maiores quantidades de precipitação, enquanto que é provável que regiões de latitude média e áridas e semiáridas subtropicais experenciem diminuição da precipitação, e que regiões úmidas de latitude média experenciem aumento. Quanto aos eventos de precipitação de curta duração, o IPCC (2013) indica que estes ocorrerão com maior intensidade, sendo muito provável eventos extremos mais intensos e frequentes em porções terrestres de latitude média e em regiões tropicais úmidas. O IPCC (2013) indica ainda, dentre outros prognósticos, que a evaporação média da superfície irá aumentar a medida que o temperatura global for se elevando, assim como o risco de ocorrência de secas agrícolas, sendo proeminentes na África austral e no noroeste da África ao longo do Mediterrâneo.

Para Döll et al. (2015), todos os usuários da água são afetados com as mudanças climáticas, em especial a agricultura irrigada, o abastecimento e a geração de energia. A agricultura irrigada – o setor de maior uso de água no mundo – é afetada tanto pela alteração na disponibilidade quanto na demanda hídrica, segundo os autores, uma vez que temperaturas mais elevadas e maior variabilidade da chuva tendem a aumentar a demanda por unidade de área irrigada. No setor de

geração de energia, Döll et al. (2015) ressaltam os impactos decorrentes das alterações no regime de vazões dos rios.

As mudanças hidrológicas provenientes das mudanças no clima, combinadas com outras pressões sobre os recursos hídricos, tais como crescimento populacional, mudança de uso e cobertura do solo e mudanças de estilo de vida, serão um grande desafio para a gestão de recursos hídricos no século XXI, relatam Kundzewicz et al. (2008).

Tendo em vista a segurança hídrica em um clima sob mudança, Döll et al. (2015) ressaltam a necessidade da gestão integrada dos recursos hídricos perante os riscos provenientes destas mudanças. Neste contexto, os autores definem o risco de um dado impacto como a interação entre desastres, exposição e vulnerabilidade. Todavia, o risco frequentemente é estimado a partir da probabilidade de ocorrência de eventos catastróficos ou tendências multiplicadas pelos impactos que decorrem caso estes eventos ou tendências de fato ocorram (IPCC, 2014). Segundo Döll et al. (2015), avaliações probabilísticas de desastres têm sido utilizadas para gestão de recursos hídricos em virtude da natureza estocástica do clima, sendo possível citar aplicações para elaboração de mapas de risco e de cheias, variabilidade de vazões, etc.

Thirel et al. (2015) relatam que a previsão do impacto de mudanças ambientais sobre bacias hidrográficas tem se tornado uma atividade útil para profissionais que trabalham na área de recursos hídricos; entretanto, estes têm tido preocupações crescentes, visto que os modelos usados para simulação na avaliação do impacto, bem como ferramentas de suporte à tomada de decisão, podem não ser adequados para tal fim.

A avaliação dos impactos potenciais das mudanças no clima sob o ponto de vista quantitativo é extremamente útil, no entanto, é necessário envolver a aplicação de uma série de modelos, estando os resultados de saída destes sujeitos a incertezas significativas (DÖLL et al., 2015). Frente às incertezas, tais pesquisadores sugerem que os impactos devem ser quantificados por meio de um intervalo de projeções plausíveis. Neste contexto, o estado-da-arte consiste em estudos multi-modelo, onde os resultados de diversos modelos climáticos alimentam um ou mais modelos hidrológicos a fim de gerar um conjunto de cenários de alterações potenciais de riscos.

Ressalta-se assim três conclusões de Kundzewicz et al. (2008) sobre as projeções climáticas e suas implicações nos recursos hídricos de água doce e na gestão:

1) os impactos das mudanças climáticas e as alternativas mais eficazes para se adaptar a elas dependem substancialmente das condições hidrológicas, econômicas, sociais e políticas, sendo difícil extrapolar resultados ou conclusões de uma bacia para outra;

2) mudanças climáticas são sobrepostas a outras pressões sobre os recursos hídricos; e

3) atualmente, pouco pode ser dito a respeito das implicações das mudanças climáticas na disponibilidade de água para os mais vulneráveis, ou seja, para os mais carentes em zonas urbanas e rurais de países em desenvolvimento.

A estimativa dos impactos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos e sua gestão devem ser melhoradas (KUNDZEWICZ et al., 2008); ademais, o avanço, no que se refere à compreensão destas, está condicionado à disponibilidade adequada de dados observados, o que evidencia a necessidade de ampliação da rede de monitoramento, principalmente em países em desenvolvimento, onde praticamente são inexistentes em termos de quantidade. Neste sentido, Kundzewicz et al. (2008) salientam que dados apropriados são fundamentais para o entendimento das mudanças e para melhorar o desempenho dos modelos climáticos. Os autores destacam ainda que, dentre as necessidades urgentes de pesquisa, estão aquelas que podem levar à redução de incertezas para melhor compreender como as mudanças climáticas podem afetar os recursos hídricos e para dar suporte aos gestores, os quais precisam se adaptar a elas.

Visando um planejamento futuro, torna-se fundamental – especialmente com relação aos cenários para as próximas décadas – o emprego da modelagem climática. Viola (2011) relata que, de acordo com o IPCC, um dos pontos que precisam ser avaliados com critério científico no Brasil diz respeito aos impactos hidrológicos decorrentes de mudanças climáticas, haja vista que são projetadas alterações nos regimes térmico e pluvial, tendo consequências diretas sobre o ciclo hidrológico e, consequentemente, na capacidade de produção de água de bacias hidrográficas. No intuito de avaliar o comportamento hidrológico de bacias hidrográficas, geralmente são calibrados e validados modelos hidrológicos do tipo

chuva-vazão. Neste contexto, Viola (2011) ressalta que a simulação hidrológica representa uma importante ferramenta no que se refere à gestão de recursos hídricos, especialmente para a determinação de vazões de outorga e avaliação dos impactos nos recursos hídricos de uma bacia hidrográfica frente às diferentes pressões, tais como alterações no uso do solo e mudanças climáticas.

Inúmeros são os estudos que buscam avaliar, via modelagem hidrológica, o impacto das mudanças climáticas sobre diversos indicadores hidrológicos em bacias hidrográficas, dentre eles, pode-se mencionar Ribeiro Neto et al. (2016), Oliveira et al. (2017), Alvarenga et al. (2018), Bajracharya et al. (2018) e Nilawar e Waikar (2019).

Ribeiro Neto et al. (2016) avaliaram o impacto do clima futuro projetado pelos RCP’s 4.5 e 8.5 do AR5 do IPCC sobre os processos hidrológicos das principais regiões hidrográficas brasileiras, empregando para tal finalidade modelagem hidrológica forçada pelos dados climáticos dos modelos ETA-HadGEM2-ES e ETA- MIROC5. Segundo os autores, pode-se esperar redução na disponibilidade hídrica em toda a área de estudo, com exceção da região sul, afetando as principais bacias hidrográficas geradoras de energia hidrelétrica do país.

Oliveira et al. (2017) avaliaram o impacto das mudanças climáticas sobre a vazão e o potencial hidroenergético de uma bacia de cabeceira da bacia hidrográfica do rio Grande, no sul de Minas Gerais. Os autores empregaram, para tal finalidade, o modelo hidrológico Soil and Water Assessment Tool (SWAT) e os dados do clima presente e de projeções futuras dos modelos climáticos ETA- HadGEM2-ES e ETA-MIROC5 frente aos RCP’s 4.5 e 8.5. Os resultados encontrados por Oliveira et al. (2017), por ambos os modelos climáticos e RCP’s, dão indícios de que haverá uma redução considerável na vazão e, por consequência, no potencial de geração de energia, ao longo do século XXI. Tal redução pode acarretar em sérios problemas de disponibilidade de água na região, causando impactos não somente locais, mas em todo o sistema hidrelétrico instalado na bacia do rio Grande, ressaltam os autores.

Alvarenga et al. (2018) avaliaram o impacto das mudanças climáticas na hidrologia de uma pequena bacia hidrográfica localizada na Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais. Os autores empregaram o modelo hidrológico Distributed Hydrology Soil Vegetation Model (DHSVM) forçado pelo modelo climático ETA-

HadGEM2-ES frente aos RCP’s 4.5 e 8.5. Os resultados encontrados apontam para uma redução nas vazões médias sazonais em todos os períodos futuros analisados e para os dois RCP’s, tendo a situação mais crítica ocorrido durante o verão, entre 2011 e 2040 (RCP 4.5) e 2071-2099 (RCP 8.5). Além disso, reduções preocupantes também foram verificadas no balanço hídrico da bacia, o que pode implicar em escassez de água para abastecimento, agricultura e geração de energia, relatam os autores, destacando ainda a necessidade de estudos mais aprofundados dos impactos das mudanças climáticas frente aos cenários do AR5 do IPCC.

Bajracharya et al. (2018) avaliaram o impacto das mudanças climáticas sobre o regime hidrológico de uma bacia hidrográfica do Nepal, dominada pela ocorrência de neve. A simulação hidrológica foi conduzida junto ao modelo SWAT e, as projeções climáticas, obtidas para os RCP’s 4.5 e 8.5. Segundo relatam os autores, o efeito sinérgico de aumento da precipitação e da temperatura provoca maior derretimento de neve, implicando diretamente no aumento das vazões e produção de água no exutório da bacia.

Nilawar e Waikar (2019) avaliaram o impacto das mudanças climáticas nas vazões e concentração de sedimentos em uma bacia hidrográfica da China. Os autores empregaram o modelo hidrológico SWAT e três modelos climáticos sob os RCP’s 4.5 e 8.5, obtendo resultados que indicam acréscimo nas vazões médias mensais e na concentração média mensal de sedimentos, sendo mais pronunciado quando analisado o RCP 8.5. Para Nilawar e Waikar (2019) o estudo fornece informações úteis sobre futuros cenários hidrológicos, fomentando a formulação e implementação de estratégias de gestão dos recursos hídricos.