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A Hipótese Inatista afirma que todo ser humano nasce com a capacidade inata para adquirir linguagem. A GU seria, portanto, o produto do código genético humano. Alguns argumentos corroboram com essa afirmativa: o argumento da criatividade linguística e o argumento da pobreza de estímulo. Para além da busca da compreensão do como e do por que o homem adquire linguagem, estes argumentos tentam responder ao que ficou conhecido como o Problema de Platão. Para o filósofo grego, era inquietante a maneira tão rápida e precisa com a qual o ser humano constrói conhecimento, considerando que o nosso contato com o mundo é tão breve e limitado (CHOMSKY, 1980, 1994).

Chomsky (1980, p. 11) concebe que “uma ‘base de conhecimento preexistente’ seria pré-requisito para a aprendizagem. Devemos ter uma capacidade inata para atingir estágios desenvolvidos de conhecimento”. Tal problemática, atrelada à capacidade humana de adquirir linguagem, nos permite questionar como é possível que uma criança aprenda a falar em tão poucos anos de vida, uma vez que “a língua que cada pessoa adquire é uma construção rica e complexa, que não

poderia ser determinada pela evidência fragmentária disponível” (CHOMSKY, 1980, p. 14). Na ótica gerativa,

O problema de Platão chama a atenção para o fato de que a aquisição da linguagem ou de qualquer tipo de conhecimento socialmente compartilhado só é possível para um organismo que seja capaz de aprender (KENEDY, 2016, p. 63).

Assim, pode-se dizer que o ser humano só é capaz de aprender lingua porque é humano e, portanto, um organismo potencialmente dotado para este tipo de conhecimento. Animais de circo, por exemplo, podem aprender muita coisa, mas ainda assim não são capazes de aprender a falar. Isso porque o conhecimento linguístico é inato ao ser humano.

Outra questão defendida por Platão é de que o ser humano constrói conhecimentos através da interação com o meio biossocial ao qual ele pertence. É somente através do contato com outros seres humanos que o aprendizado se torna real. No que tange o conhecimento linguístico, e com base no problema lógico da aquisição da linguagem e no argumento da pobreza de estímulo, tal informação torna-se parcialmente questionável.

Com efeito, durante o período de aprendizagem de uma língua, as crianças são expostas a estímulos, dados linguísticos, que impulsionam a aquisição da linguagem. A esses estímulos, dá-se o nome de input. Entretanto, o input recebido pelas crianças é limitado, tendo em vista que, segundo o problema de Platão, as interações humanas também o são. Portanto, pode-se dizer que, para a composição do input, as crianças têm acesso a uma quantidade finita de dados linguísticos. Por outro lado, as possibilidades de utilização da língua, quer pela produção, quer pela compreensão de frases e discursos, os outputs, são infinitas. Uma vez que o ser humano é provido da criatividade linguística, uma criança é linguisticamente capacitada para produzir, sozinha, uma frase que nunca ouviu antes.

Esse também é o posicionamento de Chomsky (1957, p. 15) ao compreender que a língua é

Um conjunto (finito ou infinito) de frases, todas elas de extensão finita e construídas a partir de um conjunto de elementos. Todas as línguas naturais, quer na sua forma oral quer escrita são línguas neste sentido, uma vez que cada língua natural possui um número finito de fonemas (ou de letras no seu alfabeto) e que cada frase

pode representar-se como uma sequência finita desses fonemas (ou letras), embora o número de frases seja infinito.

Assim, fundamentados nesse argumento, compreendemos que é logicamente impossível obter outputs infinitos a partir de inputs finitos. É preciso ter em mente, portanto, que a relação com o ambiente biossocial é restrita apenas a oferecer o input. O aprendizado linguístico é conduzido pelo aparato inato e não somente pela experiência. A língua é constituída mediante a relação entre a experiência e o que é oferecido de graça pela genética. Logo, podemos dizer que, para adquirir a linguagem, a criança precisa garimpar os dados recebidos com algum tipo de filtro ou organismo que permita a transformação do input finito em um output infinito. Como referência a esse organismo, utiliza-se o termo Faculdade da Linguagem:

É essa faculdade assumida como inata que possibilitará à criança analisar os estímulos da língua do ambiente (a língua-E) de forma a construir uma competência linguística (a língua-I). [...] A competência linguística é, por conseguinte, o resultado do dinâmico processo de integração entre os estímulos da língua ambiente e a faculdade da linguagem radicada no organismo humano (KENEDY, 2016, p. 74- 75). (Grifos nossos).

Em resumo, pode-se dizer que

[A hipótese inatista] prevê um sistema sensorial para a análise preliminar dos dados lingüísticos e um conjunto de esquemas que determina, de modo muito preciso, uma certa classe de gramáticas. Cada gramática é uma teoria de uma determinada língua, especificando propriedades formais e semânticas de um conjunto infinito de sentenças. Estas sentenças, cada uma com uma estrutura particular, constituem a língua gerada pela gramática. As línguas assim geradas são as que podem ser “aprendidas” normalmente. A faculdade de linguagem, dado o estímulo adequado, construirá uma gramática; a pessoa conhece a língua gerada pela gramática construída. Esse conhecimento pode então ser aplicado na compreensão do que é ouvido e na produção do discurso enquanto expressão do pensamento dentro dos limites impostos pelos princípios internalizados (CHOMSKY, 1980, p. 16).

Por fim, em se tratando do termo Gramática Universal, este também é utilizado, de forma genérica, para fazer alusão à própria faculdade da linguagem, posto que “a GU é uma teoria do ‘estado inicial’ da faculdade da linguagem, anterior a qualquer experiência linguística” (CHOMSKY, 1994, p. 23). Neste sentido,

aprofundaremos, na subseção a seguir, como se dá o dinamismo que resulta no conhecimento linguístico, entre os estímulos linguísticos e a faculdade da linguagem.