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3 MUDANÇAS LINGUÍSTICAS: DO FRANCÊS AO PORTUGUÊS BRASILEIRO

3.2 O SUJEITO NULO NO FRANCÊS

Como aponta Chomsky (1981) e outros linguistas (ver, por exemplo, RIBEIRO, 1992; CARNIE, 2006), o francês moderno é uma língua que não admite a omissão do sujeito pronominal, seja ele referencial ou expletivo, caracterizando-se como uma língua [-pro-drop]: “In Modern Standard French, subject pronouns are generally expressed in finite clauses, unless the subject is expressed by a non- pronominal DP or by a pronoun other than a subject pronoun” (ZIMMERMANN, 2014, p. 1):

(11)11 a. *(il) n'a pas pu entrer dans la ville.

b. Et pour cacher son meurtre, *(il) fait brûler le corps du pauvre mort.

Observa-se que a ausência do pronome pessoal “il” em ambas as sentenças apresentadas em (11) as tornaria agramaticais. Contudo, o mesmo não acontece no francês medieval12, subdividido em dois momentos históricos: francês antigo e francês médio13. Em (12a) e (12b), sentenças equivalentes às expostas em (11), do francês moderno, apresentamos exemplos desses dois momentos, respectivamente:

(12) a. __ ne pot intrer en la ciutat

b. Et pour celer son meurdre, __ feit bruler le cors du pauuvre trépassé

Vance (1997, p. 1) diz que

Old French has null subjects only in contexts where the subject would be postverbal if expressed [...], and MiddIe French has null subjects in a wider range of syntactic contexts but does not freely allow all persons of the verb to be null.

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Os exemplos (11) e (12) foram extraídos de (ZIMMERMANN, 2014), sendo (12a) pertencente ao manuscrito Saint-léger e (12b) ao heptaméron.

12 Para esse período da língua francesa, Ribeiro (1992) dá o nome de “francês arcaico”. Porém, nesta

pesquisa, utilizaremos o termo “francês medieval”, mais difundido na literatura gerativista (ver ADAMS, 1987; VANCE, 1997; ROBERTS, 2007).

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Alguns autores divergem quanto à periodização do francês antigo e médio. Vance (1997, p. 1) classifica o francês antigo como tendo existido entre os séculos XII e XIII, enquanto que o francês médio estaria entre os séculos XIV e XV. Contudo, (ZIMMERMANN, 2014, p. 1) afirma que o francês antigo teria durado do século IX ao século XIII e o médio do século XIV ao XVI.

Porém, sejam quais forem as propriedades de licenciamento do sujeito nulo em francês antigo ou médio, está claro de que o francês medieval era uma língua que licenciava a omissão do sujeito pronominal (ver ADAMS, 1987; ROBERTS, 1993, 2007; RIBEIRO, 1992; DUARTE, 1993; VANCE, 1997, dentre outros), sendo, portanto, uma língua de fixação [+pro-drop]. Ribeiro (1992, p. 76) afirma que

Os estudos sobre o sujeito nulo (referencial e expletivo) na história do francês têm sobretudo se caracterizado nas modalidades desse fenômeno em sentenças matriz. É nesse ambiente que ele se manifesta mais freqüentemente e que sua distribuição é mais fácil de ser caracterizada.

Assim, a autora elenca as seguintes propriedades que outorgam a omissão do sujeito pronominal em francês medieval:

O sujeito se omite livremente nas sentenças matriz e mais raramente nas subordinadas. A omissão do sujeito é dominante nas construções matriz com inversão, ou seja, nas sentenças com a ordem CV (complemento / verbo); é rara nas subordinadas, por essas apresentarem predominantemente a ordem SVC (sujeito / verbo / complemento), sem inversão, portanto. [...] Exceções a esses padrões sintáticos ou pertencem a classes bem definidas ou são extremamente raras (RIBEIRO, 1992, p. 63).

Observa-se, então, que o francês medieval apresentava a inversão livre como propriedade para a omissão do sujeito pronominal, em conformidade com as propriedades vinculadas ao PSN, enumeradas por Chomsky (1981), como vimos anteriormente.

Ribeiro (1992, p. 76) apresenta outras características de línguas de sujeito nulo ligadas ao francês medieval. São elas:

(13) a. A flexão verbal é rica, distinguindo as formas verbais em número e pessoa;

b. O pronome sujeito é geralmente enfático;

c. Quando não há necessidade de enfatizar o sujeito, o pronome não é expresso.

Adams (1988 apud RIBEIRO, 1992, p. 76) diz que “a ordem das palavras e o licenciamento de sujeito nulo estão interrelacionados no FA [francês arcaico]:

construções com sujeito nulo se realizam regularmente em contextos V2”, ou seja, o verbo está localizado na segunda posição da oração, “precedido exclusivamente por um único constituinte, que pode ser o sujeito ou outro constituinte qualquer” (PINTO, 2016, p. 206). Os exemplos em (14), ilustram tal fenômeno:

(14)14 a. Grant piece parlerent de ceste chose (Grande quantidade falaram de esta coisa)

b. et a l’endemain s’accorderent a ce qu’il se departiroient

(e a-o dia-seguinte se-acordaram a isto que-eles se partiriam)

Em outras palavras, contextos que apresentam a ordem de constituintes CV (complemento/verbo) são mais propensos à omissão do sujeito pronominal, seja ele referencial ou expletivo. “Em construções não iniciadas por um constituinte C qualquer, FA [francês arcaico] tem sujeito pronominal realizado, não necessariamente enfático” (RIBEIRO, 1992, p. 76):

(15)15 Il regarde l’enfant (Ele olha a criança)

Assim, é possível dizer que, em francês medieval, “sujeito nulo só se realiza em estruturas V2” (RIBEIRO, 1992, p. 76). Esse também é o posicionamento de Vance (1997, p. 2) ao afirmar que “the presence of a V2 grammar and the restriction of null subjects to postverbal position are related in the history of French”.

Desse modo, não há como negar que, de fato, a língua francesa sofreu uma mudança de nível paramétrico, passando de uma língua com fixação [+pro-drop] para uma língua [-pro-drop], como afirma Roberts (2007, p. 33):

In fact, it appears that the value of the null-subject parameter has changed at least once in the history of French. [...] At earlier stages of its history, French was a null-subject language. The value of this parameter seems to have changed in approximately 1600. (Grifos nossos).

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Exemplos extraídos do documento La Queste del Saint Graal, apresentado por Ribeiro (1992, p. 67). As traduções também são da autora.

15

Exemplos extraídos do documento La Queste del Saint Graal, apresentado por Ribeiro (1992, p. 76). As traduções também são da autora.

Roberts (2007) relaciona o ano de 1600, data que os filólogos associam ao fim do francês medieval e início do francês moderno (WARTBURG, 1971, p. 167), como o momento em que a língua francesa perde sua fixação [+pro-drop] pois, por volta desse período, “although null subjects are still permitted at this point, the range of possible contexts is highly restricted, and became still more restricted in the seventeenth century” (ROBERTS, 2007, p. 35). São estas as restrições:

(16)16 a. The subject is 1pl or 2pl;

b. After certain conjunctions, notably et (‘and’) and si (‘thus, so’); c. where the subject is a non-referential.

As sentenças em (17) exemplificam as propriedades que licenciavam o sujeito nulo durante a transição do francês medieval ao moderno:

(17) a. J’ay receu les lettres que __ m’avez envoyees. b. Ili vous respecte et si __i vous servira bien.

c. Rarement __ advient que ces pronoms nominatifs soient obmis.

Como apresentado em (16a) e exemplificado em (17a), no início do século XVII, a omissão do sujeito fica restrita às duas primeiras pessoas do plural, “nous” et “vous”. Segundo Adams (1987, p. 3), a “inflection was rich in OF [Old french] and usually distinguished all six persons”. Porém, o francês moderno “does not allow subjects to be missing and, not unexpectedly, it has a verbal agreement system with few overt endings and subject pronouns which are not emphatic” (VANCE, 1997, p. 1). Tal divergência entre períodos distintos da mesma língua quanto ao elemento de concordância (também chamado AGR, do inglês agreement), que tem a ver com a riqueza do paradigma verbal, indica que a mudança paramétrica do PSN possa ter sofrido influências de uma mudança em AGR:

Num momento em que as três pessoas do singular e a 3ª pessoa do plural perdiam a distinção entre si, o sujeito nulo ocorria mais freqüentemente com nous e vous, que mantinham desinências tônicas distintivas (DUARTE, 1993, p. 123). (Grifos da autora).

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Dessa forma, podemos dizer que o apagamento do sujeito pronominal na primeira e na segunda pessoa do plural só era possível porque, nessas pessoas, as desinências verbais mantinham-se distintas das demais: “-ons” e “-ez”, respectivamente.

Quanto ao exemplo em (17b), nota-se que o pronome vazio faz referência ao pronome “il”, anteriormente expresso, tornando possível a recuperação do sujeito.

Já em (17c), trata-se de um sujeito expletivo nulo, expresso em francês moderno pelo pronome “il”. A esse respeito, Roberts (2007, p. 36) afirma que “in seventeenth-century French, only non-referential null subjects [...] are found, and these become progressively limited to fixed expressions”. Podemos admitir, portanto, que, na transição do francês medieval para o francês moderno, a língua francesa passou por um período de sujeito nulo parcial onde, salvo as restrições descritas em (16), omitia apenas os sujeitos expletivos.

Mudanças semelhantes às sofridas pelo francês estão sendo experimentadas pelo PB no que diz respeito tanto à mudança da fixação paramétrica, quanto às razões que a desencadearam. A subseção 3.3 tratará, portanto, dessas questões.