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Nas hipóteses de MS no STJ envolvendo anistia política, só é possível a inclusão de juros e correção monetária na fase executiva quando houver decisão expressa nesse sentido

No documento Informativo comentado: Informativo 634-STJ (páginas 35-38)

Nos casos de anistia política, em sede de mandado de segurança, só é possível a inclusão de juros de mora e correção monetária na fase executiva quando houver decisão expressa nesse sentido.

STJ. 1ª Seção. ExeMS 18.782-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/09/2018 (Info 634).

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi vítima de perseguição política praticada pelo governo federal durante a época da ditadura militar instalada no Brasil em 1964. Ele era cabo da Aeronáutica e, por ser considerado “subversivo” pelo regime militar, foi expulso das Forças Armadas.

Anistia política e reparação de natureza econômica

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conceder anistia política a pessoas que foram prejudicadas por perseguições decorrentes de motivação política no período de 18/09/1946 até a data de promulgação da Constituição.

Há previsão também de que o anistiado receba uma reparação de natureza econômica, a ser paga pela União, em alguns casos nos quais fique demonstrado que ele sofreu prejuízos em sua atividade laboral.

Voltando ao exemplo:

Em 1998, João requereu a anistia política e seus efeitos.

Em 2004, a anistia foi concedida pela Portaria 84/2004 do Ministério da Justiça.

Desde então, o anistiado recebe reparação econômica mensal, permanente e continuada, de R$ 3.000,00. Ocorre que o Governo ainda não lhe pagou os valores atrasados relativos ao período que vai de 1998 a 2004, o que totaliza cerca de R$ 200.000,00.

Três meses depois, João impetrou mandado de segurança contra o Ministro da Defesa afirmando que já se passou o prazo de 60 dias previsto na Lei sem que ele tenha recebido a quantia atrasada. Diante disso, pugna pelo cumprimento integral da portaria e, consequentemente, o pagamento dos valores pretéritos.

Cabe mandado de segurança neste caso? SIM.

Configurado o direito líquido e certo do anistiado, ele poderá impetrar mandado de segurança, considerando que o pedido e a causa de pedir desta ação é o cumprimento integral da Portaria, que consiste em uma obrigação de fazer.

É claro que o cumprimento efetivo da Portaria irá provocar efeitos patrimoniais em favor do autor, mas o pedido do MS é que ele seja reconhecido de forma efetiva como anistiado político. O pagamento dos valores é mera consequência disso. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. RMS 26.899/DF, Min. Rel. Cármen Lúcia, DJe de 6/8/10.

Diferentemente de uma ação de cobrança que é proposta para o pagamento de valores atrasados, no caso em tela temos um mandado de segurança impetrado para que seja cumprida norma editada pela própria Administração (Portaria do Ministro da Justiça).

Logo, não incide, no caso, a proibição contida nas súmulas 269 e 271 do STF:

Súmula 271-STF: Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais, em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria. Súmula 269-STF: O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.

Segurança foi concedida

O STJ julgou procedente o mandado de segurança impetrado por João. O dispositivo do acórdão ficou assim redigido:

“Ante o exposto, concede-se a segurança, para determinar à Autoridade Impetrada o cumprimento integral da Portaria 2.173, de 9 de dezembro de 2003, do Ministro de Estado da Justiça, que concedeu a condição de anistiado político ao autor, devendo haver, portanto, o pagamento dos efeitos retroativos advindos desse reconhecimento, nos termos da Lei nº 10.559/2002.”

Fase executiva do MS

João ingressou, então, com cumprimento de sentença pedindo o pagamento dos valores reconhecidos no MS. Até aí, tudo bem. Sem qualquer polêmica. O “problema” foi que João pediu o pagamento não apenas da dívida principal, mas também dos juros de mora e correção monetária.

A União impugnou o cumprimento de sentença alegando que o acordão (título executivo judicial) não previu o pagamento de juros de mora e correção monetária. Logo, não é possível a sua cobrança agora na fase executiva.

O autor (exequente) refutou a impugnação da União argumentando o seguinte: os juros e correção monetária são pedidos implícitos.

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O que decidiu o STJ? Deve haver o pagamento dos juros e correção monetária nesta fase executiva? NÃO.

Três cenários possíveis

Nos casos de execução (cumprimento de sentença) de decisão que concedeu a segurança em pedidos de anistia é possível vislumbrar três situações:

1) a decisão judicial (título exequendo) expressamente determina a incidência de juros e correção monetária sobre o valor nominal da portaria de anistia: nessa hipótese, revela-se legítima a inclusão de juros e correção monetária no montante executado.

Só se pode afastar o pagamento dos juros e correção monetária se a União conseguir desconstituir esse título executivo por meio de ação rescisória.

2) a decisão judicial (título exequendo) expressamente afasta a incidência de juros e correção monetária: essa hipótese é óbvia. Será ilegítima a inclusão de juros e correção monetária no montante executado. Isso porque a execução não pode extrapolar os limites do título exequendo, sob pena de afronta à coisa julgada.

3) a despeito de pedido expresso do impetrante, o título exequendo ficou omisso sobre a incidência de juros e correção monetária: nessa hipótese, também não será possível a inclusão de juros e correção monetária na fase executiva.

Pedido implícito não é igual à condenação implícita

Realmente, os juros de mora e a correção monetárias são considerados como pedidos implícitos. Isso está previsto no art. 491 do CPC/2015:

Art. 491. Na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, salvo quando:

I - não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido;

II - a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença.

Em suma, o pedido implícito compõe o mérito da questão controvertida, razão pela qual cabe à decisão defini-lo, independentemente de constar expressamente da postulação.

Contudo, não se pode confundir pedido implícito com condenação implícita. Com base na doutrina de Araken de Assis, Fredie Didier menciona que: “não se permite a condenação implícita: o magistrado deve examinar expressamente o pedido implícito” (Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19ª ed., Salvador: JusPodivm, 2017. p. 666). Exemplificando: é certo que os honorários de advogado constituem pedido implícito, por força do art. 322, § 1º, do CPC/2015. Assim, podem ser fixados na decisão, independentemente de pedido expresso. Entretanto, permanecendo omissa a decisão (ainda que os honorários tenham sido objeto da postulação) e ocorrendo o trânsito em julgado, não é possível a inclusão dessa verba na fase executiva, havendo a necessidade de ajuizamento de ação autônoma para fins de definição e cobrança dos honorários (art. 85, § 18, do CPC/2015).

Cumpre esclarecer que sobre o ponto omisso na decisão transitada em julgado, no que concerne ao pedido, não se opera a preclusão ou eficácia preclusiva. Assim, é possível que a postulação ocorra em nova demanda.

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Em suma:

Nos casos de anistia política, em sede de mandado de segurança, só é possível a inclusão de juros de mora e correção monetária na fase executiva quando houver decisão expressa nesse sentido.

STJ. 1ª Seção. ExeMS 18.782-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12/09/2018 (Info 634).

Decisão do STF

Cerca de um mês antes deste julgado do STJ, o STF havia decidido em sentido aparentemente oposto. Veja: (...) 2. Havendo condenação da instância inferior ao pagamento de juros de mora e correção monetária, uma vez mantido o acórdão recorrido, também está reconhecido o direito ao percebimento de tais valores, ainda que a respeito do tema não se tenha pronunciado expressamente o STF.

3. Os juros de mora e a correção monetária constituem consectários legais da condenação, de modo que incidem independentemente de expresso pronunciamento judicial.

4. Embargos de declaração acolhidos apenas para esclarecer que os valores retroativos previstos nas portarias de anistia deverão ser acrescidos de juros moratórios e de correção monetária.

STF. Plenário. RE 553710 ED, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 01/08/2018.

O STJ, no entanto, disse que esse julgado do STF não estava em sentido contrário ao seu, considerando que o Supremo teria analisado a questão sob o ponto de vista da fase cognitiva e o STJ na fase de execução: “Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar os Embargos de Declaração no RE 553.710/DF, em 1º de agosto de 2018, estabeleceu que “os valores retroativos previstos nas portarias de anistia deverão ser acrescidos de juros moratórios e de correção monetária”. Contudo, essa decisão refere-se a feito julgado na fase de conhecimento (recurso ordinário interposto em face de acórdão deste Tribunal proferido em sede de mandado de segurança), cujos efeitos não podem ser ampliados aos feitos que já se encontram na fase executiva, sob pena de manifesta afronta à coisa julgada.”

No documento Informativo comentado: Informativo 634-STJ (páginas 35-38)