• Nenhum resultado encontrado

Hipercortisolismo e Síndrome de Cushing

O hipercortisolismo, tipicamente manifestado como síndrome

de Cushing, é provocado por qualquer condição que produza

elevação dos níveis de glicocorticoides. Na prática clínica, a imensa maioria dos casos de síndrome de Cushing é o resultado da administração de glicocorticoides exógenos (iatrogênica). Os casos restantes são endógenos, e os três distúrbios etiológicos mais comuns são (Fig.€19-35):

‡ 'RHQoDVKLSRWiODPRKLSRILViULDVSULPiULDVDVVRFLDGDVj

hipersecreção de ACTH

‡ $VHFUHomRGH$&7+HFWySLFRSRUQHRSODVLDVQmRKLSRILViULDV ‡ 1HRSODVLDVDGUHQRFRUWLFDLVSULPiULDV DGHQRPDRXFDUFLQR-

ma) e, raramente, hiperplasia cortical primária

A doença hipotalâmico-hipofisária primária associada à hiperse- creção de ACTH, também conhecida como doença de Cushing, é responsável por, aproximadamente, 70% dos casos de síndrome de Cushing espontânea, endógena. A prevalência desse distúrbio é cerca de quatro vezes mais elevada entre as mulheres do que entre os homens, e ela ocorre mais frequentemente durante o início da vida adulta (na casa dos 20-30 anos). Na imensa maioria dos casos, a glândula hipófise contém um microadenoma produtor

de ACTH que não produz efeitos de massa no cérebro; alguns tumores corticotróficos são qualificados como macroadenomas (maiores do que 10€mm transversalmente). Nos pacientes res- tantes, a hipófise anterior contém áreas de hiperplasia das células

corticotróficas sem adenoma nítido. A hiperplasia das células corti- cotróficas pode ser primária ou, muito menos comumente, secun- dária à liberação excessiva de ACTH por um tumor hipotalâmico produtor de hormônio de liberação da corticotrofina (CRH). As glândulas suprarrenais nos pacientes com doença de Cushing se caracterizam pelo grau variável de hiperplasia cortical nodular bilateral (posteriormente discutida), secundária a níveis elevados de ACTH (síndrome de Cushing “ACTH-dependente”). A hiper- plasia cortical é, por sua vez, responsável pelo hipercortisolismo. A secreção de ACTH ectópico por tumores não hipofisários é responsável por cerca de 10% dos casos de síndrome de Cushing.

753 Hiperfunção adrenocortical (hiperadrenalismo)

Em muitos casos, o tumor responsável é um carcinoma pulmo-

nar de pequenas células, embora outras neoplasias, incluindo os

carcinoides, os carcinomas medulares da tireoide e os PanNETs, tenham sido associadas a essa síndrome. Além dos tumores que elaboram ACTH ectópico, uma neoplasia neuroendócrina ocasional produz CRH ectópico que, por sua vez, provoca a secreção de ACTH e hipercortisolismo. Como na variante hi- pofisária, as glândulas suprarrenais sofrem hiperplasia cortical bilateral secundária à elevação do ACTH, mas o curso de rápida deterioração dos pacientes com esses cânceres frequentemente abrevia o aumento suprarrenal.

Os adenomas suprarrenais primários, como o adenoma e o car- cinoma suprarrenais, e, raramente, a hiperplasia cortical primária, são responsáveis por cerca de 15-20% dos casos de síndrome de Cushing endógena. Essa forma de síndrome de Cushing tam- bém é denominada síndrome de Cushing independente de ACTH ou síndrome de Cushing suprarrenal porque as suprarrenais funcionam autonomamente. A característica bioquímica da síndrome de Cushing suprarrenal são os níveis elevados de cortisol com baixos níveis séricos de ACTH. Na maioria dos casos, a síndrome de Cushing suprarrenal é provocada por uma neoplasia adrenocortical unilateral, que pode ser benigna (adenoma) ou maligna (carcinoma). A imensa maioria das su- prarrenais hiperplásicas é ACTH-dependente, e a hiperplasia cortical primária dos córtices suprarrenais é causa rara de sín- drome de Cushing. Existem duas variantes dessa entidade; a primeira se apresenta como macronódulos de tamanho variável (3€cm ou mais de diâmetro) e a segunda como micronódulos (1-3€mm).

Figura 19-35 Representação esquemática das diversas formas de síndrome de Cushing: as três formas endógenas, assim como a forma exógena mais comum (iatrogênica). ACTH, hormônio adrenocorticotrófico.

MORFOLOGIA

As principais lesões da síndrome de Cushing são encontradas na hipófise e nas glândulas suprarrenais. A hipófise, na síndro- me de Cushing, exibe alterações que variam com as diferentes causas. A alteração mais comum, resultante dos elevados níveis de glicocorticoides endógenos ou exógenos, é denominada

alteração hialina de Crooke. Nessa condição, o citoplasma

granular, basofílico normal das células produtoras de ACTH na hipófise anterior, é substituído por material homogêneo, levemente basofílico. Essa alteração é o resultado do acúmulo de filamentos queratínicos intermediários no citoplasma.

As alterações morfológicas nas glândulas suprarrenais também dependem da causa do hipercortisolismo e incluem: (1) atrofia cortical, (2) hiperplasia difusa, (3) hiperplasia ma- cronodular ou micronodular ou (4) adenoma ou carcinoma.

Nos pacientes nos quais a síndrome resulta de glicocorti- coides exógenos, a supressão do ACTH endógeno resulta em atrofia cortical bilateral, devida à ausência de estímulo da zona fasciculada e da zona reticular pelo ACTH. A zona glomerulosa é de espessura normal nesses casos porque essa porção do córtex funciona independentemente do ACTH. Nos casos de hipercortisolismo endógeno, ao contrário, as adrenais são hiperplásicas ou contêm neoplasia cortical. A

hiperplasia difusa é encontrada em pacientes com síndro-

me de Cushing dependente de ACTH (Fig. 19-36). Ambas as glândulas estão aumentadas, sutil ou acentuadamente, cada

Características Clínicas

Os sinais e sintomas da síndrome de Cushing representam um exagero das ações conhecidas dos glicocorticoides. A síndrome de Cushing geralmente se desenvolve gradualmente e, assim como muitas outras anomalias endócrinas, pode ser bastante sutil nos estágios iniciais. Uma importante exceção a esse início insidioso é a síndrome de Cushing associada aos carcinomas de pequenas células do pulmão, quando o curso rápido da doença subjacente impossibilita o desenvolvimento de muitos dos traços característicos. As manifestações iniciais da síndrome de Cushing incluem hipertensão e ganho ponderal. Com o tempo, a distribuição centrípeta mais característica do tecido adiposo se Figura 19-36 Hiperplasia difusa da suprarrenal (embaixo) em contraste

com glândula suprarrenal normal (em cima). Na secção transversal, o córtex suprarrenal é amarelo e espessado, e nodularidade sutil é evidente. A glândula anormal era de um paciente com síndrome de Cushing dependente de ACTH, no qual as duas suprarrenais se apresentavam difusamente hiper- plásicas. ACTH, hormônio adrenocorticotrófico.

Figura 19-37 Adenoma adrenocortical. A, O adenoma é diferenciado da hiperplasia nodular pela sua natureza solitária e circunscrita. A condição funcional do adenoma adrenocortical não pode ser prognosticada a partir do seu aspecto macro ou microscópico. B, Características histológicas de um adenoma cortical suprarrenal. As células neoplásicas são vacuoladas devido à presença de lipídeos intracitoplasmáticos. Existe leve pleomorfismo nuclear. Atividade mitótica e necrose não são observadas.

uma pesando até 30 g. O córtex suprarrenal está difusamente espessado e variavelmente nodular, embora este último não seja tão pronunciado como nos casos de hiperplasia nodular independente de ACTH. A cor amarela das glândulas difusa- mente hiperplásicas deriva da presença de células ricas em

lipídios, que parecem vacuoladas à microscopia. Na hiper-

plasia cortical primária, o córtex é quase inteiramente subs- tituído por macro ou micronódulos, sendo estes últimos compostos por nódulos de pigmentação escura de 1-3 mm. O pigmento supõe-se ser lipofuscina, um pigmento de desgaste (Capítulo 1).

Os adenomas ou carcinomas funcionais do córtex suprarrenal como fonte de cortisol não são morfologicamente distintos das neoplasias adrenais não funcionantes (descritas adiante). Tanto as lesões benignas quanto as malignas são mais comuns em mulheres entre os 30-50 anos. Os adenomas adrenocorticais são tumores amarelos circundados por cáp- sulas finas ou bem desenvolvidas, e a maioria pesa menos de 30 g (Fig. 19-37, A). Ao exame microscópico, elas são compos- tas por células semelhantes àquelas encontradas na zona fas- ciculada normal (Fig. 19-37, B). Os carcinomas associados à síndrome de Cushing, ao contrário, tendem a ser maiores do que os adenomas. Esses tumores são massas não encapsuladas que frequentemente excedem 200-300 g de peso, possuindo todas as características anaplásicas do câncer, conforme detalhado adiante. Nos tumores funcionais, tanto os benignos quanto os malignos, o córtex suprarrenal adjacente e o da glândula suprarrenal contralateral estão atróficos, como resultado da supressão do ACTH endógeno pelos altos níveis de cortisol.

755 Hiperfunção adrenocortical (hiperadrenalismo)

torna aparente, com a resultante obesidade do tronco, “fácies de lua cheia” e acúmulo de gordura na porção posterior do pescoço e costas (“corcova de búfalo”; Fig.€19-38). O hipercortisolismo provoca atrofia seletiva das fibras musculares de contração rápida (tipo II), com a resultante redução da massa muscular e fraqueza muscular proximal. Os glicocorticoides induzem gliconeogênese e inibem a captação da glicose pelas células, com resultantes hiperglicemia, glicosúria e polidipsia, simulando o diabetes melito. Os efeitos catabólicos sobre as proteínas pro- vocam a perda de colágeno e a reabsorção de osso. Desse modo, a pele se torna fina, frágil, ferindo-se com facilidade; as estrias

cutâneas são particularmente comuns na área abdominal. A

reabsorção óssea resulta no desenvolvimento de osteoporose, com o consequente aumento da suscetibilidade às fraturas. Uma vez que os glicocorticoides suprimem a resposta imune, os pacientes com síndrome de Cushing também apresentam risco aumentado para uma variedade de infecções. Manifestações adicionais in- cluem hirsutismo e anomalias menstruais, assim como uma série de distúrbios mentais, incluindo alterações de humor, depressão e psicose franca. A síndrome de Cushing extrassuprarrenal provocada pela secreção de ACTH pela hipófise ou ectópica geralmente está associada a aumento da pigmentação cutânea secundária à atividade estimulante dos melanócitos da molécula precursora do ACTH.

Hiperaldosteronismo

Hiperaldosteronismo é o termo genérico para um grupo de con- dições intimamente relacionadas caracterizadas pelo excesso crônico de secreção de aldosterona. O hiperaldosteronismo pode ser primário ou secundário a uma causa extrassuprarrenal. No

hiperaldosteronismo secundário, a liberação de aldosterona ocorre

em resposta à ativação do sistema renina angiotensina. Essa condição se caracteriza por níveis plasmáticos aumentados de renina e é encontrada em associação com:

‡ 5HGXomRGDSHUIXVmRUHQDO QHIURHVFOHURVHDUWHULRODUHVWHQRVH

da artéria renal)

‡ +LSRYROHPLDDUWHULDOHHGHPD LQVXILFLrQFLDFDUGtDFDFRQJHV-

tiva, cirrose, síndrome nefrótica)

‡ *UDYLGH] SURYRFDGDSHORVDXPHQWRVLQGX]LGRVSHORHV-

trogênio do substrato plasmático da renina)

O hiperaldosteronismo primário, em contraposição, indica hiper- produção primária autônoma de aldosterona, com a resultante supressão do sistema renina-angiotensina e redução da atividade

da renina plasmática. As potenciais causas de hiperaldosteronis- mo primário são:

‡Hiperaldosteronismo idiopático bilateral, caracterizado por hiper-

plasia nodular bilateral das glândulas suprarrenais. Esse mecanismo é a causa subjacente mais comum do hiperaldos- teronismo primário, sendo responsável por cerca de 60% dos casos. A patogenia não está clara.

‡Neoplasia adrenocortical ou adenoma produtor de aldosterona

(a causa mais comum), ou, raramente, carcinoma adrenocorti- cal. Em aproximadamente 35% dos casos, o hiperaldosteronis- mo primário é provocado por adenoma solitário secretor de aldosterona, uma condição conhecida como síndrome de Conn.

‡ 5DUDPHQWHRKLSHUDOGRVWHURQLVPRIDPLOLDOSRGHUHVXOWDUGH

um defeito genético que leva a hiperatividade do gene aldos-

terona sintase, CYP11B2.

Figura 19-38 Paciente com síndrome de Cushing. As características típicas incluem obesidade central, “fácies de lua cheia” e estrias abdominais.

(Reproduzida com permissão de Lloyd RV et al: Atlas of Nontumor Pathology: Endocrine Diseases. Washington, DC, American Registry of Pathology, 2002.)

RESUMO

Hipercortisolismo (Síndrome de Cushing)

฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀

exógena de esteroides.

฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ -

dário a um microadenoma hipofisário produtor de ACTH

(doença de Cushing), seguido pelas neoplasias suprarrenais primárias (hipercortisolismo independente de ACTH) e a produção de ACTH por tumores (p. ex., câncer pulmonar de pequenas células).

฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀

atrofia cortical bilateral (na doença exógena induzida pelos esteroides), hiperplasia difusa ou nodular bilateral (achado mais comum na síndrome de Cushing endógena) ou neo- plasia adrenocortical.

MORFOLOGIA

Os adenomas produtores de aldosterona são quase

sempre lesões solitárias, pequenas (menores do que 2 cm de diâmetro), bem circunscritas. Eles são amarelo-brilhantes na superfície de corte e, surpreendentemente, compostos por células corticais carregadas de lipídios, que mais se asseme- lham às células da fasciculada do que às da glomerulosa (a fonte normal de aldosterona). Em geral, as células tendem a ser de tamanho e formato uniformes; ocasionalmente, existe algum pleomorfismo nuclear a celular. Um traço característico dos adenomas produtores de aldosterona é a presença de inclusões citoplasmáticas laminadas, conhecidas como corpos

Características Clínicas

A característica clínica do hiperaldosteronismo é a hipertensão. Com taxa de prevalência estimada em 5-10% entre pacientes não selecionados, o hiperaldosteronismo primário pode constituir a causa mais comum de hipertensão secundária (isto é, hiperten- são secundária a uma causa identificável). Os efeitos de longo prazo da hipertensão induzida pelo hiperaldosteronismo são o comprometimento cardiovascular (p. ex., hipertrofia ven- tricular esquerda e redução dos volumes diastólicos) e aumento na prevalência de eventos adversos como, por exemplo, os acidentes vasculares encefálicos e o infarto do miocárdio. A hi-

pocalemia resulta da perda renal de potássio e, quando presente, pode provocar uma variedade de manifestações neuromus- culares, incluindo fraqueza, parestesias, distúrbios visuais e, ocasionalmente, tetania franca. No hiperaldosteronismo primário, o tratamento varia de acordo com a causa. Os ade- nomas são passíveis de excisão cirúrgica. Em contrapartida, a intervenção cirúrgica não é muito benéfica em pacientes com hiperaldosteronismo primário devido à hiperplasia bilateral, que frequentemente ocorre em crianças e adultos jovens. Esses pacientes são mais bem tratados clinicamente com um antago-

nista da aldosterona como, por exemplo, a espironolactona. O

tratamento do hiperaldosteronismo secundário se baseia na correção da causa subjacente da hiperestimulação do sistema renina-angiotensina.