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PATOLOGIA TIROIDEIA NO IDOSO

3. HIPERTIROIDISMO CLÍNICO

O hipertiroidismo/tireotoxicose é definido como uma síndrome clínica que resulta de alterações fisiológicas, bioquímicas e clínicas motivadas pela exposição dos tecidos a concentrações elevadas de hormonas tiroideias.(48) O hipertiroidismo clínico é definido analiticamente pela elevação dos níveis de T4l ou T3 (total ou livre), com frenação da TSH.

42 3.1. Epidemiologia

Embora o pico de incidência seja a 2ª e 3ª década de vida (3), a prevalência do hipertiroidismo tem vindo a aumentar no idoso (1), com uma frequência que varia de 0.7 a 2% em doentes com mais de 60 anos. (24)

3.2. Etiologia

Qualquer etiologia conhecida para o hipertiroidismo no adulto jovem pode igualmente ser observada no idoso, no entanto com diferentes frequências. (1) A doença de Graves é a causa mais comum de hipertiroidismo em jovens e em zonas com ingestão diária elevada de iodo, como é o caso dos Estados Unidos da América, enquanto que o bócio multinodular tóxico é a causa mais frequente de hipertiroidismo espontâneo no idoso e em zonas com baixa ingestão diária de iodo. (1,24) A tiroidite subaguda pode ocorrer em idades mais avançadas. Já o adenoma tóxico simples é uma causa relativamente rara. (24) A tirotoxicose também pode surgir depois do tratamento excessivo de reposição com L-tiroxina, pelo excesso de iodo proveniente dos agentes de contraste iodados usados nos testes imagiológicos ou pelo uso de determinados fármacos como a amiodarona. (1) Esta tireotoxicose induzida pelo iodo é conhecida como doença de Jod-Basedow e tem uma incidência elevada no idoso. (3)

A amiodarona, um antiarrítmico de classe III, é usada em pessoas com fibrilhação auricular, arritmias ventriculares, ou insuficiência cardíaca congestiva. Por ser frequentemente prescrita a doentes com idade mais avançada, devemos suspeitar da sua interferência com o HHT quando o doente apresenta variação dos valores da TSH nos exames laboratoriais. (55)

3.3. Clínica

À semelhança do que acontece com o hipotiroidismo, o diagnóstico clínico e a terapêutica iniciam-se frequentemente numa fase mais avançada da doença porque existe

43 pouca especificidade dos sinais e sintomas típicos desta patologia nesta faixa etária, para além de que são frequentemente confundidos com manifestações típicas da idade. Um estudo retrospetivo mostrou que muitos médicos não conseguem diagnosticar o hipertiroidismo mesmo quando estão presentes sinais e sintomas característicos, sendo confundidos muitas vezes com a clínica de outras patologias ou até com o próprio envelhecimento. O hipertiroidismo não diagnosticado pode variar entre 0.5 e 1.5%. (2)

Os sintomas adrenérgicos, típicos da tireotoxicose, podem também ser mascarados pela polimedicação que o doente faz, como por exemplo os bloqueadores β adrenérgicos, geralmente usados em doentes com idade mais avançada para o tratamento de doenças cardiovasculares. (24) O sistema cardiovascular apresenta maior sensibilidade à ação das hormonas da tiroide e por isso os sintomas cardiopulmonares estão frequentemente presentes: taquicardia (ou fibrilhação auricular), dispneia e edema. A fibrilhação auricular é vista em cerca de 20% dos doentes com hipertiroidismo. (3) Por vezes, estes doentes apresentam angina de peito e disfunção cardíaca e por isso alguns autores recomendam o doseamento da TSH e T4l em doentes com arritmia. (10) Sintomas gastrointestinais como a diarreia, obstipação e vómitos persistentes ou sintomas neurológicos como a depressão, disfunção cognitiva ou demência podem ser manifestações atípicas de hipertiroidismo no idoso. (24)

A tireotoxicose apática, uma condição pouco comum mas característica da população idosa, é diagnosticada quando descrevemos um doente idoso sem sinais clínicos, mas que refere fraqueza e astenia. (56) A hipercinética habitual é substituída por apatia e desinteresse. Manifestações cardíacas podem surgir como apresentação inicial desta patologia. É uma situação que pode ser induzida por fármacos, mais frequentemente com o uso de amiodarona ou iodo. Um elevado índice de suspeição deve estar presente quando um doente idoso apresenta um quadro de emagrecimento, letargia, demência ou coma. (57) Esta apresentação

44 clínica não está associada aos sinais e sintomas clássicos do hipertiroidismo, o que torna o seu diagnóstico mais difícil. (3)

Particularmente nesta faixa etária, o diagnóstico de tireotoxicose deve ser considerado na presença de hipercalcémia ou agravamento da osteoporose (24), frequente em mulheres com idade mais avançada. A retração palpebral, caracterizado por um olhar fixo com olhos arregalados, pode ocorrer em qualquer forma de tireotoxicose e representa o resultado da hiperatividade sináptica. (12) Esta pode ser uma manifestação da oftalmopatia de Graves e pode ocorrer durante o ano anterior ou após fazer o diagnóstico de tireotoxicose em 75% das pessoas. (12)

A insulino-resistência induzida pelo hipertiroidismo pode levar a alterações no metabolismo dos lípidos e da glucose: aumento das taxas de produção de glucose endógena produzida pelo fígado, diminuição da utilização de glucose pelo músculo e pelo tecido adiposo estimulada pela insulina e aumento da lipólise no tecido adiposo. (24) Este fenómeno pode levar a um aumento da glicemia e dos triglicerídeos.

Outra apresentação atípica é a encefalopatia tireotoxica presente em alguns doentes idosos, com agitação e confusão.

Muitos dos doentes apresentam anorexia e perda de peso, o que pode facilmente levar à suspeita errada de uma patologia maligna. (3)

3.4. Diagnóstico

Todos os doentes com história suspeita ou conhecida de tireotoxicose devem ser sujeitos a um exame físico e anamnese rigorosos, com destaque para frequência cardíaca, pressão arterial, frequência respiratória e peso corporal, uma vez que a taquicardia sinusal e a hipertensão arterial sistólica são comuns (14). Ao exame físico da tiroide deve-se avaliar o tamanho, consistência, simetria e presença ou ausência de nódulos. Para além de uma maior

45 atenção sobre a função cardíaca, pulmonar e neuromuscular, também a presença de edemas periféricos, alterações oftálmicas e mixedema prétibial devem ser pesquisados (28) É importante saber quando é que os sintomas tiveram início, que medicação faz, se houve exposição prévia ao iodo (realização de exames com contraste iodado ou de composto com elevado teor de iodo) e se há história familiar de doença autoimune da tiroide (14), de modo a estabelecer a sua etiopatogenia e excluir possíveis causas iatrogénicas que justifiquem esta variação dos valores da TSH. O exame físico não é tão útil nesta faixa etária devido às alterações anatómicas e fisiológicas já referidas. A glândula da tiroide pode mesmo não ser palpável na maioria dos doentes. Quando palpável, um aumento difuso do seu tamanho pode sugerir doença de Graves enquanto que uma glândula multinodular sugere bócio multinodular tóxico. O exame clínico e a monitorização devem ser feitos, de preferência, pelo mesmo médico para um seguimento mais fidedigno. (2)

A confirmação do diagnóstico deve ser laboratorial, com base na determinação dos valores da TSH e das HTs (T4l e T3 total ou livre). A determinação por metodologia ultrassensível (sensibilidade funcional <0.002µUI/L) é o método mais sensível para o diagnóstico da tireotoxicose (sensibilidade de 97% e especificidade de 93%) e por isso deve ser o primeiro exame a ser feito. (34,35) Sempre que possível, deve ser pedida a fração livre da tiroxina (T4l), uma vez que podem existir alterações nas proteínas transportadoras das HTs (secundário ao uso de alguns fármacos ou outras condições clínicas) que podem alterar a concentração total da T4 ou T3. (14) Se os níveis de T4l são normais com um valor da TSH suprimido, o nível de T3 deve ser quantificado para excluir a hipótese de intoxicação por T3. (14) ou a presença de doença nodular tóxica onde existe elevação apenas de T3 com níveis de T4 normais. (10)

Quanto à imagiologia, contrariamente ao que se observa em doentes mais jovens, os exames de medicina nuclear que usam iodo radioativo ou tecnécio são menos úteis. A

46 ecografia da tiroide não está indicada para a avaliação inicial do hipertiroidismo, estando reservada apenas para casos de nódulos da tiroide detetados durante a palpação. Já a fluxometria com doppler pode ser usada para o diagnóstico diferencial dos subtipos de tireotoxicose induzida por amiodarona. (14)

3.5. Tratamento

Devido ao risco aumentado de doença arterial coronária, fibrilhação auricular e mortalidade associada, o tratamento em doentes com idade superior a 65 anos deve ser considerado. A opção por uma terapêutica específica vai depender da etiologia e de fatores inerentes ao doente.(10) Nos casos mais graves, o tratamento rápido e definitivo torna-se deveras importante. As opções terapêuticas incluem o tratamento médico com antitiroideus de síntese (ATS) ou 131I, deixando a terapêutica cirúrgica para situações específicas.

Na Europa, no caso de doença de Graves, a primeira opção recai inicialmente pelos ATS, uma vez que existe uma probabilidade de remissão de 40-50% ao fim de 12-18 meses de tratamento. Na doença nodular tóxica o tratamento de primeira linha consiste mais frequentemente no 131I, face à necessidade de uma metodologia com efeitos definitivos, sendo a cirurgia ou o tratamento prolongado com ATS opções válidas que devem ser ponderadas caso a caso. (58)

Os ATS frequentemente usados são o propiltiouracilo e o metimazol. Todos inibem a função da TPO, reduzindo a oxidação e a organificação do iodo. (12) Estes medicamentos podem causar febre, rash e artralgia em 1 a 5% dos doentes, os quais podem desaparecer espontaneamente ou após substituição por outro ATS. (12) No entanto, é a agranulocitose o efeito colateral dose-dependente mais temido dos ATS. Os doentes devem ser informados sobre os sinais e sintomas que indiciem o seu aparecimento (por exemplo dor de garganta, febre, úlceras na mucosa oral) para que, caso seja necessário, interrompam de imediato o

47 tratamento enquanto esperam pela confirmação feita pelo hemograma. (12) Também pode ocorrer alteração da função hepática com o uso de propiltiouracilo, geralmente observada nos primeiros 3 meses após o início do tratamento. (3) A preferência será sempre pelo metimazol devido à maior hepatotoxicidade do propiltiouracilo. (10) Antes de iniciaram a terapêutica com ATS, exames como o hemograma completo e o perfil hepático devem ser pedidos. (58) O tratamento com 131Ié preferível ao tratamento prolongado com ATS na maioria dos casos de doença de Graves e bócio nodular tóxico na população idosa, permitindo um tratamento definitivo com poucos riscos e efeitos secundários. (10) Além dessas indicações, o tratamento com 131Iestá indicado para os doentes com contraindicação para o uso de ATS e/ou cirurgia, ou com recidiva do hipertiroidismo após tratamento com ATS. (14) Este requer um seguimento clínico e laboratorial, uma vez que os doentes podem vir a desenvolver hipotiroidismo e necessitar de terapêutica com reposição hormonal. (15) A resposta deve ser avaliada através da observação de sinais e sintomas de tireotoxicose e também através da monitorização regular da função tiroideia com a quantificação dos valores de T4 e T3. Se os sinais de hipertiroidismo permanecerem deve-se continuar a monitorização em intervalos de quatro a seis semanas e, se mesmo assim persistirem seis meses após o início do tratamento, a administração de nova dose de 131I deve ser considerada. (14) O hipotiroidismo que surge

após o tratamento com 131I pode não ser apenas uma consequência da ação da radiação sobre a glândula, pode resultar também de história de doença autoimune. A probabilidade de progressão para hipotiroidismo aumenta na presença de bócio volumoso, com hipoecogenicidade, presença de anticorpos anti-TPO e quando doses maiores de 131I são utilizadas. (14)

Uma pequena dose de ATS pode ser utilizada antes do tratamento com 131I para esgotar as hormonas tiroideias armazenadas na tiroide e assim reduzir o risco de hipertiroidismo por tratamento excessivo – crise tireotoxica. (24) A maioria dos centros

48 hospitalares prefere interromper o tratamento com antitiroideus 3 a 5 dias antes da terapêutica ablativa com iodo e recomeçar 3 a 5 dias depois. (3) O tratamento com 131I pode ser realizado com doses mais baixas para evitar a evolução para hipotiroidismo, no entanto essa abordagem resulta numa maior taxa de falência do tratamento. (7)

O uso de bloqueadores beta adrenérgicos é recomendado em doentes sintomáticos para reduzir o risco de arritmia e sintomatologia neuromuscular. (24) Estes medicamentos diminuem a frequência cardíaca, a pressão arterial e os tremores. O propanolol, bloqueador beta adrenérgico não seletivo, é o mais utilizado, com melhoria dos movimentos hipercinéticos, tremor fino das extremidades e mãos húmidas. A dose oral recomendada pode variar de 20 a 80 mg, a cada 6 a 12 horas ou de 50 mg a 100 mg numa dose única diária. Esta dose deve ser ajustada de acordo com a progressão da sintomatologia. (14) O seu uso está contraindicado em doentes com asma, insuficiência cardíaca, doença de Raynaud, claudicação intermitente e em associação com medicamentos hipoglicemiantes. (3) Nestes casos, os bloqueadores de canais de cálcio, verapamil e diltiazem, podem ser uma alternativa aos bloqueadores beta.

Se o doente apresentar fibrilhação auricular, esta pode reverter espontaneamente. Um estudo prospetivo mostrou uma melhoria significativa dos sintomas cardiovasculares em doentes submetidos ao tratamento do hipertiroidismo. (59) A anticoagulação de rotina está recomendada nestes doentes.

Em relação à oftalmopatia de Graves, o tratamento com 131I poderá agravar o quadro clínico e por isso não está recomendado nestes doentes. É importante identificar os doentes com risco de progressão para oftalmopatia de Graves (fumadores e doentes com valores de T3l e anticorpos anti-recetor da TSH elevados) antes de iniciar terapêutica com 131I. (58)

Algumas das formas mais graves da patologia tiroideia induzida pela amiodarona poderão necessitar de terapêutica com glucocorticoides, ATS e por vezes cirurgia. A

49 interrupção da amiodarona não tem efeito imediato devido à sua semivida prolongada, para além de que por vezes não é viável devido à doença cardíaca subjacente. (3)

Uma vez que a cirurgia acarreta algumas complicações nos doentes idosos, esta está reservada para doentes que apresentem um bócio de maiores dimensões e com sintomas obstrutivos ou quando se suspeita de doença maligna. (58)

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