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HISTÓRIA DO CALÇADO FEMININO

1 INTRODUÇÃO

2.4 HISTÓRIA DO CALÇADO FEMININO

Analisar a evolução do calçado ao longo da história é essencial para compreender o seu significado cultural e os métodos de produção utlizados. Alguns dos elementos e características correspondentes aos calçados modernos remontam aos modelos e às experiências de séculos muito distantes (Choklat, 2012). O calçado, assim como qualquer outra peça do armário feminino, é o reflexo do tempo em que é produzido (Berg, 2007).

Relatos históricos indicam que os calçados já eram utilizados durante o período da Pré-História, embora não existam provas físicas para o comprovar, “a primeira prova indireta da existência de um sapato primitivo data de 40 mil anos, quando a estrutura óssea do dedinho do pé começava a mudar – uma indicação que os seres humanos usavam algo nos pés” (Choklat, 2012, p.10). Os calçados do período paleolítico consistiam em pele de animais amarradas no tornozelo para proteger das adversidades climáticas e, supostamente, promover o conforto (Pendergast & Pendergast, 2004).

É possível considerar as sandálias como o modelo mais antigo de calçado. Como pode ser observado na Figura 1, os egípcios já fabricavam as suas sandálias com pele de animais, papiro, folhas de palmeira e com blocos de madeira para proteger os pés. Algumas eram decoradas com metais preciosos, bem como cravejadas com pedras semipreciosas. As sandálias mais ornamentadas eram de uso exclusivo dos faraós (McDowell, 1989; Pendergast & Pendergast, 2004).

Figura 1: Sandália egípcia em papiro5.

Na Grécia Antiga, nota-se um avanço no desenvolvimento dos calçados e o empenho no fabrico de calçados com modelos variados, confortáveis e funcionais. Os gregos utilizavam botas de cano longo ou curto e sandálias coloridas, normalmente, fechadas com cordas de pele de animais (Pendergast & Pendergast, 2004).

Com o fim do Império Romano, as técnicas de fabrico de calçados tornaram-se mais simples. Contudo, ao longo dos séculos, a principal mudança foi na construção dos calçados: a parte superior e a sola feitas com materiais diferentes e costurados juntos (DeMello, 2009).

Ao longo do século XV, foi popularizado o calçado masculino Poulaines. O modelo era formado

por uma biqueira longa e pontiaguda, sem qualquer utilidade prática, o tamanho dela variava conforme a posição social (Berg, 2007). As mulheres utilizavam calçados parecidos só que com biqueiras menores e arredondadas (Pendergast & Pendergast, 2004).

No século XVI, o calçado Chopines, que se encontra na Figura 2, foi muito utilizado pelas

cortesãs venezianas que queriam evitar a sujidade das ruas. Este modelo era constituído por uma plataforma de madeira com mais 15 cm e com a parte superior em seda bordada, tornando impraticável o caminhar das mulheres (Choklat, 2012).

Figura 2: Chopines6.

Entre os séculos XVII e XVIII, com o aumento do fluxo do comércio estrangeiro na Europa

Ocidental, novos elementos de design começaram a ser introduzidos nos calçados, incluindo

materiais nobres, bordados e apliques (Choklat, 2012). Não existiam muitas diferenças entre os calçados femininos e masculinos, visto que as mulheres utilizavam longas saias e que pouco expunham os pés. O calçado favorito dos homens foram as botas cano curto, que continuaram a ser utilizadas por mais 200 anos, sempre com algumas alterações na altura dos saltos e nos elementos decorativos (McDowell, 1989).

No século XVII, o rei de França Luís XIV idealizou o famoso calçado com salto alto coberto com

pele em vermelho, conhecido como Talon Rouge, que se localiza na Figura 3, tornando-se

símbolo de status aristocrático na sociedade europeia. Com o fim da Revolução Francesa, os homens e as mulheres abandonaram o hábito de usar o salto alto para utilizar calçados baixos e simples (Choklat, 2012; McDowell, 1989).

Figura 3: Talon Rouge de Luís XIV7.

No início do século XX, com as novas tendências de moda lançadas por grandes costureiros da Alta Costura como Paquin, Worth e Lanvin; as saias e os vestidos longos deram lugar aos modelos ligeiramente curtos que mostravam o calçado (Berg, 2007; Bossan, 2012). É neste

período que o calçado começou lentamente a ganhar o status que tem hoje, sendo tão

importante e estimado quanto qualquer outra peça de roupa e acessórios. A parceria de estilistas da Alta Costura com os designers de calçado contribuiu muito para isto, visto que o mercado passou a oferecer modelos criativos e originais, desenvolvidos conforme as últimas tendências da moda (Berg, 2007).

Nas décadas de 30 e 40 surgem importantes designers de calçado como o italiano, Salvatore

Ferragamo, reconhecido pela inovação nos seus modelos e a criação da icónica sandália de plataforma, que pode ser observada na Figura 4. Neste mesmo período, a Europa enfrentava uma escassez de materiais devido à guerra, situação que obrigava os designers a desenvolverem modelos pesados e menos femininos e também a utilizarem materiais alternativos como madeira, cortiça e palha em suas criações (Choklat, 2012; Kennett, 1983).

Figura 4: Plataforma de Salvatore Ferragamo8.

Na década seguinte diante das novas descobertas tecnológicas por causa da guerra, novos

materiais começam a ser introduzidos nos modelos de calçado. Roger Vivier, designer francês,

inova ao lançar o modelo stiletto, que se encontra na Figura 5, calçado com biqueira fina e salto

7 Fonte: https://www.flickr.com/photos/44890094@N08/4118054820 8 Fonte: http://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/1973.282.2

alto, tipo agulha, feito de aço, material que pela primeira vez começa a ser produzido em larga escala industrial (Choklat, 2012).

Figura 5: Stiletto de Roger Vivier para Dior9.

Nos anos 60, os designers de calçado buscaram inspiração nos programas de televisão, ídolos musicais e na moda de rua. Neste período, o estilista francês, Andrè Courrèges, apresentou ao mercado o modelo “go-go boot”, presente na Figura 6: bota em pele com cano alto, biqueira e salto ligeiramente quadrados (Choklat, 2012). O modelo foi largamente copiado ao redor do mundo (Kennett, 1983).

Figura 6: Go-go boot de Andrè Courrèges10.

Os anos 70 foram marcados por calçados que conciliavam o conforto com a beleza estética. A preferência das mulheres era de calçados baixos e confortáveis durante o dia e à noite os saltos altos, preferencialmente as plataformas (Berg, 2007). Na Grã-Bretanha, popularizavam-se os calçados, nomeadamente as botas militares, com aspeto agressivo e decorados com tachas, influência direta o movimento punk do final da década (Choklat, 2012).

O estilo esportivo virou referência nos anos 80 e, a moda de rua misturou-se com a moda desportiva. Com isto, as sapatilhas de desporto começam a ser cada vez mais vistas nas ruas (Choklat, 2012).

9 Fonte: http://www.metmuseum.org/collection/the-collection-online/search/80151 10 Fonte: http://houseofretro.com/wp-content/uploads/2013/04/cour311.jpg

Na década de 90, o calçado ganhou status de luxo ao serem fabricados com materiais delicados até então nunca utilizados como pedrarias e penas. O modelo stiletto, com salto ainda mais alto,

recebem estes novos adornos pelas criações do designer Manolo Blahnik (Berg, 2007).

Ao longo do novo milénio, finalmente o calçado alcança os holofotes da moda e as importantes lojas de departamento ao redor do mundo passam a dar ainda mais destaque a esta secção, aumentando os estoques e investindo fortemente no apelo visual das montras. O novo milénio também trouxe mudanças no comportamento do consumidor em relação ao calçado, com a

abertura de lojas online e a aderência cada vez maior ao serviço ano após ano. Outra

característica do novo milénio, além do investimento e aplicação de novas tecnologias nos calçados para o conforto e performance, é a atenção à questão ética na parte da produção, na tentativa de substituir os materiais poluentes pelos ecologicamente corretos e reduzir a utilização dos recursos naturais (Choklat, 2012).

Contudo, é importante ressaltar que desde a sua origem até ao presente momento, o calçado é um produto que está muito atrelado às tradições culturais da humanidade, seja ele utilizado para dar proteção às adversidades climáticas ou distinguir as classes sociais (Linden, 2004). Nas culturas, do passado e do presente, verifica-se a existência de modelos de calçados que são considerados símbolos de status e poder social, devido às suas cores, materiais e formatos (Collins, 1994). Entre esses calçados estão “as sandálias com solado em ouro dos imperadores romanos, o calçado com salto alto vermelho da corte do rei Louis XIV (...)” (O'Keeffe, 1996, p.14).

O calçado é mais que um produto de estilo, é responsável por transmitir uma mensagem à sociedade (Berg, 2007). Ele também é responsável por refletir a personalidade de quem o utiliza (McDowell, 1989). O ato de escolher e calçar um modelo cria uma “(...) significação que forma

um código de sociedade e das instituições onde é utilizado” (Sotoriva et al., 2012, p.2). Na

escolha por um modelo, a mulher não decide apenas proteger os seus pés, mas comunicar a sua personalidade e manifestar o desejo de aceitação no grupo social (Seferin, 2012). A comunicação e a aceitação social são temas abordados por Eco et al. (1982, p.15 e 16) através do exemplo da indumentária, que também serve para o calçado: “a indumentária assenta sobre códigos e convenções, muito dos quais são fortes, intocáveis (...), tais como levar utentes a “falar de modo gramaticalmente correcto” a linguagem do vestuário, sob pena de ser banido pela comunidade”. Na sociedade, os indivíduos costumam utilizar o calçado para inferir diferenças e criar estereótipos entre si mesmos e noutras culturas. Isto porque através do

calçado são evidenciadas as características de classe social, cultura, gênero, humor e senso de estilo (Belk, 2003).

“Os objetos são nossa maneira de medir a passagem de nossas vidas. São o que usamos para nos definir, para sinalizar quem somos, e o que não somos. Ora são as joias que assumem esse papel, ora são os móveis que usamos em nossas casas, ou os objetos pessoais que carregamos conosco, ou as roupas que usamos. (…) E o design passou a ser a linguagem com que se molda esses objetos e confecciona as mensagens que eles carregam” (Sudjic, 2010, p.21). A perceção do indivíduo em relação ao calçado é influenciada pelo fator cultural. Na história, o calçado com salto alto esteve muito relacionado com o status social, mas foi com o passar dos tempos que passou a ser associado a novos significados, entre eles o poder e sedução (Sotoriva et al., 2012). Para as mulheres o calçado com salto alto transmite uma mensagem de sensualidade, status, imponência e feminilidade à sociedade, sendo observado como símbolo de sacrifício e subordinação feminina. Ao calçá-lo, a mulher, automaticamente, muda a sua postura e torna-se mais sensual e feminina (Steele, 2005).

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